Organizações canadenses pedem que governo não reconheça governo Temer

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Jornal GGN – Manifesto pedindo que o país não reconheça a legitimidade do governo provisório e interino de Michel Temer foi assinado por vinte e oito organizações canadenses de direitos humanos e sociais e enviado ao primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. De acordo com a carta, o Brasil foi vítima de uma golpe “associado claramente ao desmonte de diversas políticas sociais bem como à continuação e aumento de graves violações dos direitos humanos e ambientais no país”.

Segundo o manifesto, fica mais evidente a questão do golpe após a divulgação de conversas telefônicas envolvendo Romero Jucá, senador e na ocasião ministro do governo provisório, e o ex-presidente da Petrobras Transporte, Sérgio Machado. A carta aponta que é possível ouvir os dois falando em pacto em torno da destituição da presidente Dilma Rousseff e indicação de Temer, vice-presidente e conivente com o golpe. Tudo isso em torno das investigações da Operação Lava Jato, que cita todos eles, inclusive o vice-presidente e atual presidente interino, bem como Jucá, e outros políticos envolvidos no golpe.

Leia o manifesto na íntegra.

“Monsieur Justin Trudeau

Premier ministre du Canada

Cabinet du Premier ministre

80, rue Wellington

Ottawa, ON K1A 0A2

Montreal, 8 de junho de 2016

Excelentíssimo Senhor Primeiro-Ministro,

Nós, organizações canadenses signatárias desta carta, vimos por meio desta comunicar nossa profunda preocupação com a atual crise política no Brasil que, há algumas semanas, levou a um golpe de estado visando à destituição da presidenta democraticamente eleita, Dilma Rousseff. Exprimimos nossa solidariedade à população brasileira, que neste momento enfrenta este golpe associado claramente ao desmonte de diversas políticas sociais bem como à continuação e aumento de graves violações dos direitos humanos e ambientais no país.

O golpe em curso no Brasil tornou-se ainda mais claro após a divulgação de gravações telefônicas envolvendo um então ministro do governo Temer, o senhor Romero Jucá, e o ex-presidente da Petrobrás Transporte, o senhor Sérgio Machado. Na gravação, é possível ouvir os dois envolvidos falando em pacto em torno da destituição da presidenta Rousseff e da indicação do senhor Temer como o melhor presidente para obstaculizar o andamento da maior investigação sobre casos de corrupção já realizada no Brasil, chamada de Operação Lava-Jato. De acordo com as gravações, a permanência da senhora Dilma Rousseff na presidência iria possibilitar que tal investigação prosseguisse, e assim todos os políticos investigados (incluindo os dois que dialogavam) “iriam cair”. A gravação remonta a uma conversa realizada em março, semanas antes da votação da admissibilidade do impeachment pela Câmara dos Deputados. A sua divulgação foi realizada pelo jornal de maior circulação no Brasil, chamado Folha de São Paulo, no dia 23 de maio.

O recente golpe de estado no Brasil, que envolve a possível destituição do cargo da presidenta Dilma Rousseff, assim como as decisões políticas do atual governo Temer que afrontam a garantia de direitos humanos, têm sido denunciados tanto nacional quanto internacionalmente. Diversas mídias têm divulgado que a presidenta tem sido acusada em razão de um crime de bases jurídicas frágeis, cuja prática foi recentemente realizada por governadores e prefeitos em todo o país, pelos dois últimos presidentes que a antecederam e mesmo por seu então vice-presidente e atual presidente interino. Tais mídias também noticiaram amplamente que parcela significativa de deputados e senadores que votaram a favor da admissibilidade do processo de impeachment contra Rousseff são citados na investigação Lava-Jato, inclusive o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, recentemente afastado pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro sob acusação de corrupção. Cunha é igualmente citado na lista Panama Papers, que jogou os holofotes em milhares de casos de corrupção em todo o mundo Em meio a tudo isso, Dilma Rousseff não é sequer acusada formalmente de prática de corrupção.

Somado a esse cenário, na data de 18 de maio deste ano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no comunicado de imprensa 67/16, externou “a sua profunda preocupação com retrocessos em matéria de direitos humanos no Brasil”. Organizações e intelectuais mundialmente reconhecidos têm alertado para o “soft coup” no Brasil. O Council on Hemispheric Affairs (COHA), em reportagem publicada no dia 12 de maio, posterior à decisão do Senado pelo afastamento temporário da presidenta, alertou para os riscos desse processo de impeachment para a democracia brasileira e para a estabilidade democrática da América Latina.

