Os danos permanentes da prisão provisória

Do Justificando

No Rio, 54% dos presos em flagrante foram mantidos presos indevidamente

No Rio de Janeiro, 54% dos presos em flagrantes foram encarceirados indevidamente e o tempo médio para que uma pessoa presa em flagrante seja apresentada a um juiz pode chegar a 101 dias. É o que mostra pesquisa do Instituto Sou da Paz, que foi divulgada esta semana, no Rio.

A pesquisa analisou mais de 7 mil presos na capital fluminenses. Destes apenas 19% foram condenados ao regime fechado, 10% absolvidos e 16% condenados com penas alternativas ou regime semi aberto, o que soma no total 54% de prisões indevidas.

Todas essas prisões custaram aproximadamente 45 milhões aos cofres públicos. Esse valor daria para manter 9,9 mil alunos do ensino básico ou para construir 76 postos de saúde, segundo o Sou da Paz.

https://www.youtube.com/watch?v=Y5ZF684Ty28 height:394

Audiência de custódia 

Esses números mostram a necessidade da audiência de custódia que começa a ser colocada em prática hoje, 18, no Estado. Assim como ocorreu em São Paulo, a chegada das audiências de custódia à capital fluminense ocorrerá em etapas – inicialmente, o projeto alcançará cinco centrais de flagrante que englobam 15 delegacias, com expectativa de solução de 20 a 40 casos por dia.

Em instalações anexas ao Plantão Judiciário do TJRJ, a primeira central da capital funcionará em duas salas com dois juízes designados, que atenderão apenas em dias úteis – em um primeiro momento, os flagrantes do final de semana serão encaminhados para a segunda-feira seguinte. 

Assim que apresentado pelos policiais, o custodiado passará por exame médico para avaliar sua integridade física e, após a audiência, dependendo de cada caso, pode haver atendimento por equipe formada por assistente social e psicólogo, que farão encaminhamento para a rede de atendimento do estado e do município e de outros órgãos e instituições conveniadas. “É o primeiro passo para criarmos a Central de Alternativas Penais exigida pelo CNJ”, explica a juíza auxiliar da presidência do TJRJ, Maria Tereza Donatti. Caso o juiz decida pela prisão preventiva, o custodiado é encaminhado para ingresso no sistema carcerário.

Presos Provisórios 

A pessoa que foi acusada de um crime e é mantida presa até o julgamento é chamada de preso provisório. Pelo princípio constitucional (artigo 5º, LVII) da Presunção de Inocência, todas as pessoas ainda não julgadas são consideradas inocentes.

Por lei, um juiz só pode decretar prisão preventiva em casos extremos: 1. em que a liberdade dos acusados coloca em risco a instrução do processo, 2. quando há indícios de que possa ameaçar testemunhas ou destruir provas, 3. quando há indícios concretos de que o acusado voltaria a cometer crimes, de modo que a prisão se justificaria pela “garantia da ordem pública” (que por ser um termo vago, frequentemente é usada para manter prisões sem justificativa razoável); 4. pelo risco concreto de fuga ou 5. pelo risco concreto de abalo à ordem econômica.

Redação

4 Comentários

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  1. ””No Rio de Janeiro, 54%

    ””No Rio de Janeiro, 54% dos presos em flagrantes foram encarceirados indevidamente e o tempo médio para que uma pessoa presa em flagrante seja apresentada a um juiz pode chegar a 101 dias”

    Eu não entendi, ou há uma lei nova federal pra um suspeito ser apresentado ao juiz em 24 horas ?

    Se eu estiver errado, peço desculpas.

    Mas se eu estiver certo, este post é inóquo.

  2. Mais um bônus da Lava-Jato

    Mais um bônus da Lava-Jato para o país.

    Antes do Odebrecht, tinha uma multidão de PPP em prisão provisória ou cautelar, e a imprensa nem percebia. Até o Gilmar Mendes tinha notado.

