O frei ameaçado pela bauxita, por Marcelo Auler

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Do blog de Marcelo Auler

O frei ameaçado pela bauxita

por Marcelo Auler

Há 15 dias, logo após celebrar a missa dominical pela manhã, Frei Gilberto Teixeira, franciscano da Fraternidade Santa Maria dos Anjos, pároco da igreja de Santo Antônio, em Belisário, distrito de Muriaé, uma das cidades no entorno da Serra do Brigadeiro, na Zona da Mata de Minas Gerais, recebeu uma estranha visita. Não era nenhum paroquiano conhecido. Tampouco alguém que já tivesse visto pela cidade. O diálogo, à porta fechada, no salão paroquial, deu-se mediante a ameaça de uma arma. O recado foi simples, direto e contundente, como o próprio religioso relatou depois:

“Frei, o senhor está falando demais em mineração. Estou vindo aqui só para dar um aviso. Da próxima vez, se eu vier, não será agradável para o senhor. É para o senhor parar de falar de mineração nos seus espaços e aonde o senhor for”.

A ameaça veio acompanhada de detalhes da vida do frei.  O desconhecido deixou claro que o religioso vem sendo seguido, seja pessoalmente, seja – como suspeitam alguns na região -, pelo rastreamento do seu celular (*). Utensílio que depois da visita ele abandonou, como descreveu o biólogo Luiz Paulo Guimarães de Siqueira, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM. Outro detalhe importante é que, no sábado anterior (18/02) ele presidiu uma reunião para discutir a Campanha da Fraternidade de 2017. O tema deste ano está relacionado aos biomas brasileiros. A Diocese de Leopoldina – município a 61 quilômetros de distância,  à qual a Igreja de Santo Antônio pertence – escolheu o distrito de Belisário para representar a zona da Mata Mineira, em parceria com biólogos e ativistas ambientais. Na reunião falou-se sobre a mineração e o pistoleiro que visitou Frei Gilberto soube descrever com detalhes o que havia passado durante o encontro. Siqueira, recorda do relato feito pelo frei após a ameaça sofrida:

“O sujeito falou que sabia onde o frei esteve na semana anterior, mencionou que ele passou três dias em Contagem (cidade na região metropolitana de Belo Horizonte), que parou em Ouro Preto, almoçou em Rosário de Limeira. Demonstrou que de alguma forma ele estava rastreando o frei. Nós acreditamos que seja através do celular do Frei Gilberto.”

A ameaça foi devidamente registrada na Polícia de Muriaé e o religioso, de imediato, recebeu a solidariedade e o apoio do bispo Dom José Eudes Campos do Nascimento, da Diocese de Leopoldina. Na nota, porém, o bispo omite qualquer problema com a mineração e apenas menciona o trabalho do religioso em defesa dos pequenos produtores rurais. Fato que descontentou a muitos militantes da causa ecológica na região, pois a ameaça maior que estes produtores sofrem hoje vem da tentativa de exploração da bauxita (rocha de cor vermelha formada principalmente por óxido de alumínio, principal fonte natural de alumínio).

Na nota (veja ao lado), o bispo destaca o trabalho do religioso e lembra o assassinato da irmã Dorothy Stang, com seis tiros, aos 73 anos de idade, em fevereiro de 2005, em uma estrada de terra de difícil acesso, a 53 quilômetros da sede do município de Anapu, no Estado do Pará:

Frei Gilberto, em sua função missionária, como deve ser, vem prestando assistência e apoio aos pequenos agricultores de sua comunidade, na luta contra a espoliação de suas terras e a degradação das áreas de lavouras familiares. Em nosso País, como temos assistido com muita dor, os ditos “grandes empreendimentos” não suportam argumentação que contrarie seus planos, sabedores de que sempre sairão vitoriosos. Pelo que, ignoram qualquer bem-estar ou direito dos fracos. Se entender necessário, desprezam até mesmo a vida humana dos contraditores. Irmã Dorothy é uma das nossas mais recentes e dolorosas memórias…”

Se não há como deixar de relacionar a ameaça sofrida por Frei Gilberto à questão da mineração na região, ainda é impossível apontar quem estaria por trás do recado que o “visitante” lhe levou no domingo, 19 de fevereiro. Ao longo do seu trabalho pastoral, o religioso desenvolve campanhas em favor do meio ambiente. Com isso, desagrada a muitos.

Em vermelho, no mapa, a área de bauxita que se pretende explorar.

Em vermelho, no mapa, a área de bauxita que se pretende explorar.

A Serra do Brigadeiro, na Zona da Mata mineira é, ao mesmo tempo, conhecida por sua rica biodiversidade, com amplas áreas preservadas de Mata Atlântica, mas também uma região com algumas das maiores reservas de bauxita. Mapeamentos feitos por geólogos a serviço de mineradoras mostram, por exemplo, que o distrito de Belisário é quase todo coberto pela rocha avermelhada. Outra característica da região é a chamada agricultura familiar, com uma forte produção de olerícolas (legumes), café, frutas (como uvas orgânicas), além de ser um forte polo de produção leiteira. A bauxita, por ser porosa, não atrapalha a produção agrícola ou pecuária.

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Redação

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