Sete milhões de brasileiros não têm onde morar

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Foto: Reprodução/ IELAFamílias perderam tudo no incêndio criminoso em Curitiba

do IELA

Sete milhões de brasileiros não têm onde morar

por Elaine Tavares

Segundo o IBGE existem 69,2 milhões de domicílios no Brasil. Destes, 86% são casas e 13,7 são apartamentos. São números importantes porque significam que muita gente tem um lugar onde descansar a cabeça. O IBGE não explicita se são casas boas, se têm condições razoáveis de uso, mas sabe-se que ter uma casa para morar já é um meio caminho andado na batalha por viver. 

Por outro lado, os números também revelam que existe aí nesses brasilzão um número bastante expressivo de gente que não tem casa para morar. Segundo o IBGE são quase sete milhões de pessoas que precisam se submeter a altos aluguéis, submoradias ou situação de rua.  Sete milhões. Não é bolinho. São pessoas, com sonhos, com família, com história. 

Dentre esses sete milhões estão essas criaturas que tiveram seus barracos incendiados por “homens da lei” no último final de semana (8), em Curitiba. Trezentas moradias viraram cinzas na Ocupação 24 de março, na qual desde há quatro anos 400 famílias lutavam para garantir esse sonho de é de todos: uma casinha para morar. 

Soldados da PM do Paraná atearam fogo nas casas para vingar a morte de um colega, que teria sido morto em ação na comunidade. Ou seja, os homens da lei não investigaram quem matou o soldado, não usaram a lei. Apenas invadiram a comunidade com galões de gasolina e atearam fogo, pouco se importando se ali também viviam pessoas que nada tinham a ver com a morte do PM. A polícia, assim como quase todos aqueles que transcenderam à pobreza, acreditam piamente que pobre é sinônimo de ladrão e bandido. Então, para eles, pouco importa que morram. O dramático é: os homens da lei não se importam com a lei. Eles se vingam. Ou seja, não há justiça. Não há tampouco a lei de talião, olho por olho, dente por dente, porque na vingança, perecem outros seres, inocentes. É a barbárie.

Naquela ocupação em Curitiba, 400 famílias tentavam se erguer desde a miséria. E agora? Tudo virou pó outra vez. Toda a batalha de erguer barraco e constituir um lar terá de ser feita novamente, como Sísifo, numa interminável punição por um crime que não é seu: ser pobre. Porque afinal, ninguém é pobre. As pessoas empobrecem por conta da maneira como a vida é organizada no capitalismo. Uns se adonam das coisas (terras e trabalho alheio) e outros ficam sem nada. Os empobrecidos não são culpados. Eles são vítimas. Mas, a ideologia transforma mentira em verdade.  

A mesma sina se abateu sobre famílias sem-terra no município de Alhandra, interior da Paraíba. Dois homens foram assassinados por pistoleiros, provavelmente a mando de latifundiários que não querem saber de pobre ocupando terra, mesma que essa terra estivesse abandonada há anos, sem sequer uma cabeça de gado. Pois ali se juntaram 450 famílias dispostas a fazer a terra parir. Mas, aos olhos de muitos, são vagabundos, bandidos vermelhos. E para esses que julgam o outro sem compreender o contexto onde estão inseridos, melhor vê-los mortos do que produzindo comida. Um triste contra senso.

O latifúndio que quase não produz comida, espalha as mentiras e arma as mãos que destroem os acampamentos e matam as gentes. E parte da sociedade vibra, porque morreram dois “vermelhos”. Não importa se eles tinham sonhos, família, história. Eram a ralé.  Assim como consideram ralé mais de quatro milhões de trabalhadores desgarrados da terra, que vagam pelas fazendas buscando trabalho, sem encontrar. E que, por isso, se juntam e ocupam espaços improdutivos, para fazer brotar o pão. Bandidos? 

Assim, aqueles que a duras penas conquistaram sua casinha, olham com desdém para os que ainda buscam. E compram o discurso da meritocracia: “Se eu consegui, eles também conseguem. Mas, não trabalham, por isso não têm casa”. A coisa não é tão simples assim. Pessoas há que, por mais que trabalhem, não conseguem. E são sete milhões. Ou mais. Milhões, pessoas, com nome, sobrenome, história, sonhos.

Quem nunca viu um programa do Gugu, ou do Hulk, no qual as famílias vivem em condições absurdas, o pai sendo catador de lixo, a mãe faxineira, os filhos fazendo bicos. E ao final do mês, mal dá pra comer? Pois é. Não é por falta de esforço que essas famílias não conseguem. É porque não dá mesmo. Quem pode comprar um terreno? Quem pode pagar um aluguel e comer ao mesmo tempo? Essas famílias ganham a casa dos ídolos da TV. Outros milhões seguem a sina da dor. 

Mas, enfim, pouco adianta gastar texto com quem não quer compreender. Com quem se fecha dentro da bolha e aponta o dedo para o outro. Esses estão surdos. Escrevo, porque é tudo que sei. E porque creio que a palavra é criadora, é como semente. Em alguma terra fértil pode cair. 

Há pobres bandidos sim. Mas, igualmente há ricos bandidos, e como há. Então porque o ódio é só contra o pobre? Tentar responder essa pergunta pode ser já um bom exercício de pensamento crítico. 

Já esperar justiça pelo que aconteceu em Curitiba ou no interior da Paraíba, nesse Brasil de hoje, é ainda mais difícil. Não há justiça. Há vinganças, há punições violentas, há barbárie. Justiça é outra coisa e dela estamos bem distantes. Na sociedade capitalista, a parada é mais que dura. E, cuidado, mesmos aqueles que se acreditam protegidos e salvos, não estão. 

 

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

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