TV GGN 20h: ditadura militar, página infeliz da nossa história

Confira a análise de Luis Nassif nesta quarta-feira, 31 de março, de um dos eventos mais sombrios da história brasileira

Jornal GGN – A TV GGN 20 horas desta quarta-feira (31/03) começa com os últimos dados do covid-19 no Brasil: 3.869 vidas perdidas apenas nesta quarta-feira. A média diária semanal chegou a 2.976, um novo recorde apurado nesta pandemia.

Em relação à média de sete dias, o aumento de óbitos registrados no Brasil foi de 30,9%. Em termos estaduais, 24 estados apresentaram crescimento e três estados registraram queda. “A gente faz uma projeção: com um crescimento de 20% por semana na média, vamos chegar no final de abril com mais de 400 mil mortos”, diz Nassif.

Com relação aos casos, 90.638 casos foram apurados, e a média chegou a 75.534 casos. Na análise estadual, 14 estados têm crescimento no registro de casos, seis estados mostram estabilidade e sete estados apontam queda. “É uma tragédia sanitária”, diz Nassif.

Segundo Nassif, Bolsonaro foi “amplamente derrotado” na indicação das novas lideranças das Forças Armadas. “O general Braga Netto, que é um sujeito para se olhar com lupa (…), entrou efetivamente para fazer o jogo do Bolsonaro, mas a resistência militar foi tão forte que ele acabou indicando para comandante das Forças Armadas o general Paulo Sérgio”.

Na última semana, o general Paulo Sérgio fez a manifestação a favor do lockdown, o que levou Bolsonaro a exigir do ministro da Defesa “que desse alguma punição” a Paulo Sérgio, que foi o estopim para a crise com os militares. “Ou seja: Bolsonaro termina essa crise militar com o rabo entre as pernas. Literalmente”, diz Nassif.

“E a sua reação foi desequilibrada: hoje de manhã ele fez um baita discurso contra os governadores, contra o lockdown, ele anunciou como se fosse aquele dinheiro penado (…) Soltam dinheiro para tudo, R$ 3 bilhões para isenção para igrejas, permite importação de armas (…) E quando pega essa renda básica de R$ 200, que não vai dar pra nada, ele fala ‘não, porque vai ter problemas sociais, as pessoas não podem trabalhar'”

“Ele (Bolsonaro) está provocando os problemas sociais, obviamente. Ele e o Paulo Guedes”, diz Nassif. “Até essa entidade mística chamada Mercado mostrando que a renda emergencial não vai ajudar em nada a economia, eles não pensam efetivamente nas pessoas mas nos efeitos sobre a economia”

“Você tem duas pessoas que ajudaram a afundar o governo Bolsonaro, infelizmente ao custo de tantas mortes: o general Eduardo Pazuello e o Paulo Guedes”, diz Nassif, ressaltando as ‘análises planas’ feitas pelo mercado: “eles falam que o custo da renda básica é de 30, 40 bilhões, e não temos dinheiro para tal. E quando você vai analisar: no ano passado, o PIB deixou de cair uns 2% por conta da renda básica. Esses 2%, se você converter em arrecadação (…), provavelmente dá um valor maior do que o da renda-básica”.

Para Nassif, o que está acontecendo hoje é uma onda de necessidade de ter políticas públicas, de ter Estado, está começando a pegar todos os setores. “Essa apropriação de política econômica pelo mercado chegou ao fim no Brasil”

Nassif também comenta o papel do jornalismo, e destaca o surgimento de uma nova geração de jornalistas com protagonismo. “Especialmente, está me chamando muito a atenção a CNN (…) Esse embate de opiniões que tem em outras partes, você tem que ter, tem que dar essa liberdade para as redações, os comentaristas, os repórteres, até para sentir para onde estão indo os ventos da opinião pública”

“Um ponto central de todo esse movimento foi um amplo repúdio ao golpe militar de 1964. E uma crítica à comemoração do golpe militar pelo general Braga Netto, a ponto dele colocar que ‘o grande papel das Forças Armadas é em defesa da democracia'”.

