Os limites das ciclovias, por Alvaro R.

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Os limites das ciclovias, por Alvaro R.

Eu me sinto confortável em falar das ciclovias porque sou usuário de todos os modais existentes na cidade. Por questões estratégicas utilizo carro para ir ao trabalho nas segundas e sextas, ônibus nas segundas e sextas (percurso inverso), bicicleta nas terças e quintas, e moto nas quartas-feiras (por causa de um curso noturno – acho perigoso pedalar tarde da noite).

Prioridades

Se eu fosse definir as prioridades no trânsito, definiria da seguinte forma:

1 – ônibus

2 – bicicleta

3 – moto

4 – carro

Coloquei moto acima de carro porque a moto exige um cuidado muito maior por parte do motorista. Além do quê, as motos são muito mais ágeis, não bloqueiam os cruzamentos, não atrapalham quando vão estacionar, e liberam o fluxo em segundos quando o sinal abre.

Investimento

Minha opinião primeira é que devemos concentrar nossos esforços primordialmente no transporte público. Não o ônibus, pois ônibus não tem jeito, vai ser sempre lento e desconfortável mesmo com faixas exclusivas. Mas metrô subterrâneo. Esse sim!

O carro também penso que só deveria ser utilizado para viagens ou em situações excepcionais dentro das metrópoles, pois é lento dentro da cidade e ocupa muito espaço. A moto é uma maravilha – ocupa pouco espaço, não bloqueia os cruzamentos, é rápida e estaciona fácil. Mas é perigoso demais pra exigirmos que as pessoas usem. 

Quanto à bicicleta, é preciso entender que a bicicleta é limitada e não tem jeito. Deve ser vista como veículo auxiliar, não pode ser considerada um veículo de massas nas grandes cidades. Pelo menos não nesse nosso relevo acidentado e nosso clima quente e chuvoso. Nem todo mundo pode se dar ao “luxo” de chegar molhado de chuva ou suor no trabalho. Mas como veículo auxiliar acho ótimo. Para curtas distâncias, ou quando o tempo permitir, etc. Por isso acho que o investimento principal, mais do que as ciclovias, é a interligação com os outros modais. É você poder guardar sua bicicleta na estação de metrô, talvez até entrar no metrô com a bicicleta, e tal. As bicicletas dobráveis ajudam, mas o ideal é ter espaço para as bicicletas grandes mesmo. E por fim, estacionamento no destino. Muitos estabelecimentos têm estacionamento para bicicleta, mas ficam afastados num canto, em locais inseguros, desestimulando o uso. As políticas públicas de incentivo ao uso da bicicleta envolvem mais do que a construção de ciclovias. As empresas e órgãos públicos precisam prover estacionamento seguro e, se possível, banheiros com ducha para aqueles que decidirem usar a bicicleta mesmo para percursos longos e cansativos.

Cultura

Dia desses fui a uma reunião da associação de moradores do meu bairro, e faltava tudo lá menos carros estacionados. Isto é, as pessoas utilizam o carro até para deslocamentos curtos dentro do seu próprio bairro. A construção de ciclovias ajuda a mudar essa cultura, mesmo que fiquem ociosas.

Quando sugiro a bicicleta para alguém sempre recebo aquelas desculpas que não fazem totalmente sentido. Uma amiga alegou que só não ia de bicicleta para o trabalho porque tinha que deixar as crianças na escola. Pensei em perguntar porque ela não usava a bicicleta no período de férias escolares então, mas fiquei até com vergonha de perguntar.

É puramente uma questão de costume. A pessoa se acostuma tanto ao carro que não consegue mais pensar numa outra opção mesmo que seja melhor em determinadas circunstâncias.

Mas tão absurdo quanto priorizar o carro sempre, é a de que é possível utilizar a bicicleta pra tudo e espalhar ciclovias pra todo lado. Em Curitiba tem uma ciclovia que liga Pinhais até quase o Centro de Curitiba. Quilômetros de uma ciclovia com um relevo acidentado que somente um atleta bem treinado consegue fazer o percurso, mas mesmo assim chegaria no trabalho pingando de suor. O resultado é que ninguém usa em dias de semana. Já no centro, a principal avenida é plana e tem 4 faixas e estacionamentos dos dois lados e nenhum pedacinho que dê pra passar uma bicicleta! Falta critério.

Em todo caso, não posso garantir, mas apostaria que as novas gerações, que cresçam numa cidade provida de infra-estrutura cicloviária que faça sentido, vão usar a bicicleta para pelo menos uma parte dos seus deslocamentos.

