Violência policial: o que importa é a opinião pública

Jornal GGN – O amigo do menino de dez anos morto pela Polícia Militar sofre de um grau leve de autismo e uma severa hiperatividade. Em nenhuma circunstância ele poderia ter sido interrogado na rua sem a presença de psicólogos e outros profissionais. Essa é a opinião do ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neves.

Para ele, nenhum dos três depoimentos que o menino deu até agora (contando o primeiro, informal e irregular), foi conduzido de maneira adequada. E o testemunho do garoto, mesmo não podendo constar oficialmente no processo penal por conta de sua idade, é a peça chave para entender o que realmente aconteceu naquela noite. “Fundamental para o esclarecimento da verdade real”.

O ouvidor entende que algumas ações dos policiais naquela ocorrência tinham o objetivo de produzir provas para a opinião pública. O depoimento improvisado do menino sobrevivente é um exemplo disso. “Um abuso enorme. Abuso de autoridade. Totalmente irregular. Prova para a opinião pública. Para ter uma comoção”.

“Parece ser espontâneo”, foram as palavras do governador Geraldo Alckmin ao assistir as imagens. “Eu infelizmente tenho que discordar do governador”, disse Julio Cesar Neves. “Quando você sabe da situação dessa criança, não dá pra afirmar que ele tenha dito qualquer coisa com espontaneidade. É impossível”.

Inclusive, o ouvidor revelou que consta no inquérito policial um novo vídeo, que ainda não foi disponibilizado para a imprensa, em que o menino sobrevivente é retirado à força de dentro do carro roubado e arrastado por cerca de 40 metros até outro veículo.

“Eu tenho convicção absoluta que os policiais que estavam naquela ocorrência não sabiam com quem estavam lidando. Quando viram que quem levou o tiro foi uma criança, eles ficaram estupefatos”. A partir daí, começou uma corrida para tentar justificar o erro. “Com certeza eles mexeram na cena do crime. Não dá para falar que não”, garantiu o ouvidor.

Testemunhas improvisadas também foram reunidas às pressas para endossar a versão da PM para os fatos. O advogado Marco Gomes afirmou que estava na rua quando o crime aconteceu e ouviu um disparo de arma de fogo vindo do carro dos garotos contra a viatura da polícia. “Foi tão próximo de onde eu estava que até abaixei”, disse na ocasião.

Tratava-se de mais um testemunho informal para a opinião pública, que não se confirmaria na investigação oficial. Na hora de prestar depoimento, o advogado já não tinha tanta certeza de onde veio o tiro. “O testemunho teria peso, se ele tivesse certeza e estivesse convicto de que o tiro que ele ouviu saiu de dentro do carro dos meninos. Mas ele deixou claro que não viu isso. Ele corria o risco de ser acusado de falso testemunho, então, ele fez bem em não assumir esse risco. Ele falou que é um advogado e sabe das consequências do testemunho dele. Não convicto, ele retirou o testemunho”, contou o ouvidor.

A própria arma supostamente encontrada pela polícia, um revolver 38 com três balas íntegras e três deflagradas, precisa ser mais bem investigada. “Essa arma veio de um roubo de carga da Comarca de Jundiaí. A gente também está pedindo para que seja visto o histórico dessa arma. Como que ela chegou nesse carro?”.

Para o ouvidor, não é razoável imaginar que dois meninos armados invadissem furtivamente um condomínio, pulando o muro externo, e furtassem um automóvel. “Se eles estavam armados, eles não precisavam pular o muro de um prédio. Eles poderiam fazer assaltos a mão armada na região”.

Além disso, os meninos deviam saber que a lei não permite deter menores de 12 anos. “Por que um menino de dez e um de 11 anos trocariam tiros com a polícia sabendo que sairiam imediatamente de uma delegacia? Eles não podem ser levados para a Fundação Casa, para abrigos, só acima de 12 anos”.

Passada a comoção inicial do caso, e com a investigação ainda em andamento, a única certeza é que, qualquer que tenha sido o motivo, houve erro policial. A própria gravação da conversa dos policiais na rua com o Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) deixa isso claro.

“Eles ali estavam conversando com o Copom, pedindo licença para agir. A resposta do Copom foi ‘mantenha distância, evite confronto’. Essa foi a frase que o policial do Copom soltou para os policiais da ocorrência. O Copom deixou claro que não era para haver confronto. O que não foi feito. Então, houve erro até no procedimento dos policiais da ocorrência”, acredita o ouvidor. “Trata-se de um garoto. Querendo ou não, o Estado tem uma dívida com ele”.

Dívida que provavelmente não será paga. O Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) está no caso. E os policiais envolvidos estão afastados da rua e realizando trabalhos administrativos. Mas o Ministério Público até agora não nomeou um membro para participar das investigações.