  3. O juiz e a banalidade do mal,

        seg, 20/07/2015 – 17:02Atualizado em 20/07/2015 – 17:03

    Do Justificando

    Para Luis Carlos Valois, Marcelo Semer e Rubens Casara, que fazem da magistratura poesia viva; e da justiça, razão de ser. 

    Hannah Arendt descreve Adolf Eichmann, oficial alemão responsável pela logística do transporte de judeus para campos de concentração, como um homem que não admitia qualquer culpa no extermínio massivo de pessoas durante o Terceiro Reich. No seu julgamento, reportado pela filósofa alemã de origem judaica no livro Eichmann em Jerusalém (Companhia das Letras, 1999), Eichmann enfatizava que não passava de um mero cumpridor de ordens e, como tal, jamais poderia ser punido por se desincumbir com eficiência das funções a ele acometidas pelo regime nazista. Sua tarefa limitava-se, insistia ele em seus muitos depoimentos, a organizar a identificação de pessoas, encontrar e providenciar rotas de trens; e que não tinha responsabilidade sobre o destino dos milhares de judeus transportados para os campos de extermínio.

    Dizendo-se funcionário público exemplar, Eichmann cumpria à risca as ordens superiores, cuja legalidade estava assegurada pelo ordenamento jurídico do regime nazista. Não havia ilegalidade em sua conduta, defendia-se; pelo contrário, agia exatamente como determinava a lei. Assim se manifestava o que Hanna Arendt depois conceituou como a “banalidade do mal”.

    Neste breve texto, proponho um exercício intelectual no sentido de traçar um paralelo entre aquela prática nazista, cuja legalidade era atestada por importantes juristas da época, e o contexto atual do sistema penal brasileiro.

    Para onde são levados aqueles que são apontados pela polícia como autores de crimes ou aqueles que são condenados pela justiça criminal brasileira?

     

    Respondo: para presídios como esses das fotos ao longo do texto. Com uma ou outra diferença, a regra geral é a inclusão de homens e mulheres em espaços que em boa parte se assemelham a campos de concentração. Superlotados, fétidos e sombrios ou mesmo em ruínas, os presídios brasileiros são palco de abandono, doença, tortura e morte. Há poucas exceções que por isso mesmo são irrelevantes quando se observa o sistema prisional como um todo. A violação da dignidade de seres humanos é rotineira, o que expõe a prisão à máxima ilegalidade, pois contraria aquele que é um dos fundamentos do nosso país enquanto Estado Democrático e de Direito.

    A esta altura você, leitor, já pode imaginar aonde pretendo chegar com este texto. Sim, os juízes e tribunais que fazem a jurisdição criminal no Brasil encaminham homens e mulheres para esses lugares aí das fotografias ou, se não esses, outros muito parecidos. Se você tem estômago forte, veja o documentário “O grito das prisões” (2008), produzido pela repórter Fátima Souza e pelo cinegrafista Ocimar Costa por ocasião da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados sobre o Sistema Carcerário, disponível no link.

    Como você irá perceber, o documentário retrata muito bem a prisão, escancarando um pouco dos absurdos que acontecem nesse espaço de que tanto se fala. É basicamente assim que funciona a prisão no Brasil deste início de Século XXI, onde já estão cerca de 600 mil mulheres e homens.

    Que a sociedade deva segregar alguns dos seus em função da prática de crimes é algo que não se discute, particularmente no presente momento da história. A abolição do cárcere é uma utopia, bela e até necessária, porém, ainda muito distante. Casos há que exigem, sim, o encarceramento como resposta. Este artigo não questiona esse fato, mas em como se dá a prisão de pessoas e como atua o sistema de justiça criminal em face dessa realidade.

    Então vem uma segunda pergunta: diante do quadro de horror dos presídios brasileiros, como é que juízes continuam a encaminhar homens e mulheres para esses espaços que violam os mais comezinhos direitos fundamentais?

