Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A ficção midiática contamina o atentado de Boston

Há uma ambiguidade nas imagens que envolveram o atentado de Boston, geradora tanto da espiral de interpretações conspiratórias (“Operação False Flag e autoterrorismo) quanto as rotineiras versões genéricas sobre terrorismo de “facções radicais”. A ambiguidade fundamental dessas imagens (jornalísticas e, ao mesmo tempo, carregadas de clichês retóricos) associada a uma série de sincronismos e coincidências revela, em seu conjunto, um estranho sintoma do verdeiro contínuo midiático atmosférico que domina a nossa cultura: a contaminação da realidade pela ficção midiática.

Para quem lida com análise fílmica e estrutura de roteiro como esse autor, é impossível não perceber um estranho mix entre ficção e realidade no incidente das bombas detonadas junto à linha de chegada na Maratona de Boston: o timing de todos os acontecimentos subsequentes até a captura dos “suspeitos” (estranha expressão porque desde já estão condenados à morte), os fatos encadeados como em um clássico roteiro com a narrativa dividida em três atos (atentado/perseguição/captura) com timing de filme de ação hollywoodiano, a facilidade de captação de imagens de toda a ação pelas mídias, e, por fim, as clássicas e emotivas imagens de velas sendo erguidas em homenagem à vítimas e pessoas histéricas gritando “USA! USA!” enquanto o “suspeito” sobrevivente era levado preso.

Impressiona como a ambiguidade dessas imagens (jornalísticas e, ao mesmo tempo, com forte carga retórica como o detalhe em close de uma sacola com a bandeira dos EUA em uma calçada manchada de sangue) acaba produzindo uma espiral de interpretações tanto conspiratórias (a “operação false flag” ou autoterrorismo) quanto um atentado arquitetado por “facções radicais”.

A notícia quase simultânea de uma ameaça de atentado à bomba em um trem no Canadá reforça ainda mais mix cinematográfico de tudo isso: faz lembrar o filme “Mera Coincidência” (Wag The Dog, 1997) onde uma guerra aos terroristas albaneses é inventada por um produtor de Hollywood para desviar a atenção da opinião pública do caso de um escândalo sexual na Casa Branca. E por onde os terroristas entram nos EUA? Pelo Canadá. Por que Canadá? Por que os americanos não gostam deles, afirma o hilário produtor interpretado por Dustin Hoffman.

Sincronicidades e coincidências        

    Assim como o Massacre do Colorado foi cercado de uma série de coincidências como o atentado ter sido “previsto” na HQ de 1986 “O Cavaleiro das Trevas” de Frank Miller onde um personagem fora de si invade um cinema armado e atira contra a plateia (veja links abaixo), o atentado de Boston igualmente se cerca de coincidências que podem ser analisadas pelo ponto de vista da sincronicidade. 

      A primeira delas, poucos dias antes o canal CNN Headline News apresentou uma matéria onde são mostradas cenas de treinamentos de soldados feitas por uma empresa chamada “Estrategic Operations” que presta serviços ao Exército americano. Utilizando efeitos especiais e cenográficos hollywoodianos, prometem treinamentos “hiperrealísticos” de situações de batalhas com atores com membros amputados para simulação de socorro a soldados feridos, simulações de cirurgias emergenciais, etc. – veja vídeo abaixo.

Tal coincidência é atualmente munição para os teóricos da “operação false flag” que denunciam uma verdadeira simulação no raio de destruição das bombas: com analise detalhista das fotos, defendem que o homem com as duas pernas amputadas na calçada era um ator. Isso sem falar na presença suspeita de dois homens com mochilas pretas e trajes de campanha com bonés da Craft International, empresa que fornece soldados mercenários e treinamento ao Exército norte-americano, cujo lema é “A violência soluciona problemas”.

Outro sincronismo: A animação “Family Guy” onde o episódio “Turban Cowboy” teria “previsto” o atentado em Boston onde o protagonista Peter ganha a maratona depois de matar o resto dos participantes (é mostrado muito sangue e corpos desmembrados) e, sem querer, detona duas bombas com um telefone celular (veja sequência abaixo). O enredo é tão semelhante aos trágicos acontecimentos de Boston que as cenas foram excluídas das retransmissões, assim como foram retirados vídeos do YouTube onde se comparam imagens do atentado com as cenas de “Family Guy”. Para alimentar os teóricos da conspiração, muitos links do site “Infowars” do jornalista Alex Jones e do blog “Gamba” com “evidências da operação “False Flag” foram estranhamente bloqueadas no Facebook. Eu mesmo postei links de ambos os sites que logo vieram com a seguinte mensagem “Forbidden You don’t have permission to access on this Server”. O que só alimenta a espiral conspiratória de interpretações.

Tomados por si mesmos esses sincronismos não comprovam “operações” ou “conspirações”, mas apresentam uma estranha contaminação da realidade pela ficção midiática. Assim como no atentado de 2001 ao World Trade Center materializou décadas de destruição de Nova York pelo cinema e o massacre do Colorado a projeção da personalidade do psicopata personagem do Coringa das HQs e da perturbadora interpretação do ator Heath Ledger no filme “The Dark Knight” (2008), as bombas de Boston parecem ser esse estranho sintoma de um contínuo atmosférico midiático que envolve nossa cultura.

“Family Guy” previu o atentado?

Esse sintoma se aproximaria daquilo que o pesquisador Loren Coleman chama de “efeito Copycat”: Personagens, palavras ou narrativas podem adquirir força ao transformarem-se em verdadeiros arquétipos que, quando repercutidos pelas mídias, adquirem poder de contágio rápido como memes.

Para Coleman, esses “memes” ou arquétipos que passam a povoar esse contínuo atmosférico midiático atrai todo um subconjunto de pessoas vulneráveis, homicidas e suicidas em um nível inconsciente. Ou, como alerta outro pesquisador em sincromisticismo Christopher Knowles, esses doentes psíquicos estão entre o mundo racional da causa e efeito e o mundo crepuscular dos sinais e dos símbolos. A diferença é que são atormentados por essa realidade sincromística que, então, pode infectar a população em geral (sobre isso veja links abaixo).

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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