PMs de MG torturam a céu aberto, de dia, por Marcelo Auler

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Na Avenida João Soares, no bairro Xangri-lá, em Belo Horizonte, PMs torturaram dois dos três presos que conduziam. Para soltá-los, exigiram R$ 11 mil e armas. (Foto de Marcelo Auler sobre mapa do Google).

do blog do Marcelo Auler

PMs de MG torturam a céu aberto; de dia

por Marcelo Auler

Pagos pela população para garantir a segurança de todos, um grupo de policiais militares de Minas Gerais atua na região periférica de Belo Horizonte extorquindo, mediante sequestro e torturas. Faz isso a céu aberto, à luz do dia. As vítimas são possíveis envolvidos em ações criminosas, notadamente no tráfico de drogas. Mas, não apenas supostos traficantes, que permanecem atuando em liberdade após os acertos com quem recebe para prendê-los.

Usando dos mesmos expedientes, esses policiais militares perseguem egressos do sistema penitenciário que vivem em liberdade condicional ou que já cumpriram suas penas. Destes, não há registro de que tenham voltado a delinquir. Ainda assim, são perseguidos, torturados e extorquidos. Em alguns casos, familiares também são vítimas desta milícia.

O Blog, durante os quatro dias em que visitou Belo Horizonte (BH), identificou dois dos lugares onde ocorreram torturas. Foi na quarta-feira, 08/11, que refizemos o percurso que constam de informações oficiais repassadas às autoridades.

Conforme noticiamos em PM mineira: extorsão, sequestro e tortura (27/10) e PM de MG na trilha da PM do Rio: e agora, Pimentel? (02/11), uma milícia é formada por militares do Batalhão de Rondas Táticas Metropolitana (ROTAM). Entre as mais temidas na Região do Distrito de Venda Nova (ao norte do município) está a “ROTAM do Coroa”.

 

Ela é formada, ao menos, pelo cabo Maia (Weidman Tadeu de Araújo Maia) e os soldados Vitor Costa Santos e Yuri Salim Lima Salomão. Um quarto policial não foi identificado em documentos oficiais, como o Registro de Defesa Social (Reds), o antigo Boletim de Ocorrência (BO). O envolvimento de outros membros da corporação não está afastado.

O pedaço de madeira (perna de três) usado para espancar os presos no dia 25 de outubro, permanecia na beira da Avenida João Soares, no dia 8 de novembro. Foto: Marcelo Auler

Água para lavar o sangue – O local mais ermo usado por eles para torturar é no bairro Xangri-lá. Nas margens da Avenida João Soares, uma região na qual praticamente não há residências. O bairro, inclusive, já foi apresentado como o de menor densidade demográfica na cidade.

A Avenida João Soares atravessa ainda o bairro Nacional. Nesta parte, na sua esquina com a Rua Maria Soares Chaves fica o supermercado Brasileirão. Ali, segundo informações já repassadas às autoridades da área de segurança de Minas Gerais, na quarta-feira, 25 de outubro, um dos militares da “ROTAM  do Careca” adquiriu no supermercado um galão de água mineral.

A água serviu para lavar o sangue de dois dos três homens que os policiais prenderam pela manhã. Eles estavam ensanguentados após serem torturados em um loteamento ermo, à beira daquela avenida, na sua parte menos movimentada.

No loteamento teria ficado ainda uma camiseta ensanguentada que os policiais obrigaram o preso a trocar. Mas ela não foi encontrada pelo Blog quando de nossa ida ao local.

Restava apenas um pedaço de pau – tipo perna de três, usada em obras – com o qual espancaram dois dos presos. Os mesmos que, depois, aceitaram pagar o que os policiais exigiam: R$ 20 mil e cinco armas. Caso não atendessem ao “pedido”, lavrariam flagrante contra os três por tráfico.

Na Rua das Pedrinhas, o carro da Policia com o Voyage de um dos presos, foi visto por moradores. Um deles recebeu ordem para voltar para a sua casa. (Foto: Marcelo Auler)

A prova que ficou no local – A droga – cocaína colocada no que, em Minas, chamam de “pinos” (pequenos invólucros de plástico como se fossem injeções) -, estava em poder dos próprios militares. Eles ameaçavam usá-la como se tivesse sido apreendida com os rapazes, que nada portavam no momento em que foram “detidos”.