Limites

As ciclovias não precisam ser perfeitas como as rodovias. Aqui em Curitiba as ciclovias passam por bosques, cujas raízes das árvores destroem pedaços do rolamento, provocam ondulações e etc. Isso não inviabiliza a ciclovia. Diferentemente do que algumas pessoas pensam, uma bicicleta tem freios, o ciclista pode desviar de obstáculos, e até descer da bicicleta se necessário para passar por um obstáculo mais complicado, ou pela frente de uma escola quando os alunos estão saindo, ou atravessar uma avenida. É chato descer da bicicleta, mas ninguém morre se tiver que fazê-lo. O Município não precisa derrubar uma frondosa árvore centenária só porque está no caminho de uma ciclovia. Um ciclista pode parar e esperar um ônibus desembarcar seus passageiros ou até mesmo ceder a vez a um carro que esteja saindo da garagem. O mundo não vai se acabar se o ciclista tiver que dar preferência a um carro numa determinada circunstância específica, e não é porque o cidadão está dentro de um carro com ar-condicionado que ele é um Folgado Poluidor do Meio Ambiente. Na maioria das vezes é um trabalhador que tem um dia estressante e cansativo pela frente e está atrasado para o trabalho.

E, finalmente, é importante lembrar que a bicicleta não é somente um meio de transporte. É também esporte. Quando se investe em ciclovias está-se investindo também no esporte, em saúde, na diminuição da obesidade, de problemas cardíacos, da diabetes e até mesmo – ouso dizer – do “emburrecimento”. O ciclista pensa e medita enquanto pedala, pois o exercício relaxa a mente – ás vezes isso é mais importante do que ler um livro. E muitas vezes o tempo que se perde em cima de uma bicicleta é um tempo a menos na frente da TV.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

13 Comentários

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  1. Ou lendo jornal.
    Ótimas
    Ou lendo jornal.
    Ótimas propostas.
    Pensando em SP, cidade, sugiro mais duas:
    1. Proibir estacionamento de carros nas vias que transitam ônibus.
    2. Criar incentivo fiscal para criação de estacionamentos particulares num raio de 300 metros de pontos de ônibus e estações de trem e metrô. Até o tiozinho aposentado poderia alugar sua vaga durante o dia. Todas as vagas poderiam estar publicadas numa plataforma online, tipo Wase ou Google, com preços etc.

  2. E melhor que isso tudo seria

    Home Office!

    Aí sim, nem haveria necessidade de deslocamentos, necessidade de semi-concordância do CEP do trabalho com o da moradia, etc. 

  3. Sobre motos, elas são

    Sobre motos, elas são extremamente poluentes. Por isso, não devem ser prioridades.

    Os ônibus são realmente mais lentos que o metro. Mas, se houver algum planejamento, como rotas otimizadas e faixas exclusivas, sua velocidade média pode ser melhor ou igual ao do carro. Um ponto muito negativo do ônibus, hoje, é que ele é muito desconfortável: Barulhento, difícil acesso, quente… Tudo que se pode corrigir.

    As bicicletas realmente são complicadas como transporte de massa. So que em situações especifícas ajudam muito. Escolas e universidades onde grande quantidade de pessoas se deslocam no mesmo horário, criando picos dificeis de se administrar, elas seriam uma boa alternativa. O público é jovem, talvez mais fácil de concientizar, e muitos moram no entorno por questões práticas.

  4. A “macacada da bunda branca”

    A “macacada da bunda branca” endinheirada reclama das ciclovias e do preço da gasolina. No nordeste, o povo trocou os jegues pelas motocicletas. Há milhares de jegues abandonados nas beiras das estradas nordestinas. Portanto, uma maneira de resolver a crise dos “sudestinos” (dos paneleiros) é criar o Bolsa Jegue. Já sugeri isto a nossa presidenta. O BB e a CEF podem financiar, a juros baixos, a importação de jegues abandonados no nordeste. Então os “sudestinos” poderão aderir ao programa, adquirir seus jegues e economizar gasolina sem tem que usar bicicletas (que eles odeiam). Os jegues e a bicicletas são perfeitamente compatíveis no trânsito paulista. Quando meu pai chegou em São Paulo em 1946, por exemplo, o lixo era removido do centro da cidade por caroças puxadas por jegues. Os jegues levavam o lixo dos paulistas e deixavam bosta nas ruas de paralelepípedo. Além disto, mesmo que um ou outro “sudestino” ou seu jegue resolva dar um coice no ciclista ao lado o caso será mais de risos que de enterro.

  5.  Utilizo a bicileta como

     Utilizo a bicileta como veiculo de transporte. Eficientissimo e, ao contrário do que as pessoas imaginam, não requer grande preparo fisico. O problema de tranpirar, como bem apontou o autor do texto, é de fácil solução: chuveiro, Afinal, como disse Ben Jor, moramos num pais tropical.

      Meu percusso diário é de 32 km ida e volta. Gasto em torno de 45 minutos na ida e o mesmo tempo na volta. Em horário de pico, é um tempo menor do  que um carro leva no mesmo horário.

      Minhas ressalval a (Bem vinda) ciclovia do Haddad: elas não contemplam o percusso  que o trabalhador usa para se deslocar de casa ao trabalho. Não temos uma ciclovia que liga a zona leste ao centro, por exemplo. Parece que a ciclovia 

    está muito focada no lazer, e não é por ai.

     

  6. Bela análise

    Ótimo texto. O Nassif já até republicou aqui comentário meu em outros tempos, onde eu reclamava da forma como as motocicletas são negligenciadas nos debates sobre meios de transporte.

    Acho as bicicletas um meio válido, desde que se considerem as restrições que você pontuou.

