Tuiuti: na contramão da história oficial, por Marcos Bagno

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Tuiuti: na contramão da história oficial

por Marcos Bagno

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Tuiuti é uma palavra guarani que significa “lodaçal branco”. É o nome de uma região pantanosa do sul do Paraguai onde ocorreu a mais sangrenta batalha campal jamais travada em solo americano. No dia 24 de maio de 1866, o exército paraguaio foi derrotado pelas forças da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai), financiadas pelo grande capital britânico (bancos Baring Brothers e Rotschild, entre outros), que não tolerou a ideia de um país autônomo, independente do circuito econômico dominado a ferro e fogo pela Inglaterra imperialista, que impôs o livre-mercado a suas neocolônias sul-americanas. A guerra foi um genocídio: 60% da população paraguaia foi dizimada (mais de 300.000 vítimas) e a imensa maioria dos homens foram mortos, causando um desequilíbrio demográfico que perdura até hoje. 

O país perdeu várias porções de seu território (parte do atual Mato Grosso do Sul, por exemplo, era terra paraguaia antes da guerra), teve sua economia devastada e seu povo reduzido à fome e à miséria. Já no Brasil, os genocidas se tornaram heróis nacionais e receberam títulos nobiliárquicos: Luís Alves de Lima e Silva se tornou o Duque de Caxias (apelidado de “O Pacificador” pelo tanto de sangue que fez derramar), o Almirante Barroso se tornou o Barão do Amazonas, e o General Osório virou Marquês do Herval.

Para formar suas tropas, o império brasileiro recorreu aos chamados “voluntários da pátria”, que de voluntários não tinham nada. Centenas de indígenas e caboclos da Amazônia foram sequestrados de suas terras para irem, debaixo de chicote e acorrentados, defender interesses que não eram seus e combater gente de sua mesma etnia, falante de uma língua irmã (o guarani paraguaio, o abanheenga, muito semelhante ao tupi amazônico, o nheengatu). Negros escravizados também foram combater sob a falsa promessa de que, no regresso, seriam libertados. É a mesma, velha e monstruosa história dos povos submetidos à violência colonial e de seus patrões que se vendem fácil aos interesses das grandes potências internacionais.

Hoje, no Brasil, a gente quase sempre se refere ao Paraguai com deboche e desprezo, como uma fonte de produtos falsificados, o reino das falcatruas, na ignorância de que, antes da guerra, ali ocorreram muitos avanços sociais (como uma importante reforma agrária) que os “aliados” a soldo inglês cuidaram de demolir. Quem anda Brasil afora e Brasil adentro encontra ruas e outros logradouros que comemoram a “vitória” sobre os “tiranos” paraguaios: Voluntários da Pátria, Cerro Corá, Lomas Valentinas, Riachuelo, Avaí, Tuiuti, Humaitá, Passo da Pátria etc. Sem falar nas homenagens aos “heróis” que encheram o solo paraguaio de sangue brasileiro, argentino, uruguaio e principalmente paraguaio.

É bem provável que o nome do Morro do Tuiuti, no Rio de Janeiro, berço da escola de samba Paraíso do Tuiuti, tenha sua origem numa dessas homenagens à destruição de um povo e de um país, pois a comunidade que ali se formou surgiu justamente no período do segundo império brasileiro.

Seja como for, os criadores do enredo da escola este ano, ao levar para a avenida uma crítica nada sutil aos golpistas mafiosos que estão destruindo o Brasil e espoliando o povo brasileiro, deixaram a nu a farsa da história oficial, denunciando os crimes que há séculos vêm sendo cometidos contra todas as pessoas esmagadas pelos interesses de meia dúzia de donos do poder, fantoches de poderes ainda maiores e mais sanguinários. Não importa o resultado da apuração dos votos: a G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti já conquistou a maior e melhor vitória, que é a solidariedade de todos quantos sabem que a história oficial é uma coleção de mentiras e de hipocrisias contadas e recontadas para aplacar a consciência criminosa das classes dominantes. Já ganhou!