Nassif conversa sobre o golpe militar de 1964 com o jornalista Eduardo Reina, autor do livro “Cativeiro sem fim: As histórias dos bebês, crianças e adolescentes sequestrados pela ditadura militar no Brasil – “(O trabalho) se transformou em um livro-reportagem lançado recentemente pela Editora Alameda, com apoio do Instituto Vladimir Herzog. Ele conta a história de bebês e crianças sequestradas pelos militares durante as décadas de 60 e 70”, diz Reina.

“Aqui na América Latina a gente sempre ouviu falar da existência de sequestros de bebês filhos de militantes políticos, filhos de opositores ao regime ditatorial”, explica Reina. “A gente ouviu falar da existência desse crime na Argentina, no Uruguai, no Paraguai, no Chile, e nunca se falou aqui no Brasil”, afirma Reina. “E a gente sabe que as forças militares desses países agiram em conjunto durante os períodos de ditadura nos Anos de Chumbo (…)”.

“Esse livro foi lançado em 2019, se chama Cativeiro Sem Fim e conta a história de 19 pessoas que foram sequestradas pelos militares, que foram adotadas por famílias de militares ou então entregues a outras famílias ligadas aos militares. Desses 19 casos, 11 estão ligados diretamente à Guerrilha do Araguaia. Os outros são alguns indígenas do Mato Grosso, casos em Pernambuco, caso em São Paulo e caso no Rio de Janeiro”, diz o pesquisador.

“Esse caso do Rio de Janeiro é especialmente emblemático: é o caso de apropriação de uma bebê (sic), chamada Rosângela Serra Paraná, ela foi adotada pelo motorista, pelo cara que fazia os serviços para o Ernesto Geisel no Rio de Janeiro nas décadas de 60 e 70”.

“Então, a gente comprova a mão dos militares da linha dura e mostra, no meu ver, um dos crimes mais cruéis que os militares podem ter cometido durante a ditadura”, afirma Reina.

“A gente sabe que você prender as pessoas, torturar as pessoas, desaparecer com os corpos dessas pessoas, é extremamente sanguinário, é extremamente cruel, mas você sequestrar um bebê, uma criança, tirando ela do seio da família, dos pais biológicos, já é um crime. Depois, você supre (sic) essa pessoa da própria identidade, e depois você tenta colocar nela uma outra identidade, com outros valores. Então, eu acho esse crime um dos mais perversos que os militares cometeram durante a ditadura aqui no Brasil”, afirma Eduardo Reina.

“A gente pode chamar (o sequestro das crianças) de um objetivo militar. E esse objetivo militar era você dominar totalmente o que eles consideravam ser seus inimigos, que seriam os comunistas, seria o que eles chamavam de subversivos”, diz Reina. Qualquer pessoa que fosse contra o governo era um subversivo, era um comunista. Algo muito similiar ao que acontece hoje, com aquele homem que ocupa a presidência da República hoje em Brasília”.

“Naquela época, não basta apenas você prender, matar e desaparecer com os inimigos diretos. Eles tinham como objetivo também que acabar com todas as pessoas no entorno deles”, diz Reina.

Questionado sobre a reação dos adultos sobre a troca, Reina diz que eles perdem o chão totalmente. “A pessoa que você achava que você era, você não é mais. E você vai procurar quem são seus pais biológicos – aqui no Brasil, a gente está tendo um movimento inverso do que aconteceu e acontece até hoje na Argentina. Na Argentina, são os avós e os pais procurando os filhos que foram sequestrados. Aqui no Brasil, como houve essa descoberta tardia, são os filhos que estão procurando os pais que eles perderam”.

