Uma realidade fantasticamente pior do que a ficção, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A medicina não pode ser exercida por um app. O Ministério da Saúde não pode fazer propaganda de um serviço automatizado de atendimento médico “on line”

Uma realidade fantasticamente pior do que a ficção

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Após sabotar a importação de vacinas, o governo brasileiro criou um app para atender os cidadãos. O The Intercept analisou o aplicativo e descobriu que o resultado oferecido é quase sempre o mesmo. O app indica o consumo de medicamentos ineficazes para combater o coronavírus https://www.uol.com.br/vivabem/reuters/2021/01/20/app-do-ministerio-da-saude-recomenda-remedios-sem-eficacia-contra-covid-19.htm. Fiz o teste.

Duas coisas chamaram minha atenção nesse incidente.

A primeira é a evidente violação da prerrogativa dos médicos de entrevistar pacientes para prescrever tratamentos médicos e medicamentos adequados. Causa estranhamento o Conselho Federal de Medicina, tão diligente e feroz na defesa dos seus interesses corporativos quanto a presidenta Dilma Rousseff contratou médicos cubanos para atender cidadãos nas cidades do interior em que médicos brasileiros se recusavam a trabalhar.

O atendimento dos pobres por um app concebido às pressas para desovar o estoque de cloroquina parece não incomodar o CFM. Isso não é apenas lastimável. É uma violação evidente de dois dispositivos da LEI N3.268, DE 30 DE SETEMBRO DE 1957:

Art . 17. Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.

Art . 20. Todo aquêle que mediante anúncios, placas, cartões ou outros meios quaisquer, se propuser ao exercício da medicina, em qualquer dos ramos ou especialidades, fica sujeito às penalidades aplicáveis ao exercício ilegal da profissão, se não estiver devidamente registrado.”

A medicina não pode ser exercida por um app. O Ministério da Saúde não pode fazer propaganda de um serviço automatizado de atendimento médico “on line” em que o cidadão não tem contato pessoal com um profissional habilitado nos termos da referida Lei 3.268/57.

Num dos capítulos da série House, MD (HBO 2004-2012), um dos assistentes do protagonista monta um serviço de consultoria médica “on line”. Os interessados pagam uma quantia para, após fornecer as informações necessárias (descrição de sintomas, remessa de exames etc) receber o diagnóstico elaborado por uma equipe de especialistas. O criador do app utiliza o acesso privilegiado a House para verificar suas hipóteses. Em algum momento, entretanto, ele é confrontado pelo chefe que exige receber uma parte dos lucros.

A situação criada pelo Ministério da Saúde é pior do que aquela retratada na série. Os usuários não qualquer contato com um profissional médico. Não importa quais serão as informações inseridas no app, o resultado e sempre a recomendação do usuário adquirir medicamentos ineficazes para o tratamento contra a pandemia. Na prática, os cidadãos estão sem enganados e instigados a sofrer reações alérgicas e intoxicações medicamentosas que podem causar danos e, nos casos mais graves, até a morte.

Isso não é apenas escandaloso. É um crime.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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