Sob repressão e táticas militares, chilenos mantêm protestos nas ruas

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Saldo é 15 mortos, 2.151 presos e mais de mil hospitalizados em 4 dias de manifestações pelo fim do modelo neoliberal no país

Manifestantes pedem fim à criminalização dos protestos, em Santiago, Chile – Foto: Patricia Faermann

De Santiago, Chile

Jornal GGN – O tom das notícias televisivas e do governo de Sebastián Piñera mudou nesta terça-feira (22). A criminalização das manifestações que ocorreu durante todo o final de semana até o dia de ontem foi vencida pelas redes sociais, que viralizaram por todos os meios e pela população os interesses de jornais, a parcialidade de repórteres, as montagens feitas por policiais e militares incendiando prédios e estabelecimentos, e disparando sem controle contra civis.

Por isso, a imprensa nesta terça-feira tentou correr atrás do prejuízo contra a sua credibilidade pela cobertura feita desde sexta, quando Piñera decretou Estado de Exceção, até ontem (21). O noticiário que preencheu toda programação televisiva deu lugar a alguns espaços de entrevistas e debates sobre o que a população reivindica e o governo decidiu fazer um chamado a líderes partidários para uma reunião conjunta, analisando quais medidas poderiam tomar para reduzir as manifestações nas ruas.

Além da própria situação inusitada dos protestos com ampla e horizontal adesão de boa parte da população chilena, o governo não sabia com quem especificamente dialogar, uma vez que se tratam de manifestações espontâneas, iniciadas com o aumento do preço das passagens de metrô, mas que tomaram âmbito de lutas maiores contra todo o modelo neoliberal do país: incluindo os preços das contas de serviços básicos atrelados ao dólar e a capitalização de todos os pilares públicos da sociedade – educação, saúde e aposentadoria.

Logo após os primeiros dias de uma guerra decretada nas ruas contra os próprios chilenos, a estratégia do governo de reagir com base no medo para minimizar as lutas foi escancarada e a população respondeu a isso com um retundo não: enquanto houver repressão e falta de diálogo, com propostas concretas do governo diante das petições da sociedade, as manifestações permanecem.

Artistas e músicos aderiram à causa e mostraram rechaço a um governo que responde com violência e autoriza tanques de guerra e ordens para disparar a qualquer custa contra protestos pacíficos. Mais de 50 artistas chilenos deixaram sua mensagem em vídeo, pedindo o fim do Estado de Exceção, do toque de recolher, ambos cenários vividos anteriormente na ditadura de Augusto Pinochet, e também a renúncia do presidente Sebastián Piñera.

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A queda do mandatário foi, inclusive, voz corrente das ruas verificada em todos os pontos de manifestações de Santiago e de todas as regiões que se somaram às reivindicações. Além de “cai Piñera”, os gritos e cartazes pediam democracia, paz social, o fim da desigualdade, saúde e educação públicas de qualidade, o fim do sistema capitalizado de contas individuais da previdência.

A cantora e compositora Ana Tijoux descreveu em uma canção o estado vivido no Chile destes últimos dias: “Não são 30 pesos, são 30 anos”, diz um trecho da música “Panelaço”.

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Apesar das petições e dos protestos pacíficos, a resistência dos manifestantes que desafiaram o toque de recolher, ultrapassando a hora determinada a cada dia por Sebastián Piñera para o chileno não sair de casa, com o enfrentamento da polícia armada e as forças de segurança do país com todas as munições em mãos, vem deixando saldos de uma repressão escancarada.

Até a manhã desta terça-feira (22), já são 15 mortos confirmados a nível nacional. Ainda, de acordo com os dados revelados pelo Ministério Público, as centenas de presos inicialmente divulgadas pelo governo Piñera saltaram para confirmados 2.151 presos.

Logo após o anúncio do Ministério Público, o subsecretário de Interior, Rodrigo Ubilla, novamente tentou atrelar as mortes aos próprios supostos atos de vandalismo dos manifestantes e não à truculência policial. Segundo Ubilla, dos 15 falecidos, 11 foram decorrentes de incêndios e roubos em supermercados. Conforme vídeo acima, há suspeitas de que parte destes incêndios tenham sido provocados pelos próprios policiais e militares, como estratégia de amedrontar a população.

Já outras 4 mortes foram confirmadas a responsabilidade de militares: 2 por tiros, um atropelado e José Miguel Uribe, de 25 anos, recebeu disparos na região de Maule. Deste total, um falecido é da região de Coquimbo, outro de Biobío, duas em San Bernardo e 11 na região metropolitana de Santiago.

Os dados do Instituto Nacional de Direitos Humanos dão conta de pelo menos 84 pessoas feridas por armas de fogo e mais de 1 mil pessoas hospitalizadas por todo o país após as manifestações. Na tarde de hoje (21), as manifestações voltaram a receber a truculência policial:

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. Justamente o que a velha mídia e políticos velhacos fizeram no Brasil, o povo atento no Chile não deixou acontecer: colocar o próprio povo contra si. Ficou montado uma torre de Babel onde partidos e políticos se desentendem e a mídia vai se perdendo cada vez mais a defender canoas afundando.

  2. Se qualquer um entrar no YouTube e colocar as seguintes palavras chaves
    chile pacos saqueando ou
    chile carabineros saqueam
    Verão cenas chocantes em que tanto os policiais militares chilenos como o exército chileno participam de saques, incentivam os saques e colocam fogo em um supermercado e em um banco.

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