“A bem da verdade, até agora o Ministério Público não esteve presente. E essa é uma falha grave. A Ouvidoria exerce o controle social da atividade policial. Eles exercem o controle efetivo. O Ministério Público é que vai propor uma eventual ação penal, se tiver essa convicção, ou vai mandar arquivar. Mas como é que o Ministério Público manda arquivar se não participou diretamente dessa investigação?”.

Se a opinião pública estiver convencida, o caso será esquecido. E num país em que 50% da população concorda com a afirmação de que “bandido bom é bandido morto” (de acordo com dados do Fórum Nacional de Segurança Pública), o assassinato de jovens pelas mãos do Estado é até encorajado. 

Leia também: Testemunha já fez vaquinha para PMs que executaram jovens rendidos

Redação

18 Comentários

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  1. A falência moral da PM

    Desde a primeira noticia sobre esse caso que alguns de nos aqui fomos contra essa violência barbara da policia, mas alguns acham isso normal e chegam até defender a policia agir assim, dizendo que os meninos são bandidos e que isso e que asuilo. Mas é aquilo que temos dito: enquanto a sociedade brasileira não se revoltar contra esse estado de coisas, como o bravo ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neves, nos teremos ainda muita violência.

    1. O Ouvidor das Polícias Militar e Civil

      Privo da amizade e convívio com o Ouvidor Julio César Fernandes, há pelo menos 4 anos, antes de ser nomeado para o cargo, no primeiro mandato. No fim do ano passado, foi reconduzido para mais um mandato de 2 anos, apesar de ser o último colocado na lista tríplice enviada ao governador. É uma pessoa digna, de formação humanista atestada pela biografia, sensível à bárbárie cotidiana dos aparatos policiais. Faz o que pode, até os limites da sua competência, não depende só dele. 

      1. Competente, digno, mas………..

             Como vc. escreve : Com a estrutura a ele disponivel, menos que básica, somada a interesses corporativos e politicos, escrutinio da midia, sujeito a interferencias de procuradores ( de diversas tendencias, alguns até que esposam a tese de “bandido bom é bandido morto” ), faz o que pode – e completo : deixam.

  2. https://catracalivre.com.br/g

    https://catracalivre.com.br/geral/mundo-animal/indicacao/pm-mata-cachorro-que-brincava-com-criancas-em-favela-de-sao-paulo/

    Moradores da favela de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, acusam um policial militar de atirar de dentro da viatura e matar um cachorro que brincava com crianças na noite do último sábado (11). Revoltados com a morte do animal, alguns moradores colocaram fogo em lixo, caçambas e em um ônibus.

    O cão estava na calçada ao lado de duas crianças, de 4 e 7 anos, quando uma viatura que realizava ronda no local passou e o cachorro começou a latir. Nesse momento, o policial atirou no pescoço do animal.

    Divulgação / Diário de S. Paulo

    O cachorro chamado Bob era conhecido pelos moradores da região

    O cachorro chamado Bob era conhecido pelos moradores da região

    Uma moradora da região afirma que o policial foi embora dando risada, o que revoltou ainda mais as pessoas que presenciaram a cena. “Foi crueldade”, contou a jovem de 24 anos que pediu para não ser identificada. Ela comentou que os disparos assustaram as crianças. “Já pensou se esse tiro atinge um dos meninos? Se eles foram capazes de atirar em um cachorro imagina em nós”.

    O Catraca Livre entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e não obteve nenhum esclarecimento do caso até o fechamento desta matéria.

  3. “Se a opinião pública estiver convencida, o caso será esquecido.

    Como o próprio nome já diz, a opinião pública, como opinião, não passa de uma crença, sem nenhuma garantia de validade. Seu objeto não é outra coisa senão o não-ser, a aparência, fortemente alimentada por espertalhões da mídia que conseguem convencer legiões de imbecis.

    Se dependêssemos da opinião pública dominante, ainda hoje pensaríamos que é o sol que gira em torno da terra. E como pode a OP em pleno ano de 2016 ainda pautar causas criminais tão graves no Brasil? Que tragédia.

  4. Cristão Assassino

    Ter de matar um menino de 11 anos é a maior prova de incompetência dos policiais. Não servem para nada. Extremamente violentos, a serviço das pessoas endinheiradas e preconceituosas. Quando você é roubado nunca fazem nada. Não investigam nada, não ajudam a comunidade em nada.

    Um governador cristão de verdade nunca deveria se conformar com esse grau de violência que se pratica em seu nome.

    Estas mortes estão todas nas suas costas Geraldo Alkimim, você é assassino tanto quanto estes fardados. Quantas centenas já foram esse ano?