De fato, no flagrante lavrado à noite envolvendo um quarto personagem preso à tarde, consta que “foi realizado busca pessoal no autor pelo SD VITOR, sendo encontrado dentro de sua calça pinos contendo substância análoga a cocaína”. (sic). Como informamos na postagem PM de MG na trilha da PM do Rio: e agora, Pimentel?, o preso trajava bermuda. Sem bolso.

Nem sempre os policiais da “ROTAM do Careca” buscam lugares isolados para espancar suas vítimas. Naquela mesma quarta-feira, antes de se dirigirem ao bairro Xangri-lá, pararam com o Voyage, cujo final de placa seria 7152, junto com o carro oficial da ROTAM, na Rua das Pedrinhas, no bairro São João Batista.

Uma rua repleta de residências. De uma dessas casas a moradora admitiu ao Blog – e a mais duas testemunhas – ter presenciado os dois carros estacionados em um pequeno lote vazio. No dia de tais fatos, ao perceber a moradora a lhes observar, um dos policiais lhe ordenou:

Pode voltar para casa, não tem nada para ver aqui“.

Ter, tinha. Como um pedaço de pau, parecido com um cabo de vassoura, que permanecia jogado ao chão quando o Blog esteve ali Teria sido usado para espancar os presos.

Na Rua das Pedrinhas, quinze dias depois da passagem dos policiais com os presos, o Blog localizou um pertence de uma das vítimas. Foto: Marcelo Auler

Não apenas o pedaço de pau foi deixado no local. No meio do mato do pequeno lote baldio estava uma caixa para guardar cartões de visitas. Era de um dos presos. Amassada, porém ainda em bom estado.

Prova insofismável que o seu dono andou por ali. A não ser que a polícia prove que aquela caixa, perdida no meio de um mato, na rua onde uma cidadã assistiu no dia 25 de outubro um carro da polícia estacionar junto com um carro particular, foi deixada ali em outra ocasião.

O que, certamente, será uma coincidência incrível. Principalmente por que o dono da caixa diz que foi preso, naquele dia, por policiais que lhe levaram àquela rua. Quais os motivos que o levariam a falar isso se nem mesmo detido ele ficou?

Testemunha contraria flagrante – O curioso é que desde o dia 27 de outubro, por conta das queixas registradas e por determinação do promotor Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro, que no Ministério Público Estadual exerce o controle externo da Polícia, a Corregedoria da Polícia Militar “investiga” esse caso. Ao que se nota, porém, não foram a campo.

Sequer percorreram os locais indicados pelas vítimas. Do contrário, teriam recolhido provas e testemunhos de que a versão dada pelos policiais não confere com o que de fato deve ter ocorrido naquela quarta-feira.

Um exemplo desta discrepância entre o que fala a polícia e o que realmente pode ter ocorrido está no flagrante registrado pelo cabo Maia. Ele, pelas descrições e pela patente – os demais são soldados – é o “comando” da guarnição.

Ao relatar a prisão de um jovem – o quarto abordado naquele dia, único a ser efetivamente preso – que vivia em liberdade condicional, descreve-a como tendo ocorrido em uma situação totalmente diferente do que o Blog ouviu de testemunhas que não têm ligação com os fatos e seus personagens.

A prisão, segundo sua descrição, deu-se após os policiais abordarem “vários indivíduos em atitude suspeita em um veículo VW Voyage de cor cinza, conseguindo visualizar apenas o final da placa 7152, na esquina de uma rua, local conhecido no meio policial por ser utilizado para o comércio de drogas ilícitas; (…) momento que um dos suspeitos empreendeu fuga desrespeitando as ordens legais emanadas pelos policiais“.

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Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. O Governador Fernando

    O Governador Fernando Pimentel não tem nenhum controle sobre a Policia Militar de Minas Gerais.O Moreno Vivo  com bom mineiro,e me ouve as vezes,pode constatar in loco o que estou falando.Ela é tucana de cabo a rabo.O ultimo bastião Aecista do Estado.

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