    Também respondo: tal qual Adolf Eichmann, convicto de que atuava na estrita legalidade do regime político de sua época, os juízes brasileiros assim procedem com a certeza de que, ao encaminhar seus réus para a prisão, apenas cumprem com suas obrigações legais. Se Eichmann afirmava desconhecer o destino dos trens repletos de judeus para eximir-se de qualquer culpa, também os juízes criminais brasileiros, ressalvadas as honrosas exceções, não se interessam por conhecer a realidade das quase-masmorras para onde vão os camburões, tampouco o destino de seus prisioneiros uma vez recepcionados do lado de dentro dos muros. E não se incomodam, até por assim não se perceberem, em atuar como meros executores de uma política voltada ao encarceramento em massa que, seletiva, alcança preferencialmente a parcela jovem, negra e pobre da população. São os nossos judeus.

    O mesmo vale – e devo fazer o registro – para outros personagens que participam da persecução penal, com destaque para a polícia e o Ministério Público. Com as respeitáveis exceções de sempre, policiais e promotores de justiça, aliás, assumem abertamente e sem qualquer constrangimento o discurso de que o que vale mesmo é a punição, seja a que custo for. A esses agentes do Estado talvez sequer se apliquem as escusas de Eichmann, pois assim o fazem certos de que a sanção penal não precisa respeitar limites e que a violação de direitos dos presos não tem relevância, tampouco significa motivo de preocupação ou culpa, pois seria resposta legítima para a violação a que correspondiam os crimes praticados contra suas vítimas.

    Se o inimigo da Alemanha nazista era o povo judeu, aqui os inimigos são identificados no delinquente e no preso. Contra eles toda a força da lei, dentro de um positivismo estúpido. E para que a máquina punitiva atue, tanto naquele regime autoritário quanto neste que se pretende democrático, as engrenagens são lubrificadas com um óleo alienante, o que faz com que os funcionários públicos que conduzem o processo penal não vejam qualquer culpa pelas consequências de seus atos. Afinal, sua atuação cumpre os rituais previstos expressamente na lei e o conjunto da obra, esse resultado de horror e morte no cárcere, não poderia ser a eles imputado.

    É a banalidade do mal que deixou de ser um simples conceito filosófico para ser o fundamento de um sistema. E o sistema de justiça criminal assim se manifesta, repleto de ações isoladas e “inocentes” que, somadas, produzem as mais graves violações de direitos humanos em solo brasileiro.

    A legalidade formal e, por isso mesmo, superficial, das prisões decretadas por juízes e tribunais dos quatro cantos do país, dissolve-se nos horrores da prisão. Entretanto, tal qual Eichmann, os artífices do sistema de justiça criminal apresentam-se como servidores públicos exemplares, cumpridores da ordem emanada da lei penal e, assim, isentos de qualquer responsabilidade.

    Só não é demais lembrar que, mesmo sustentando com muito vigor a legalidade de suas ações enquanto simples cumpridor de ordens, Eichmann foi julgado, condenado e enforcado em Israel.

    Haroldo Caetano da Silva é promotor de justiça, mestre em Direito pela Universidade Federal de Goiás e doutorando em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense. Autor de livros, dentre eles o “Ensaio sobre a pena de prisão” (Ed. Juruá).

     

  4. Massacre da cidadania

    Para que se tenha ideia da dimensão da injustiça que vem sendo cometida pelo nosso sistema judiciário, especialmente prendendo acusados e réus inocentes – pois que ainda não sentenciados definitivamente – indiscriminadamente convém ler o artigo de Haroldo Caetano que reproduzi abaixo, e que foi publicado aqui no blog. Nosso judiciário massacra presos, uma hediondez, e massacra também inocentes, submetendo-os a condições infernais sob a capa das prisões provisórias. O judiciário impõe à Sociedade condições iguais ou piores do que as das piores masmorras medievais. Vivemos uma época de horror que a História não perdoará.

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