No Brasil, frentes populares de luta pela democracia e organizações conhecidas internacionalmente pela defesa de direitos humanos e ambientais, manifestaram-se nas ruas sistematicamente contra o golpe. Essas frentes contrárias ao impeachment dizem também que as principais forças políticas de apoio à destituição da presidenta se baseiam em uma agenda conservadora, e portanto contrária aos interesses das populações marginalizadas e de minorias políticas, como mulheres, negros e indígenas. Tais forças visam a adotar políticas ambientais que põem ainda mais em risco o meio ambiente no Brasil.

Tais temores vêm sendo confirmados nos poucos dias do governo Temer, o qual vem implementando, desde o último 12 de maio, uma série de cortes em políticas públicas voltadas à inclusão social. Outros cortes orçamentários em programas sociais de base que retiraram milhares de pessoas da extrema pobreza no Brasil, como os programas “Bolsa Família” e “Minha Casa, Minha Vida”, já foram anunciados. Um dos primeiros atos do atual governo foi revogar decretos assinados pela presidenta Rousseff permitindo a construção de mais casas para pessoas de baixa renda, e outros que garantiam o direito à terra para certos povos indígenas e quilombolas. A reforma ministerial e os ministros indicados pelo governo Temer vêm igualmente adotando uma série de mudanças que ameaçam o direito à livre manifestação de movimentos sociais e outros direitos humanos no Brasil.

De partida, Temer retirou o status de ministério da pasta que tratava dos direitos das mulheres, da igualdade racial e dos direitos humanos, e nomeou para composição do primeiro escalão dos ministérios de seu governo somente homens, brancos, e que se declaram heterossexuais. Não há nenhuma representatividade para mulheres, negros, indígenas, LGBTQI, ou movimentos sociais. É a primeira vez desde a ditadura militar que nenhuma mulher ocupa o primeiro escalão do governo federal. Até mesmo o último presidente da época da ditadura, o General João Figueiredo, nomeou uma mulher para o Ministério da Educação e Cultura em 1982. O governo Temer representa um grande retrocesso e não tem espaço no Brasil de 2016.

A falta de representatividade política de mulheres no governo Temer ocorre em um momento no Brasil onde a grande mídia e as classes políticas que encabeçam o processo de golpe no Brasil têm se utilizado, recorrentemente, de argumentos misóginos, machistas e sexistas para desqualificar a presidenta, deputadas, senadoras e outras lideranças políticas em sua condição de mulher. Por conta disso, UN Women tem condenado o sexismo contra a presidente.

Diante do exposto, reiteramos nossa solidariedade com os brasileiros e brasileiras que se unem para denunciar a ilegitimidade deste governo, que chega ao poder de maneira não democrática. Diante dessa situação, pedimos ao governo canadense que:

Respeite o engajamento deles e delas pela proteção da democracia, dos direitos humanos, dos direitos ambientais e da justiça;Recuse reconhecer o governo de Michel Temer;

Denuncie publicamente o processo ilegítimo e anti-democrático que levou Michel Temer à presidência do Brasil.

Assinam essa carta:

Alliance internationale des femmes/International Women’s Alliance

Coordination nationale de l’Association des religieuses pour les droits des femmes (ARDF)

Centre d’appui aux Philippines/Centre for Philippine Concern

Carrefour d’animation et de participation à un monde ouvert (CAPMO)

Carrefour de participation, ressourcement et formation-CPRF

Centre ressources pour femmes de Beauport-CRFB

Collectif Brésil-Montréal

Collectif régional Léa-Roback

Commission justice, paix et intégrité de la création (Petites soeurs de l’Assomption)

Comité Justice sociale des Soeurs Auxiliatrices

Comité pour les droits humains en Amérique latine

ConcertAction femmes Estrie

Confédération des associations latino-américaines de Québec (CASA)

Confédération des syndicats nationaux- CSN

Coordination du Québec de la Marche mondiale des femmes

Fédération des femmes du Québec

Femmes de diverses origines/Women of Diverse Origins

Groupe Solidarité Justice (CND)

L’Entraide missionnaire

Point d’appui- Centre d’aide et de prévention des agressions à caractère sexuel de Rouyn-Noranda

Regroupement des groupes de femmes de la région de la Capitale-Nationale (Portneuf-Québec-Charlevoix)

Service jésuite des réfugiés

Syndicat de la fonction publique et parapublique du Québec- SFPQ

Syndicat des Métallos

Soeurs Auxiliatrices du Québec

Soeurs Missionnaires de Notre Dame d’Afrique JPIC-RD

Table de concertation de Laval en condition féminine (TCLCF)

Table de concertation des groupes de femmes du Bas-Saint-Laurent (TCGFBSL)”

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador