Sem condenação, morre o torturador da ditadura brasileira Carlos Brilhante Ustra

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Em depoimento na Comissão Nacional da Verdade, o coronel reformado afirmou que os militares lutaram contra o comunismo, em favor da democracia
 
Jornal GGN – Reconhecido comandante do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI-Codi), durante a ditadura brasileira (1964-1985), o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra morreu na madrugada desta quinta-feira (15), aos 83 anos, durante internação em hospital de Brasília para realizar quimioterapia em tratamento contra um câncer. 
 
Ustra morreu sem ser condenado nas acusações de crimes da ditadura brasileira do regime militar. O coronel somava seis denúncias pelo Ministério Público Federal (MPF) por mortes e torturas cometidas quando comandou o principal centro de repressão do regime, o DOI-Codi, em São Paulo, entre 1970 e 1974. Nenhum dos minuciosos trabalhos de investigação do MPF sobre Ustra obteve resposta da justiça.
 
Carlos Nicolau DanielleA última denúncia apresentada em agosto deste ano foi a tortura e morte do dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Carlos Nicolau Danielli, assassinado nas dependências do centro de repressão, em dezembro de 1972, após ter sido sequestrado e brutalmente torturado, de acordo com relatos de ex-presos políticos. Ustra e outros dois delegados subordinados a ele responderiam a homicídio triplamente qualificado – quando a morte é causada por motivação torpe, com requintes de crueldade e sem direito de defesa à vítima.
 
Também tramitava na Justiça de São Paulo a acusação de crime de sequestro e cárcere privado, pelo desaparecimento de Edgar de Aquino Duarte, fuzileiro naval expulso das Forças Armadas em 1964, que foi mantido encarcerado no DOI-Codi e Deops-SP. A ação foi paralisada por liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), por segundo ela confrontar a Lei da Anistia.
 
Hélcio Pereira FortesHomicídio doloso qualificado é outra denúncia de Ustra pela morte do militante político Hélcio Pereira Fortes, em janeiro de 1972. Integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), Hélcio morreu após intensas sessões de tortura realizadas nas dependências do DOI paulista. A testemunha Darci Toshiko Miyaki, também militante da ALN que foi presa na mesma época, ouviu de um dos agentes que a torturaram que Hélcio foi empalado.
 
Hirohaki TorigoeEm dezembro de 2014, a Justiça Federal de São Paulo deu um respiro de reconhecimento ao trabalho de investigação que o MPF desenvolvia contra os crimes da ditadura e do coronel Brilhante Ustra. Reverteu uma decisão da primeira instância e retomou o julgamento da morte do estudante de medicina Hirohaki Torigoe. O corpo do jovem da organização de esquerda Movimento de Libertação Popular não foi encontrado, e por isso o crime seria imprescritível. Hirohaki foi capturado, torturado e assassinado por Ustra e pelo delegado Alcides Singillo, no dia 5 de janeiro de 1972.
 
Luiz Eduardo da Rocha MerlinoUstra também foi acusado de matar o jornalista e militante político Luiz Eduardo da Rocha Merlino em julho de 1971. Integrante do Partido Operário Comunista (POC), o jornalista foi morto depois de intensas sessões de tortura nas dependências do DOI em Santos. O coronel reformado e mais dois militares foram denunciados por homicídio doloso qualificado. 
 
Em maio de 2013, Carlos Brilhante Ustra afirmou em depoimento na Comissão Nacional da Verdade (CNV) que os militares lutavam pela democracia e chamou a presidente Dilma Rousseff de terrorista. “Ela [a presidente] integrou quatro grupos terroristas que queriam a implantação de uma ditadura do proletariado, o comunismo, derrubar os militares”, disse, completando: “estávamos lutando contra o comunismo. Se não tivéssemos lutado, eu não estaria aqui porque eu já teria ido para o paredón. Os senhores teriam um regime comunista, como o de Fidel Castro. O Brasil teria virado um ‘Cubão'”.
 
Vídeo e edição: Pedro Garbellini
 
https://www.youtube.com/watch?v=I4k5SDLrrcE&feature=youtu.be width:700 height:394
 
A sobrinha de uma das vítimas de Ustra, o jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, manifestou-se em sua página do Facebook:
 
Por Tatiana Merlino

 
 
Hoje é um dia triste. Morreu, aos 83 anos, Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi, um dos maiores centros de tortura da ditadura civil-militar. Viveu 60 anos a mais do que meu tio, Luiz Eduardo da Rocha Merlino (foto), a quem ele impediu de seguir sua vida ao comandar as intermináveis sessões de tortura que o levaram à morte, em 19 de julho de 1971. Ustra morreu de “morte morrida” e não de “morte matada”, como suas vítimas. 
Dia triste para todos familiares de mortos e desaparecidos sob suas ordens. E para os que sobreviveram às torturas. Porque Ustra morreu num hospital. Deveria ter morrido na prisão. Dia triste porque morreu sem ser julgado e preso.
Durante décadas, familiares de mortos e desaparecidos lutaram por justiça. Apenas em 2008 foi declarado torturador pela justiça paulista em ação movida pela família Teles. Em 2012, foi condenado, em primeira instância, a pagar uma indenização à minha família, em ação por danos morais. No país em que torturador da ditadura não é punido, foi o pouco que se conseguiu. 
Hoje, a impunidade venceu a justiça.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

30 Comentários

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  1. Vocês não fazem a menor ideia

    Vocês não fazem a menor ideia do esfôrço que estou fazendo para não comentar esse fato. Só digo uma coisa, LAMENTO PROFUNDAMENTE ESSA MORTE. Só mais uma coizinha; sou ateu, portanto não acredito no inferno. Creio que entenderam o porque desse meu LAMENTO.

  2. Lamentável : ele morreu sem

    Lamentável : ele morreu sem ser desonrado, condenado e preso. E certamente vai ser tratado como herói por seus comparsas na Câmara dos Deputados.

  3. foto da mate´ria do ustra

    A foto utilizada como sendo a de CArlos Nicolau Danielle na verdade é do ex-deputado e dirigente do PC do B Pedro Ventura Pomar.

  4. A morte de Ustra impune é uma

    A morte de Ustra impune é uma mancha que vai estar sempre colada à imagem do poder judiciário, não é de surpreender o aparecimento de uma legião de golpistas querendo repetir a conduta do ‘mestre’.

  5. Brilhante Ustra

    O Brilhante Ustra é, certamente, um daqueles que, no dizer do general Villas Bôas, cumpriram a missão histórica de preservar a democracia no Brasil.

    Gosto de pensar que o tumor, antes de acabar com o infeliz, o tenha torturado bastante.

    Tem gente que censura a carga de ódio circulando na Rede, mas, às vezes, não dá pra sufocar.

     

  6. Nesse instante ele já

    Nesse instante ele já experimenta uma nova REALIDADE, na qual os maus feitos serão cobrados não olho por olho, mas serão cobrados!

    Fugir de pagar suas penas aqui, foi seu pior erro!

  7. Como eu não acredito em

    Como eu não acredito em inferno, que se perpetue para sempre a memória de um ser abjeto e desprezível. Nem os vermes merecem o seu cadáver.

    1. Só nesse quesito

      Nesse quesito você e Ustra pensavam igual. Se o ex-coronel torturador acreditasse em vida após a vida, reencarnação e Lei de Retorno, com toda certeza não teria feito o que fez. 

       

  8. Morto, já não lhe afligirá

    Morto, já não lhe afligirá uma condenação.

    Mas condenado se vivo fosse, seria expulso do exército e portanto deixaria de receber os benefícios que recebia quando reformado, e portanto seus dependentes não poderiam continuar sugando dos cofres públicos vencimentos que não são devidos.

    Assim como há anistia e absolvição póstuma, deve haver alguma forma de levar adiante a condenação póstuma (ainda que somente moral) destes torturadores homicidas, e que as consequências cíveis se apliquem à sua família, cessando o pagamento de pensão e demais benefícios.

  9. A atriz Beth mendes, torturada por Ustra

    atriz bete mendes tortura ditadura

     

    Ditadura Militar 28/May/2013 às 12:05

    Atriz Bete Mendes relembra tortura: “a pior perversidade da raça humana”

    Atriz Bete Mendes, brutalmente torturada por Brilhante Ustra na ditadura, pede atenção à democracia no Brasil

    Presa e torturada em 1970, a atriz Bete Mendes encontrou o coronel Brilhante Ustra numa viagem ao Uruguai em 1985. Ela era deputada federal, e ele atuava na embaixada em Montevidéu. Na volta, ela denunciou Ustra ao presidente Sarney. Aos 64, a atriz diz não temer retrocessos, mas pede atenção aos movimentos contra a democracia. Em depoimento publicado domingo, no diário paulistano Folha de S.Paulo, a atriz afirma que superou o trauma com tratamento psicológico e se afirma socialista.

    Leia abaixo as declarações de Bete Mendes.

    Fui presa duas vezes. Na primeira, não fui torturada fisicamente. Na segunda, foi total. Fui torturada [em 1970] e denunciei [o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra]. Isso me marcou profundamente. Não desejo isso para ninguém – nem por meus inimigos. A tortura física é a pior perversidade da raça humana; a psicológica, idem.

    http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/05/atriz-bete-mendes-relembra-tortura-a-pior-perversidade-da-raca-humana.html/atriz-bete-mendeshttp://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/05/atriz-bete-mendes-relembra-tortura-a-pior-perversidade-da-raca-humana.html/atriz-bete-mendes

    “Não dá para ter raiva de quem me torturou. A gente é tão humilhado, seviciado, vilipendiado que o que se quer é sobreviver e bem”, diz Bete Mendes

    Não dá para ter raiva (de quem me torturou). A gente é tão humilhado, seviciado, vilipendiado que o que se quer é sobreviver e bem. Estou muito feliz, sobrevivi e bem. E não quero mais falar desse assunto.

    Superei isso com tratamento psicológico e com trabalho. Agradeço à família, à classe artística, aos amigos que foram meu alicerce.

    Carlos Zara me convidou para fazer a novela “O Meu Pé de Laranja Lima”, e isso me salvou. Continuei o trabalho artístico, fui fundadora do PT, fui deputada federal duas vezes e secretária da Cultura de São Paulo.

    Comecei a fazer teatro e cantar com seis anos de idade. Com oito já participava de manifestações de alunos. Era do grêmio do colégio, depois fui para o diretório da faculdade. Em bibliotecas públicas ou pegando livros emprestados lia tudo: Rousseau, Marx, Mao, Lênin, Gorki, Aristóteles. Depois, adotei o codinome de Rosa em homenagem a Rosa Luxemburgo.

    Var Palmares

    Na adolescência escrevi textos de peças de teatro. Quando fui presa, eles levaram esses textos. Achavam que eles eram prova de crime, que depunham contra mim. Nunca mais os recuperei. Era coisa tão pouca, boba, pessoal.

    Quando fecharam as portas à democracia, me senti usurpada, revoltada, aprisionada. Achei que a única saída era entrar numa organização revolucionária contra a ditadura militar. Entrei na VAR-Palmares. Fizemos aquela opção. Foi certa, errada? É difícil julgar hoje.

    A minha visão era a revolução socialista: tirar poder dos militares, dos opressores, do capitalismo selvagem. Deixar a gente governar para o bem de todos, com todos participando.

    Eu tinha 18, 19 anos e achava que podia fazer tudo. Não tinha consciência do risco imenso que estava correndo. Era atriz de uma novela que explodia no Brasil, “Beto Rockfeller”, estudava ciências sociais na Universidade de São Paulo e participava de uma organização clandestina revolucionária. Aí deu zebra.

    O medo era a pior coisa que a gente sentia na época. Historicamente tem que se reconhecer que nós entramos numa ditadura muito mais pesada do que foi dito no passado. Isso vai sendo desdito atualmente pela Comissão da Verdade.

    Hoje não tenho medo de retrocesso, mas é preciso prestar atenção em manifestações como de movimentos nazistas em vários países e no Brasil. Por exemplo? O coronel Brilhante Ustra faz parte desse movimento. Ele tem um site. Há jovens fazendo movimento nazista.

    Democracia

    É um receio. É preciso ser cauteloso em relação a movimentos que podem ser prejudiciais ao avanço democrático. Mas impedir jamais, porque a gente legitima a manifestação de todos, de opiniões diversas. É preciso cuidar da democracia para que esses movimentos não cresçam.

    Sou política como qualquer cidadão. Sou cidadã, atriz, socialista. O socialismo se constrói todo dia. Não temos o modelo socialista do passado, mas a gente constrói um novo. Quero continuar trabalhando como atriz e viajar mais. Poder viver essa democracia até morrer. Sonho político? Que o trabalho escravo acabe no Brasil.

    Problema de audição? Tenho. É que eu fui torturada. (Fica com os olhos marejados).

