Reflexões Teóricas Sobre Laicidade, por Marcos Vinicius de Freitas Reis

A noção de laicidade está ligada à regulação política, jurídica e institucional das relações entre religião e política, Igreja e Estado em contextos pluralistas.

Foto Observatório do 3º Setor

Religião e Sociedade na Atualidade

Reflexões Teóricas Sobre Laicidade

por Marcos Vinicius de Freitas Reis

O processo de laicidade propicia a liberdade religiosa e contribui para que outros grupos possam ganhar visibilidade social e política, como é o caso dos pentecostais. A laicidade provocou o aparecimento de outros grupos religiosos no Brasil, que impuseram uma lógica concorrencial à Igreja Católica, sobretudo na política. Tendo em vista não perder seus privilégios setores do catolicismo passaram a dar apoio aos carismáticos. Para entender melhor tal fato, será feito um percurso histórico desses processos, no Brasil. Neste capítulo analisam-se as questões de laicidade e atuação política dos grupos religiosos no Brasil.

Como pôde-se ver anteriormente, a ideia de um mundo secularizado fundamenta- se no fato de que a modernização levaria a um declínio da religião, fato que se propagaria tanto na sociedade como na mentalidade das pessoas. Em conformidade A secularização dá origem a novas formas de artes e abre espaço para que o mercado e o Estado passem a ocupar o lugar antes reservado ao religioso, tornando possível a compreensão e apropriação do mundo sem a intermediação do sagrado.

No entanto, é fundamental uma diferenciação entre laicidade e secularização. A noção de laicidade está ligada à regulação política, jurídica e institucional das relações entre religião e política, Igreja e Estado em contextos pluralistas. Tem a ver com a emancipação e legitimação religiosa, a autonomia dos poderes religiosos e a neutralidade do Estado em matéria religiosa. Já a secularização, entende-se que ela assume diversos níveis e dimensões, podendo se referir a fenômenos socioculturais, jurídicos e políticos, nos quais exista a redução da presença e influência das organizações, crenças e práticas religiosas.

No que tange à secularização, a religião passa a ser um segundo violino e deixa de influenciar diretamente em outras esferas sociais, principalmente a do direito e das leis, ocorrendo em meio à pluralização do campo religioso. Existem três características básicas para o entendimento do que seria o processo de secularização: a primeira afeta a vida cultural e a ideação, resultando em declínio de conteúdos religiosos nas artes, filosofia, literatura e ciência; a segunda debruça-se no fato da criação de indivíduos que encaram o mundo e suas próprias vidas sem recorrer a interpretações religiosas; e, a terceira é que, apesar de ser um fenômeno global das sociedades modernas, não se dá de maneira uniforme.

A teoria da secularização é composta de três proposições diferentes, irregulares e não integradas: a primeira diz respeito à secularização como diferenciação de esferas seculares das instituições e normas religiosas; a segunda, à secularização como declínio das crenças e práticas religiosas; e a terceira, à secularização como marginalização da religião para a esfera privada. A secularização como diferenciação funcional é a mais aceita para a tese da secularização, no entanto esclarece que a essa diferenciação funcional permite a insurgência de movimentos e de grupos religiosos, ou o que ele chama de “religiões públicas”, para lutar pela disputa de espaço, poder e recursos com grupos seculares, na esfera pública.

É falsa a proposição de alguns historiadores e cientista sociais de que se vive em um mundo secularizado. Rever sua própria teoria sobre a secularização, com algumas exceções, é tão religioso quanto antes. É possível compreender,  que  não  houve  o  desaparecimento  ou  mesmo  um enfraquecimento dos fenômenos religiosos, pois o que aconteceu foi uma organização das instituições religiosas frente aos novos fenômenos vivenciados pelo mundo, os quais afetam, consideravelmente, o cotidiano das pessoas, o que implica questões religiosas.

Algumas instituições religiosas perderam o poder e influência em muitas sociedades, mas as crenças e práticas religiosas antigas ou novas permanecem na vida das pessoas, às vezes, assumindo novas formas institucionais e, às vezes, levando a grandes explosões de fervor religioso. Não se vive em um mundo totalmente secularizado, uma vez que as práticas religiosas continuam a desempenhar um papel significativo em alguns lugares do mundo. Vê-se que quem perde prestígio são as instituições religiosas que não encontram mecanismos eficazes na luta contra a modernização e acabam moldando-se a elas, pois a secularização em nível societal não está vinculada à secularização em nível da consciência individual.

As relações do Estado Brasileiro com a religião, num momento em que ocorre um avanço dos evangélicos na arena política, cujos representantes, que ocupam cargos públicos importantes, são conservadores e defensores da moral da família, posicionando-se contra a união civil do mesmo sexo, o aborto e outras demandas que agridem a moral evangélica. Pairam dúvidas sobre até que ponto o pensar político desses grupos afeta a vida dos brasileiros e a própria estrutura da sociedade, no contexto de um Estado que se diz laico, como é o caso do Brasil. Cabe enfatizar que o surgimento do Estado Moderno está intimamente ligado às noções de separação entre política e religião, entre o público e o privado.

Marcos Vinicius de Freitas Reis – Professor da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) do Curso de Graduação em Relações Internacionais. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Docente do Curso de Pós-Graduação em História Social pela UNIFAP, Docente do Curso de Pós-Graduação em Ensino de História (PROFHISTORIA). Membro do Observatório da Democracia da Universidade Federal do Amapá. Docente do Curso de Especialização em Estudos Culturais e Politicas Públicas da UNIFAP.  Líder do Centro de Estudos de Religião, Religiosidades e Políticas Públicas (CEPRES-UNIFAP/CNPq). Interesse em temas de pesquisa: Religião e Politicas Públicas. E-mail para contato: [email protected]

 

Redação

1 Comentário

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  1. Professor, obrigado pelo excelente ponto da secularização ao questionar a posição (consenso?) de que vivemos em um mundo secularizado. Há um fundamento pouco discutido e adoraria ver como sugestão de tema para debate/texto futuro, é a visão do próprio governo como instituição “religiosa”. As semelhanças estão na forma de organização hierarquizada e compartimentalizada e amparo em crenças dogmáticas. As falsas e dogmáticas crenças sustentadas por ambos referem-se a autoridade do homem sobre os outros homens (Romanos XIII) e o relativismo moral – tanto a igreja quanto o estado de direito adaptam seus conceitos de moralidade e legalidade com o tempo e de fato a gosto dos caprichos de seus legisladores. Não seria abandonar os elos com as falsas crenças em autoridade e relativismo moral o último elo para de fato nos organizarmos de forma laica? http://www.desocultismo.com.br

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