O trabalho cuidadoso com as ossadas de Perus

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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O trabalho incessante gerou a análise de 144 ossadas; os próximos passos são a identificação de DNA e o ensino da Unifesp. A reportagem foi publicada, originalmente, no dia 12 de fevereiro de 2015, e atualizada com mais um vídeo sobre as técnicas de análise das ossadas

Jornal GGN – A intenção do Grupo de Trabalho Perus sempre foi o foco e o sucesso nos trabalhos de identificação das ossadas, encontradas na vala clandestina do cemitério Dom Bosco, em Perus, em 1990. Dar uma resposta, depois de todo o histórico de abandono e negligência com os desaparecidos políticos que lá foram enterrados, ao lado de mortos pelo “sistema de desaparecimento” usado pela polícia no período ditatorial, como descreveu a ministra Ideli Salvatti. “Sistema que hoje permanece”, frisaram a ministra, o secretário-adjunto de Direitos Humanos Rogério Sottili e a representante da Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos do MPF, Eugênia Gonzaga. Tinham identidades, mas se tornaram indigentes. Depois de 24 anos, reunidos em uma mesa, os representantes comemoraram. Algo estava sendo feito.

Para o sucesso das atividades da equipe multidisciplinar, formada por antropólogos, arqueólogos, geneticistas, médicos legistas e outros profissionais, o cuidado era fundamental. O difícil histórico de Perus teve como um dos desfechos recentes, em novembro 2013, a destruição por vândalos do ossário do cemitério do Araçá, onde os resquícios ósseos estavam sendo armazenados. A partir de então, todos os envolvidos prezam pela cautela, resguardando informações sobre a localização do laboratório da Unifesp, onde está a equipe do Centro de Arqueologia Forense.

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Se por um lado, o cuidado com a divulgação das informações tem sido importante para o sucesso dos trabalhos, também causou interpretações distorcidas sobre como o grupo está atuando. Uma reunião foi convocada, junto à imprensa, com os representantes de todos os segmentos envolvidos: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, Ministério Público Federal, Reitoria da Unifesp, e os peritos do GT de Perus.

Foto: Jornal GGN“É fundamental para nós, todos os envolvidos nesse processo, que não paire nenhuma dúvida sobre o nosso trabalho, na busca da identificação dessas ossadas, desses desaparecidos. Nós vamos trabalhar de todas as formas possíveis para que possamos chegar a algum resultado. E se nós não conseguirmos identificar uma ossada sequer, não fique nenhuma dúvida de que nós fizemos tudo o que foi possível”, disse Sottili, colocando ponto final, e em sinal de resposta à recente reportagem da Carta Capital, que questionou os métodos das análises, por meio de duas fontes afora do acompanhamento do GTP: Maria Amélia Teles, fundadora da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, e o ex-deputado estadual Adriano Diogo.

“A nossa avaliação é de que nunca se chegou tão perto de um processo de identificação. Reunimos as melhores condições objetivas e subjetivas. Temos recursos, determinação política das três esferas, temos pela primeira vez um grupo de antropologia forense fundado no Brasil, com 17 pessoas trabalhando full time nesse processo, temos um laboratório que começa a ser montado. Reunimos todas as condições políticas para isso. Toda essa construção se deu com muita escuta, muita participação social, não só das pessoas envolvidas nessa luta, mas dos familiares. Tanto é que a nossa primeira tentativa era fazer com o IML [Instituto Médico Legal], o que foi recusado pelos familiares e, a partir daí, construímos com a Unifesp, que era um desejo deles. Essa escuta continuará sendo necessária até o fim desse processo”, contrariou todos os questionamentos o secretário de Direitos Humanos da Prefeitura.

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“Se nós não tivéssemos feito a articulação, nós não estaríamos hoje aqui. Temos uma perspectiva concreta de, no limite do limite, estar com tudo catalogado, analisado, identificado em termos de DNA, até o final de 2016”, anunciou a ministra de Direitos Humanos.

“O tempo para a abertura de todas as caixas, e o não tempo, não é significativo. E mesmo que fosse significativo, entenderíamos que esse rigor era fundamental por uma determinação política, não por rigor científico, puro e simplesmente, mas de que não devemos deixar nenhuma dúvida do nosso trabalho”, completou Sottili.

Foto: Jornal GGNO resultado dos esforços de todos os atores, buscando unicamente a solução e a resposta para essas famílias, em um movimento de correção histórica do país, já vem trazendo avanços. Em menos de cinco meses, desde que as análises efetivamente começaram, já foram trabalhadas 144 ossadas. Dessas, em 11 conjuntos de ossos foram encontrados sinais de morte violenta, oito com marcas de lesões graves, como ossos quebrados, e três com marcas de projeteis. Até dezembro do último ano, a intenção era analisar um corpo de Perus por dia. O cronograma está sendo superado.

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Dada à extrema dificuldade deixada pelas condições inadequadas desses mais de vinte anos de abandono, o rigor científico é incessante, afirmaram todos os representantes na reunião. Em 25% das caixas de conjuntos de ossos que já foram levadas para o laboratório da Unifesp, foram encontrados resquícios de mais de uma pessoa. O coordenador científico dos peritos, Samuel Ferreira, afirmou que nesses 25%, as ossadas apresentavam, em média, três pessoas misturadas.

O Comitê Gestor do Grupo de Trabalho Perus, formado por representantes de todas as esferas envolvidas (Unifesp, governo federal e secretária de Diretos Humanos de São Paulo) reúne-se semanalmente, para acompanhar de perto as atividades desenvolvidas. A ministra, a secretaria, a reitora da Unifesp e a procuradora do MPF também se reúnem a cada 45 dias para tomar decisões necessárias.

Foto: Pedro Garbellini / Jornal GGN

Próximos passos

Também na agenda dos trabalhos de Perus está marcado para o segundo semestre deste ano o início das análises de identificação, ou seja, comparação por amostras de DNA. Entretanto, essa etapa será realizada em laboratórios internacionais, pela quantidade grande de ossadas que passarão por esse processo, explicou Ideli Salvatti.

“Mas já sinalizamos para os familiares que caso alguma das ossadas, que já estão sendo catalogadas, tiver fortes indícios de ser um dos desaparecidos políticos, nós não iremos aguardar a totalidade do volume do término do trabalho para a análise do DNA. Porque temos laboratórios de instituições públicas no Brasil que têm capacidade de fazer de poucos indivíduos”, disse a ministra. O tempo para concluir o processo de DNA de todas as ossadas é estimado em três semestres, com início no segundo de 2015, até o segundo de 2016.

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Outro legado que deverá ter início na segunda metade deste ano é a consolidação do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense, o laboratório concedido pela Unifesp, como fonte de pesquisa e, principalmente, ensino.

“Está nos nossos planos também que a Unifesp consolide como um espaço permanente de formação e capacitação profissionais nesta área. Além de nós estarmos atendendo a demanda legítima imprescindível dos familiares, de poderem encerrar o processo de luto e enterrar os seus mortos, também deixaremos este legado”, confirmou a ministra. 

Assista a trechos e bastidores da reunião, realizada nesta terça-feira (10):

https://www.youtube.com/watch?v=UAjuwAO8t14&feature=youtu.be height:394]

No vídeo a seguir, conheça detalhes técnicos da análise e o protocolo de abertura das caixas:

[video:https://www.youtube.com/watch?v=2xa9aIE35zU height:394

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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