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1.  
    É consciente dessas

     

    É consciente dessas barbaridades que nos conduziram até aqui, que nos assegura a convicção do sentimento de justiça ser posto adiante, e acima dos demais. Sejam eles quais forem.

    Na verdade, o termo “lodaçal branco,” cabe como uma luva para denominar o império britânico e seu longo rosário de crimes perpetrados contra a humanidade. Crimes continuados, que se estendem até os dias presentes.

    Orlando.

     

  2. Não estou acreditando que a

    Não estou acreditando que a globo não rebaixou esta escola para a segunda divisão.

    Tenham certeza, a vingança pela ousadia virá a cavalo.

    A PGR, o MPF e a polícia federal já devem estar investigando todos os membros desta escola de samba.

  3. A exterminação de negros e indios

    Quando estudante do segundo grau li o livro “Genocidio Americano a Guerra do Paraguai” de Julio José Chiavenato e fiquei profundamente impressionada e angustiada de saber que meu Pais participou de uma guerra que pretendia a exterminação de nosso vizinho Paraguai. 

    Tempos atras pesquisando sobre esse livro, li trechos de uma entrevista de Chiavenato, onde ele explicava de onde nasceu a ideia de contar essa guerra aos brasileiros que a desconhecem quase em sua totalidade.

    “Aconteceu o seguinte. Quando eu tomei contato com a realidade do Paraguai, não da guerra do Paraguai, e, lá, eu percebi que a guerra do Paraguai aconteceu ontem, está acontecendo agora, está no imaginário popular. Eles não superaram aquela guerra. Eles ainda vivem o trauma da guerra. […] AÍ, *Professora da Rede Pública de Ensino, município de Maravilha-SC, Mestre em História Regional pela Universidade de Passo Fundo-RS. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 2 conheci os contos orais, as guarânias, as histórias do povo, a tradição, por [que] eles estão vivendo a guerra do Paraguai. O que é isso? Até que um dia eu, andando perto de uma Ali em Caacupé, onde a estrada faz um cruzamento, eu vi um monumento, de um menino-soldado, uma mãe. Lá, eles chamavam, na época, de residenta. Uma mãe carregando um menino-soldado morto. A minha primeira impressão, era [foi] durante a ditadura do Stroessner.[…] Não tinha escrito nada [no monumento]. Estava meio apagado. Aí, um menino passou. Eu perguntei. Ele disse: – Se você quiser perguntar pro meu avô… (CHIAVENATO, Entrevista Ribeirão Preto, 26/02/2010)”

    O autor afirma ter sido motivado pela curiosidade, e que ficou impressionando com essa “outra história” da guerra do Paraguai:

    E esse velho, e aquilo é da guerra do Paraguai, batalha de Paissandu […]. E [ele] cantou umas guarânias para mim, que contavam a história da guerra. Eu fiquei impressionado com aquilo. Falei, pô, isso não pode ser verdade. Por que é uma coisa, assim, muito chocante, para um brasileiro que sempre aprendeu que o tirano [era] Solano López. Se você perguntar pros caras da minha geração, ninguém falava Solano López. Falava tirano Solano López. Sempre vinha a palavra tirano, em todos os livros. A partir daí, eu comecei a pesquisa. Fui descobrindo outra realidade. (Idem.)

    1. Interessante… Não conhecia

      Interessante… Não conhecia esta entrevista.

      Tive um professor no colégio que nos contou (fora da aula, pois eram anos sessenta em plena ditadura) que a verdade sobre a guerra do Paraguai era diferente do que estava nos livros adotados e sempre tive curiosidade sobre o assunto. Até que um amigo me emprestou o livro já nos anos noventa. Fiquei tão impressionado com sua narrativa, que tentei comprar um exemplar nas livrarias. Sem sucesso…

      Há coisa de dois anos, garimpando num sêbo ao lado do Real Gabinete Português de Literatura no centro do Rio, tive a sorte de achar um exemplar, 27a. edição de 1987. A primeira é de 1979.

       

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