  5. A falência de uma instituição de Estado

    Sexta 10, ato na Paulista com Lula. O Choque da PM postou-se, estratégicamente, na calçada em frente ao Trianon, e na Paulista,em frente à agência Estilo do Banco do Brasil. Lá pelas 22p0, quando já restavam poucos na avenida, receberam ordens de retornar ao quartel. Na lanchonete Charme da Paulista, um grupo numeroso de manifestantes reuniu-se numa mesa. A cada “cortejo” de PMs que passava, apupos, vaias, xingamentos e o refrão “….tem que acabar, tem que acabar, a Polícia Militar”, “Eu quero o fim da Polícia Militar”. Exceto aqueles que tiraram selfies com o Choque, a sociedade em peso rejeita essa Instituição, repele, tem nojo, repulsa. Esse sentimento deveria ensejar uma profunda revisão interna. Deveria, se houvesse interesse. A Polícia que mais mata no mundo não precisa mudar.

  6. Desde o início afirmei: a PM executou e plantou arma.

    Desde o momento em que vi as imagens, afirmei catègoricamente: o garoto foi executado. Vieram as versões da PM, endossadas pela mídia e pelos ‘linchadores’ que parecem vibrar quando a polícia comete violência e assassinatos de “bandidos”, mesmo que esses sejam crianças ou não tenham antecedentes criminais.

    Uma perícia cuidadosa pode provar de onde partiram os tiros iniciais. E pela narrativa do ouvidor relatada na reportagem, a arma foi plantada e não é verossímil que os garotos armados tivesssem de pular o muro, para furtar o veículo.

    Num estado em que o nazifascista Alexandre de Moraes, que advogou para o ladravaz Eduardo Cunha, ocupou há até pouco temo a SSP e cuja atuação é marcada por incitação à violência e repressão policial contra os movimentos populares e contra a população mais pobre e da periferia, não surpreende que o MPE tenha essa posição omissa e covarde em relação aos policiais que cometeram mais um homicídiod e uma criança negra e pobre.

     

     

  7. Não existe comoção na

    Não existe comoção na sociedade pela morte do menino de  10 anos, porque ele é preto e morador de comunidade.

    Quando alguns acham normal a morte de um menido de 10 anos pela policia, mesmo estando armados como alguns dizem, só prova que somos racistas, e cada vez mais mostramos a cara. Quem bom por isso, pelo menos cai a hipocrisia que não somos, e que vivemo em harmonia racial. Desde  que os negros não ocupem o espaços dos brancos e ponham-se em seu lugar.

    Mais um preto que morre pela mãos da policia racista, que está a serviço da sociedade que tem o mesmo pensamento.

    O pior de tudo, é que esse jovem não será o ultimo preto morto nesses circunstancia pela policia doBrasil.

    E vida que segue, porque no Brasil não “existe violência racial”

    1. violência….

      “A morte de jovens efetuadas pelo Estado”…Não é o que acontece todos os dias pela negligência do Poder Público. A menor parte morre em confronto com a força policial. Para o Estado, este garoto de dez anos já esava morto. O outro garoto de onze anos também. Para a sociedade, que nem se indignou extremamente também. Assim como a morte por congelamento de cinco ou seis moradores de rua. Para o governo do estado de SP são estatisticas. Para a Prefeitura de São Paulo, que faz galpão bilionário, em área de vários alqueires em plena Marginal Tiete para escolas de samba, também pouco importa. Importasse, mais um governo dito de esquerda, socialista, não terminaria seu mandato sem conseguir dar creches e pré-escolas para outros milhares de “Italos” que continuam a viver. Culpar a força policial é uma forma muito baixa de negligenciar o problema. 

  8. Pequenas perguntas, simples

     1. Os cartuchos do .38 ficaram na arma, MAS onde estão os projeteis, foram para onde ?

     2. Existe area de queima ( clarão dos disparos ) no interior do veiculo , próximos a area na qual o moleque supostamente deflagrou os disparos ?

     3. Qual a posição final do corpo abatido dentro do veiculo ? Qual a posição de encontro da arma por ele utilizada ? Quantos disparos, fatais e  não fatais que os PMs realizaram ?  Qual a perda de sangue e fluidos dentro do veiculo ? 

          Estas do item 3, não poderão ser respondidas, pois ainda nas policias brasileiras, existe a pratica de : ” para tentar salvar a vitima, desconsidera-se a preservação do local da ocorrencia ” ( a vitima pode estar com metade da cabeça, sem respirar, sem ação, mas a carregam para o hospital – não tem bondade nenhuma nesta ação, é só para descaracterizar a cena de crime, e contar a melhor história primeiro ).

  9. violência…

    A censura demonstra o porque deste país viver no atraso e nunca sair de lá. Imprensa é informação e debate de argumentos. Não é panfletagem.

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