Reina explica o caso de Rosângela. “A Rosângela é uma pessoa que descobriu o caso dela em 2013, em uma briga de família. Ela sabia que era adotada, ela foi muito maltratada durante a infância, durante a adolescência. A vida dela (Rosângela) é marcada por várias tragédias, e agora em 2013 em uma briga de família ela descobriu essa situação dela. Então, ela vem procurando desesperadamente quem são os pais biológicos dela”.

“E ela (Rosangela) é uma pessoa que se torna a cada dia mais doente por causa dessa supressão na vida dela”, diz Reina. “A pessoa perde totalmente a noção do mundo (…) É um esforço grande para descobrir quem são os pais biológicos dela, é um esforço hercúleo que eu não sei se a gente vai conseguir chegar em um ponto final, porque existe uma camada muito grande de pessoas envolvidas nessa trama de sequestro”.

“Está muito claro, nessas minhas pesquisas, que a criança nascia no ponto X, era levada para o ponto Y, e adotada por pais que estavam no ponto Z. Aí forma um triângulo difícil de você fazer o caminho inverso para chegar na origem. E também teve a ajuda de funcionários públicos, funcionários de cartórios – descobrir que a certidão de nascimento é falsa é um dos passos mais fáceis de você descobrir”, diz Reina.

“Depois que o livro foi lançado, eu fui procurado por mais de 40 outras pessoas que também se dizem vítimas desse crime”, diz Reina. “Em algumas apurações que consegui dar andamento deu para descobrir, por exemplo, um caso de uma mulher de São Paulo em que o pai dela era da Polícia Militar e fazia parte do Pelotão da Morte, que era como se fosse um Esquadrão da Morte só que da Polícia Militar”

Nassif destaca a entrevista feita com Carlos Gadelha (Fiocruz) sobre política industrial para o setor de saúde, onde se abordaram as iniciativas adotadas para o desenvolvimento para o setor. “O que ele (Gadelha) coloca foi a maneira de como se tentou montar esse complexo da saúde. Você tinha um departamento para definição de produtos-chave, que foi desmanchado pelo ministro Henrique Mandetta com esse liberalismo maluco”, diz Nassif.

Segundo Nassif, era justamente o departamento de produtos-chave “incumbido de definir ventiladores, que hoje faz essa falta danada. Um mês antes de começar a pandemia”

A íntegra da entrevista com Carlos Gadelha pode ser vista abaixo

Nassif também comenta a mudança de metodologia usada para a divulgação dos dados do Caged, apontada como recorde de criação de empregos por alguns veículos de imprensa. “Você tinha uma metodologia do Caged para medir o emprego formal. No ano passado, mudaram a metodologia. Passaram a admitir estágio, emprego público, emprego temporário. Fizeram um carnaval. Então, não tem nenhum termo de comparação com o período anterior a 2020”.

Contudo, o IBGE divulgou os dados do mercado de trabalho no trimestre fechado até janeiro: a população ocupada diminuiu em 154 mil pessoas e a população desocupada aumentou 347 mil pessoas, e mais 119 mil pessoas estão fora da força de trabalho.

“Em 12 meses, a população economicamente ativa aumentou em 4,876 milhões, mas a força de trabalho diminuiu 5,768 milhões. A população ocupada diminuiu 8,126 milhões de pessoas”, afirma Nassif. “A população desocupada aumentou em 2,359 milhões de pessoas, enquanto a população fora da força de trabalho aumentou em 10,644 milhões. Juntando desocupados e fora da força de trabalho, você chega a 13 milhões de pessoas”.

“Você tem alguns movimentos que estão ocorrendo e que vão ganhar força daqui para diante, que é a importância das políticas públicas (…) O que a pandemia trouxe mundialmente foi desmanchar todos aqueles conceitos de ultraliberalismo furados, que não tinham relação com o mundo real”, diz Nassif, ressaltando que a política econômica foi sequestrada há anos pelo mercado financeiro. “Ela (política econômica) só pensa exclusivamente em melhorar as condições e a rentabilidade do capital financeiro. Esse é o ponto”.

Redação

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