Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A Disneyficação da Realidade no Filme “Substitutos”

 

Através da ironia, o filme “Substitutos” (Surrogates, 2009) representa todo um submundo da cultura pop onde, do suicído à virtualização humana, o paradigma é o mesmo: a neutralização ou simplesmente a eliminação do fator humano por andróides ou mundos virtuais como forma de salvar o próprio planeta. Em outras palavras, despachar o homem para mundos virtuais enquanto a realidade é “disneyficada”.

Em uma sequência do filme “MIB-Homens de Preto” (Men in Black, 1997) o agente Kevin (Tommy Lee Jones) introduz o novato agente James (Will Smith) na organização governamental MIB que controla as atividades de extraterrestres no planeta Terra. Kevin para diante de uma banca de jornais e começa a folhear tabloides com bizarras manchetes sensacionalistas. “Vamos ver os últimos relatórios”, diz Kevin.  Percebendo a estranheza de James, Kevin responde: “são as melhores fontes do planeta… às vezes também se encontra algo no New York Times”, reponde para um perplexo James que não entende como uma complexa agência governamental procure pistas em tabloides populares.

Dentro dessa espécie de “zub-zeitgeist” da cultura (representado por toda uma literatura de HQs, magazines, pulp fictions e gêneros fílmicos como sci-fi, horror e fantasia e seitas religiosas e tablóides) encontramos uma bizarra seita religiosa de Boston, EUA, chamada Church of Euthanasia. Seu lema é “Salve o Planeta, mate-se”. Suicídio, aborto, canibalismo e sodomia seriam as únicas formas de salvar o planeta do desastre ecológico ao evitar a procriação da raça humana, considerada o verdadeiro parasita da Terra.

Fundada em Massachusetts, a Igreja se define como “uma organização sem finalidade lucrativa devotada a restaurar o equilíbrio entre humanos e as espécies remanescentes sobre a Terra”. A Igreja ganhou a atenção da opinião pública ao publicar em seu web site instruções de “como matar-se por asfixia e gás helio”. As páginas foram retiradas do ar logo após uma mulher de 52 anos se matar seguindo as instruções, o que resultou em ações legais contra a igreja.

Tudo muito bizarro, mas se começarmos a seguir o método de investigação do agente Kevin descrito acima, veremos que toda essa espécie de submundo da cultura pop contemporânea reflete (de uma forma hiperbólica ou distorcida) algo de mais sério e real: uma agenda tecnocientífica contemporânea ou, para a nomenclatura desse humilde blog, uma “agenda tecnognóstica”.

Essa visão de que o ser humano é o maior problema do planeta e de que deve ser expurgado da sua superfície de alguma forma é o que está por trás, por exemplo, da previsão do cientista chefe da NASA Dennis Bushnell proferida em palestra  na World Future Society:  deixar o planeta em paz a partir do momento em que despacharmos a humanidade para mundos virtuais através da IA, nano e biotecnologia (veja links abaixo). Suicídio ou virtualização, o paradigma é o mesmo: o fator humano tem que ser, de alguma forma, eliminado ou neutralizado.


Hollywood reflete a agenda tecnognóstica


Toda essa introdução é necessária para entendermos o filme “Substitutos” (Surrogates, 2009). Os roteiristas John Brancato e Michael Ferris (de filmes como “Vidas em Jogo” e “Exterminador do Futuro 3”) foram muito criticados por serem “nerds ultrapassados” pelo fato de o argumento do filme ignorar fatos atuais que poderiam delinear melhor o universo do filme.


A trama se passa em 2054 onde quase a totalidade da humanidade trocou sua a sua existência real por androides substitutos. Os “operadores” em confortáveis poltronas de conexão e migram as consciências para seus androides correspondentes que representam versões “melhoradas” ou “idealizadas” de si mesmos. Ironicamente os androides tem uma aparência “photoshop” e todos parecem versões high techs de Barbies e Kens. Mas, diferente de clássicos como Matrix, os controladores não podem ser mortos caso alguma coisa aconteça com o seu androide, até que um terrorista tecnológico descubra como mudar isso.

E para que virtualizar a si mesmo. Ao manter a quase totalidade da humanidade em suas casas, de roupão e chinelos, sem jamais sair para as ruas, caem drasticamente os índices de criminalidade, mortes etc. É a perfeita solução ecológica: a neutralização do fator humano.

Uma pequena parte da humanidade resiste e forma um distrito onde as pessoas podem viver à moda antiga. Essa ordem é abalada com uma sucessão de operadores que morrem em suas poltronas após seus androides serem assassinados por uma potente arma de um serial killer tecnológico. E aí entra o policial do FBI Tom Greer (Bruce Willis) em que, através do seu androide, tentará encontrar esse terrorista serial killer. Mas Tom está cansado dessa vida virtual. Embora agente de lei, tem simpatias pelos ativistas contrários à empresa Virtual Life que mudou a face do planeta.

Sente-se cada vez mais distante da sua esposa, uma cabeleireira e esteticista de androides (uma sacada de ironia metalinguística do filme: androides “photoshopados” maquiados e “embelezados” por uma androide esteticista, enquanto a operadora fica cada vez mais enrugada em sua poltrona).

As críticas apresentadas aos roteiristas Brancato e Ferris são injustas. É claro que o argumento parece batido, ao vermos os atuais exemplos de virtualização por meio de avatares digitais, Second Life e MMORPGs. Mas o tom trash e de ironia metalinguística do filme confirma a tendência de Hollywood refletir a agenda tecnognóstica atual em um tom hiperbólico.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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