    O trânsito só melhorará se restrições de ordem diversa forem impostas aos carros. Primeiramente (o mais fácil) estacionamento rotativo. Parece bobagem, mas estimula as pessoas que trabalham no local a deixarem os carros em casa.

    Depois, as medidas mais drásticas: faixas exclusivas para ônibus e motos e/ou pedágio inteligente (que se imponha somente sobre carros de passeio, que seja automático, que não cobre em horários fora de pico, que seja revertida sua arrecadação no transporte público, etc.).

  7. lista maior

    A minha lista seria maior, para cidades grandes:

    1- Metrô e trens

    2- VLT

    3 – ônibus

    4 – bicicleta

    5 – moto

    6 – carro

     

    Prioridade para os transportes de massa, dos de maior capacidade para os de menos capacidade.

    O carro, além de em geral levar apenas um passageiro, ocupa muito mais espaço que a bicicleta e a moto.

  8. Metrô

    Quando se leva em conta o tempo gasto por um modal ou a velocidade em que este modal leva uma pessoa de um ponto A até o ponto B, tem de se contabilizar também o tempo que as pessoas levam desde o ponto A até o local em que eles se encontram com o veículo deste modal.

    Por exemplo, os trens do metrô ficam invariavelmente no subterrâneo das estações ou em estações elevadas e um passageiro que deseja utilizar deste modal leva por vezes de 10 a 15 minutos para se deslocar até a plataforma do metrô desde que entra na estação. Isso se não levarmos em conta que as estações de metrô são muito esparçadas na cidade de São Paulo e devemos contabilizar o tempo que as pessoas levam da sua casa até a entrada da estação.

    Os ônibus tem a vantagem de, em um sistema bem estruturado e planejado, serem embarcados rapidamente desde que o passageiro chegou ao seu ponto e os próprios pontos podem ter uma densidade maior e uma cobertura melhor do que as estações de metrô. A grande diferença entre metrô e ônibus pode estar na frequência em que os veículos passam pegando os passageiros. Mas o tempo de deslocamento até a plataforma de embarque mais o tempo de espera até a chegada de uma composição de metrô pode ser equivalente ao tempo de espera em um ponto de ônibus. Por isso que muitas municipalidades no mundo trabalham tentando diminuir a ansiedade dos usuários de ônibus enquanto eles esperam nos pontos, usando técnicas como melhorar a informação a respeito da chegada dos ônibus e até mesmo criando formas de entretenimento nos pontos.

    Eu dou preferência aos bondes modernos, ou VLTs, por terem a vantagem de combinar as qualidades dos dois modais metrõ e ônibus. Em seguida, aos ônibus, devido ao menor custo e tempo de implementação de corredores exclusivos comparativamente aos das linhas de metrô. Mais rapidez na construção significa mais rapidez na oferta de bom transporte de massa.

  9. Sabe contra o que as

    Sabe contra o que as associações de ciclistas (e motoristas, motociclistas, usuários de ônibus, patinetes, skates) deveriam protestar?

    Uso de tachões, ou tartarugas. O Contran (ou denatran) já proíbe a adoção como redutor de velocidade. O argumento é o de causar danos ao veículo. De fato, esses tachões destroem caixas de direção, por ex.

    Mas o uso dos tachões é permitido na linha divisória das faixas de rolamento, algo que deveria ser revisto.

    Ocorre que além de danificar veículos, são um perigo constante, pois podem causar acidentes.

     

     

     

     

  10. Voces tem andado no metro e trêns da CPTM?

    S. Paulo não suporta mais a carga urbana e habitacional, não adianta propor utilizarem, metro, tróleubus, trem, ônibus, quem os utiliza sabe que no horário de pico essas modalidades são desumanas e o horário de pico hoje é das 5:50 horas às 9:00 horas e retoma às 16:00 horas e vai até às 19:00 horas. Sobre a bicilceta tenho a observar que S. Paulo e arredores são muito acidentados e o sucesso de uso de bicicleta em paises como Holanda, Dinamarca e cidades litorâneas além da questão cultural é o fato de serem bastante planas e preparadas para a ciclovia. Para deixar essa importante modalidade mais convidativa e uso massivo sugiro sermos sérios e investirmos pesadamente nessas melhorias (elevadores, escadas rolantes, passagens e interligações subterrâneas, estacionamentos multi modais, chuveiros, etc) e estudarem horários alternativos para comércio, indústria, escolas, etc

  11. PEDESTRES!

    (como já reclamou o Cassio) … ou pedestre não é trânsito? Ou então por que se repete tão demagogicamente a frase “no trânsito somos todos pedestres” ?

    É óbvio que, do ponto de vista da segurança, os pedestres e ciclistas vêm em primeiro lugar, porque são os mais vulneráveis e precisam ser protegidos. Moto é complicado, porque tem a velocidade de um carro e a estabilidade de uma bicicleta. Por isso, essas listas de prioridade são artificiais e sem muita utilidade – afinal, na rua está todo mundo junto.

    A única verdade absoluta é que, para termos uma mobilidade minimamente segura e eficiente, o carro transportando uma pessoa sozinha tem de ser relegado ao espaço que sobrar – ao contrário do que é hoje.

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