     

  10. Protógenes queiroz foi demitido do cargo de Delegado da PF

    Esse é o nosso poder judicário. Se é que temos.

    Os bons são punidos, os maus descansam eternamente nas brumas da impunidade.

  11. Amanhã, desde cedo, presenças

    Amanhã, desde cedo, presenças no velório do verme :

    Kim katiguri

    Bolsonaros

    Caiado

    Sherazade

    R. Azevedo e comparsas da revista esgoto (representando os Tivitas)

    Merdal Pereira (representando a groubo)

    Lobão

    Roger

    Francischine (representando o PSDBesta)

    Boris CCCasoy (representando a UDRBandNews)

    Paulo Egídio

    Coronel Talhada (representando a ALESP)

    Domingos Brazzão (Representando a máfia política carioca)

     

  12. Pessoa nefasta. Gente estúpida

    Pena ser ateu. Sequer posso me consolar achando que este ser abjeto irá pagar no inferno por tudo aquilo que inflingiu aos seus semelhantes aqui na Terra.

    Detesto também em me parecer contraditório em minhas condenações ao discurso de ódio que hoje impera com tanta frequência.

    Mas espero que este traste tenha sofrido bastante em seus últimos dias. Que tenha sido acometido por horríveis pesadelos relembrando-o dos gritos de suas vítimas. Que não tenha conseguido dormir em paz tendo o peso de sua consciência acusando-o dia e noite pelos crimes por ele produzidos.

    Que todos os que o admiram saibam que admirar uma pessoa nefasta é ser uma pessoa nefasta também.

    E que, se o inferno porventura existir, vai que estou errado e ele existe, sua alma nunca mais encontre descanso por toda a eternidade.

    De Gilberto Gil:

    Tu, pessoa nefasta
    Vê se afasta teu mal
    Teu astral que se arrasta tão baixo no chão
    Tu, pessoa nefasta
    Tens a aura da besta
    Essa alma bissexta, essa cara de cão

    Reza
    Chama pelo teu guia
    Ganha fé, sai a pé, vai até a Bahia
    Cai aos pés do Senhor do Bonfim
    Dobra
    Teus joelhos cem vezes
    Faz as pazes com os deuses
    Carrega contigo uma figa de puro marfim
    Pede
    Que te façam propícia
    Que retirem a cobiça, a preguiça, a malícia
    A polícia de cima de ti
    Basta
    Ver-te em teu mundo interno
    Pra sacar teu inferno
    Teu inferno é aqui

    Pessoa nefasta

    Tu, pessoa nefasta
    Gasta um dia da vida
    Tratando a ferida do teu coração
    Tu, pessoa nefasta
    Faz o espírito obeso
    Correr, perder peso, curar, ficar são

    Solta
    Com a alma no espaço
    Vagarás, vagarás, te tornarás bagaço
    Pedaço de tábua no mar
    Dia
    Após dia boiando
    Acabarás perdendo a ansiedade, a saudade
    A vontade de ser e de estar
    Livre
    Das dentadas do mundo
    Já não terás, no fundo, desejo profundo
    Por nada que não seja bom
    Não mais
    Que um pedaço de tábua
    A boiar sobre as águas
    Sem destino nenhum

    Pessoa nefasta

  13. O câncer mata muita gente.

    O câncer mata muita gente. Muitos inocentes, e pessoas trabalhadoras e honestas. Até porque a corrupção da industria de doenças não deixa que se pesquise como deveria a cura da doença.

    Mas no caso desse torturador abjeto, a impressão que se tem é que apesar de ser um sujeito que – se cuidava muito, se sentia poderoso contra tudo e contra todos, gostava de condecorações – as lembranças das torturas que praticou, realizaram um somatização em seu físico e aí sim, pode sentir pouco a pouco que não era todo-poderoso e a medida que a doença avançava com certeza seus crimes pesavam mais e mais em sua consciência, e se somatizavam mais e mais.

    Para quem sempre ignorou esse lado da vida, com certeza o tombo dói mais. E sem recursos ao Supremo que alivia o sofrimento, nem ao supremo que não pode muita coisa.

     

  14. Há pessoas que são

    Há pessoas que são imprescindíveis, pois ao passar por essa vida deixa lições e exemplos de bondade, respeito e dignidade. Porém alguns seres jamais deveriam ter existido, esse assassino agora morto faz parte deste rol. Passou por esse mundo espalhando dor e sofrimento. Que as Trevas o tenha eternamente!

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