A cidade antes e depois dos mouros, por Cristiane Alves

A cidade antes e depois dos mouros

por Cristiane Alves

A evolução do espaço urbano tem origem com a domesticação da agricultura. Parece um paradoxo, mas o campo foi responsável pela gestação das cidades. O homem deixa de ser nômade e passa a escolher o lugar onde criará e aumentará seu grupo de convívio, surge a divisão social do trabalho e a sociedade deixa de ser matriarcal. As atividades de segurança se especializam e com elas as edificações.

As cidades antecedem os Estados nações, os explicam até, mas vieram muito antes.
As vilas, ou cidades, eram de início uma estratégia de segurança, a vida urbana subordinava-se a vida rural.

Com o passar do tempo, as populações aumentando, as áreas agricultáveis precisando ser ampliadas e com os conflitos por espaço cada vez mais frequentes, as cidades se tornam fortalezas.

Na antiguidade as cidades eram as potências nacionais, o próprio locu do Estado. Eram cercadas por muralhas, geralmente na confluência de grandes rios que lhes garantiam alimentos e segurança. Os fossos, por exemplo, eram canais artificiais profundos, construídos para impedir que povos inimigos pudessem chegar às muralhas das cidades com facilidade. Geralmente a economia era rural e se desenvolvia durante os períodos de paz, geralmente fora das muralhas ou entre muralhas secundárias.

Os hierarquicamente mais importantes à organização social (os nobres, os homens do exército, os proprietários de terras, os comerciantes) viviam nas áreas mais seguras. A medida que as populações cresciam as edificações seguiam duas rotas: vertical (os sobrados onde viviam famílias inteiras); ou horizontal (ampliando a cidade para além das muralhas, redefinindo o traçado dos muros à sua volta).

Babilônia foi um exemplo de organização espacial sem comparação, tanto nos traçados das ruas, como nas edificações e esquemas de abastecimento e segurança. Cabe um artigo inteiro só para essa inspiradora cidade.
O império romano pavimentou muitas estradas, criou articulações espaciais, ampliou o sentido do urbano no mundo conhecido até então.

Com a Idade Média os conflitos entre as cidades aumentam. A fragmentação do poder, antes concentrada no imperador romano e seus governadores, migra para os senhores feudais.

A cidade feudal era aglomerada, suja, sufocada, de escura. Todo espaço dentro da muralha era valorizado, não haviam vazios urbanos. Viver na cidade era garantia de sobrevivência, mas era caro. Tudo era taxado, a mobilidade era dificultada porque uma mesma estrada ou ponte, por exemplo poderia pertencer a mais de um feudo e implicava que em curtos espaços se tivesse que pagar varias taxas para trasladar.

A insegurança e as conspirações entre os feudos e os povos do oriente tornava as edificações retas, sem aberturas (basicamente as edificações mais opulentas não tinham janelas, as aberturas eram apenas frestas por onde se podia lançar flechas ou lanças com menor chance de retaliação.

Foram os povos árabes com suas conquistas de povos e terras que introduziram hábitos de higiene e saúde indispensável à formação dos Estados nacionais.

Os árabes levaram aos povos da atual Europa os estudos astronômicos, e o conhecimento necessário às futuras Grandes Navegações.

Mas a arquitetura dos mouros foi, talvez o maior tesouro compartilhado. Os árabes transformaram os castelos em palácios. A diferença consiste na forma e nos detalhes. 
Nos feudos ocidentais as edificações eram úteis somente. Não tinham por função ser agradável. Precisava cobrir, aquecer e proteger.

Com os árabes as cidades se iluminam, surgem as praças internas, o inesperado na arquitetura urbana. Os romanos construíram praças, mas a função e a estética moura foi muito além do local do discurso dos poderosos. A praça ganha função de lazer, estética e climatização.

Os castelos, antes escuros e cinzentos e sisudos, ganham novos contornos. Os arcos emolduram portas, surgem as janelas, amplas, luminosas e circuladoras de ar. As curvas abobadadas formam os telhados, os vitrais coloridos chegam nas construções e objetos de decoração. Os vazados e transparências dão privacidade ao mesmo tempo que permitem visibilidade.

Os pátios se cobrem de vegetação, as plantas fazem parte da casa, das ruas e das praças.

As curvas nos objetivos e traços, o estilo barroco são claras influências árabes.

As cores variadas nas fachadas e o dourado sempre muito valorizados pelos árabes são outra característica.

Sem dúvida a cidade se tornou mais humanizada devido aos povos árabes, seus tecidos nas cortinas e tapetes, suas músicas e sabores, (inclusive para o armazenamento e conservação de alimentos).

Os povos bárbaros levaram delicadeza onde não existia.

Se os romanos expandiram as cidades, foram os árabes que transformaram esses espaços geográficos em impérios dos sentidos.

A Europa deve muito aos povos árabes e seus muitos saberes. Por fim, nós também.

Cristiane Alves – Formação em Geografia (licenciatura e bacharelado) – UNESP, Especialista em educação especial com ênfase em Altas Habilidades e Superdotação – UNESP

Cristiane Alves

3 Comentários

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  1. Não só a etnia árabe foi responsável pela melhoria das cidades

     Pelo que eu saiba, não foram só árabes que dominaram a cena histórica na Europa na idade média. Muitos povos ali presentes não eram árabes. A Ibéria teve uma presença muito forte de africanos , inclusive negros do baixo Saara, que são denominados bérberes. A semelhança entre eles e os árabes era a religião islâmica. Entendo que , na verdade, o arejado islamismo se opunha ao sisudo goticismo europeu dos germânicos. Mas que o artigo está correto em afirmar o papel dos árabes e seus semelhantes religiosos , isto está. 

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