O novo Direito Constitucional do Home Office do genocídio, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A vida e sua proteção cederam espaço à crença de que a economia pode ser salva mediante sacrifícios aleatórios de seres humanos inocentes.

O novo Direito Constitucional do Home Office do genocídio

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Hoje chegou a minhas mãos a liminar concedida pelo juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Araraquara, através da qual foi considerado inconstitucional o Decreto municipal que determinou o confinamento total da população durante a pandemia.

Os argumentos utilizados pelo juiz são basicamente dois:

1- a incompetência do prefeito para impor restrições semelhantes àquelas enumeradas no art. 136, da Constituição Federal.

2- o fechamento do comércio também ofenderia as garantias constitucionais fundamentais prescritas no art. 5º, incisos XIII, XV e LIV, da Constituição Federal.

A decisão é aparentemente correta. Todavia, salta aos olhos a semelhança entre essa decisão e a petição inicial assinada por Jair Bolsonaro e indeferida de plano pelo Ministro Marco Aurélio de Mello https://www.bbc.com/portuguese/brasil-5650370.

Os fundamentos daquela ação também eram a competência privativa do presidente para decretar estado de defesa e a necessidade da administração pública preservar os interesses privados dos comerciantes durante a pandemia. Tanto o presidente genocida quando o juiz que concedeu a liminar requerida por uma associação de empresários esqueceram um detalhe fundamental: a competência outorgada aos Estados e Municípios para “cuidar da saúde e da assistência pública” da população (art. 23, II, da CF/88), norma expressamento mencionada pelo STF no Acórdão proferido sobre a matéria durante a pandemia http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442816.

“A utilidade pública dá-nos, por assim dizer, o traço essencial do Direito Administrativo” (CIRNE LIMA, Princípios de Direito Administrativo, 6ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais).

O Decreto municipal reduziu drasticamente as mortes na cidade de Araraquara https://www.otempo.com.br/brasil/araraquara-ve-queda-de-mortes-e-casos-por-covid-19-apos-32-dias-de-lockdown-1.2463466. Portanto, ninguém pode dizer que o ato administrativo do prefeito deixou de atender uma utilidade pública. O fato dele causar prejuízos aos comerciantes, entretanto, parece ter sido considerado mais importante pelo juiz que proferiu a decisão comentada.

A vida e sua proteção cederam espaço à crença de que a economia pode ser salva mediante sacrifícios aleatórios de seres humanos inocentes.

Há algum tempo, o presidente brasileiro disse irritado “Eu sou a constituição” https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/democracia-e-liberdade-acima-de-tudo-diz-bolsonaro-apos-participar-de-ato-pro-golpe.shtml. A decisão do juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Araraquara que ignora a jurisprudência do STF e referenda a petição inicial de Jair Bolsonaro indeferida pelo Ministro Marco Aurélio de Mello prova satisfatoriamente que o Home Office do Genocídio criou um novo Direito Constitucional. A principal característica dele é a substituição do texto da Constituição Cidadã pela vontade enunciada pelo presidente da república.

A tripartição dos poderes deixou de existir, pois o juiz de primeira instância referendou aquilo que foi enunciado pelo presidente e não a jurisprudência do Tribunal encarregado de interpretar a Constituição Cidadã em última instância. A hierarquia dentro do Judiciário também foi rompida, na medida que as decisões do STF tem menos valor do que a versão autoritária da Constituição ditada pelo tirano.

O Decreto considerado inconstitucional salvou centenas de vidas. Isso é inadmissível, pois os lucros comerciais são mais importantes do que a preservação do direito à vida dos cidadãos. Essa é uma outra característica da Constituição do Home Office do Genocídio. Não por acaso o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Araraquara submeteu os interesses da coletividade (que estavam sendo adequadamente protegidos pelo prefeito) aos interesses mesquinhos privados de uma associação de empresários.

Nas próximas semanas dezenas de cidadãos de Araraquara morrerão em decorrência da circulação do vírus letal autorizada pela liminar concedida pelo juiz. Ele será responsabilizado pelas mortes? Essa é uma questão que precisará ser respondida. Uma coisa é certa. Os parentes das novas vítimas poderão acionar o Estado que ignorou sua própria Constituição, desprezou o direito à vida e permitiu a exposição da população ao contágio da pandemia em Araraquara se recusando a respeitar as recomendações científicas da Organização Mundial de Saúde.

jornalggn.com.br-doc-62513044

Fábio de Oliveira Ribeiro

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