O Estado dativo, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há décadas os procuradores se comportam como se não tivessem obrigação de prestar contas a quem quer que seja.

O Estado dativo

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Já se passaram 36 anos desde o VII Encontro Nacional dos Estudantes de Direito (ENED), realizado em Curitiba/PR no ano de 1985. Fui ao encontro como representante do Diretório Acadêmico XVII de Abril. Lembro-me bem daquele evento.

O frio intenso da capital do Paraná foi uma surpresa desagradável. Os banhos num chuveiro elétrico que não funcionava também. Não tenho nenhum registro fotográfico daquele encontro, mas lembro-me bem da conversa que tive com a filha de um desembargador paulista que compareceu naquele ENED.

Ela era estudante da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Eu primeiro-anista da Faculdade de Direito de Osasco. Após uma breve caminhada pelo Passeio Público que existe no centro de Curitiba, retornamos ao refeitório vindo do local onde as discussões eram realizadas. O tema da nossa conversa era inevitavelmente o Direito Constitucional, pois os estudantes que compareceram naquele ENED estavam aquecendo as turbinas para a Assembleia Constituinte que já havia se tornado inevitável.

Em certo momento aquela moça, cujo nome devo confessar que esqueci, disse-me que defendia o “Estado dativo”. Pedi para ela explicar esse conceito.

– Isso é simples – disse ela – o Estado tem que dar tudo o que as pessoas precisam.

– E quem vai pagar os impostos? – perguntei.

– Essa questão é irrelevante – respondeu ela sorrindo -, pois se for necessário o Estado pode imprimir dinheiro.

Confesso que fiquei irritado.

– O Estado não produz riqueza, ele só arrecada tributos. Além disso, a emissão descontrolada de papel-moeda poderia gerar inflação.

Ela encerrou a conversa com uma frase lapidar.

– Isso não importa – disse ela acelerando o passo e se distanciando de mim – o Tribunal dá tudo o que minha família precisa e eu defendo o “Estado dativo” para todo mundo.

Lembrei dessa conversa ocorrida no VII ENED em por causa de uma notícia trivial publicada hoje https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/02/procuradores-que-recebem-ate-r-100-mil-falam-em-esmola-e-protestam-contra-celular-funcional-de-r-3600.shtml. Quando se despediu da função de Procurador-Geral da República (governo Sarney), Sepúlveda Pertence proferiu outra frase lapidar:

Eu não sou o Golbery, mas também criei um monstro”.

O monstro a que o futuro Ministro do STF se referia era obviamente o MPF.

Abusando de sua autonomia, esse órgão se tornou um verdadeiro predador do Estado brasileiro. Há décadas os procuradores se comportam como se não tivessem obrigação de prestar contas a quem quer que seja. Durante a Operação Lava Jato o MPF funcionou como o covil de bandidos que ignoravam os limites da Lei, com poderes excepcionais para fazer política externa, contornando o Ministério da Justiça e o Itamaraty, e para interferir politicamente no resultado das eleições presidenciais.

Além de destruir a economia do Brasil, os procuradores lavajateiros e seus colegas parecem defender o “Estado dativo” mencionado por minha interlocutora há 36 anos. Eles ganham salários nababescos, mesmo assim exigem que o Estado lhes dê tudo o que eles desejam: de iPhones e MacBooks caríssimos aos penduricalhos salariais imorais.

Pouco importa se os objetos de desejo dos procuradores serão pagos com os impostos arrecadados de uma população que está sendo abandonada à própria sorte durante a pandemia. Não por acaso, alguns desses mesmos procuradores querem ser vacinados antes que os “outros” cidadãos.

Eles não agem como se fossem agentes do Estado, pois é evidente que o Estado está a serviço deles e não o contrário. O mesmo pode ser dito dos generais, para os quais o “Estado dativo” passou a fornecer caviar, picanha, champanhe e whisky 12 anos. Quantas vacinas poderiam ser compradas com o dinheiro que o STF, STJ, TST, STM, TRFs e TJs gastaram e gastarão com refeições sofisticadas e snacks importados da Europa?

Do século XVI ao século XIX, os negros coisas e os índios carregaram nas costas todo o peso “Estado dativo” colonial e imperial. Nos dias de hoje, os “outros” são os cidadãos comuns, aqueles que trabalham para pagar impostos e que morrem antes de receber a primeira dose da vacina contra a pandemia letal que se alastrou pelo país.

Em algum momento esse Estado que dá tudo aos procuradores, juízes e generais terá que deixar de existir. Ou não, pois é evidente que no Brasil o “Estado dativo” tem uma inércia histórica secular.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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