Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A fobia nas redes sociais no curta “Remember Me”, por Wilson Ferreira

“Você lembra de mim, logo existo”. Isso é uma questão de sobrevivência para um novo tipo humano que domina as redes sociais, pessoas que sempre estão em busca da atenção das pessoas. Psicólogos chamam essa nova fobia de “Atazagorafobia” ou “fear of missing out” (FOMO) – o pânico de estar perdendo alguma oportunidade de interação ou de reconhecimento. Esse é o tema do curta canadense “Remember Me” (Mémorable Moi, 2013) do diretor Jean-François Asselin: “Você está pensando em mim?”, é a dúvida obsessiva do protagonista, sempre colado ao computador e dispositivos móveis tentando fingir ser qualquer coisa, enquanto sua vida conjugal vai para o ralo. Depois da Internet prometer a “inteligência coletiva” na cultura e a “estrada para o futuro” nos negócios, parece agora amplificar em tempo real o “demasiado humano” já presente nas mídias tradicionais: solidão, intolerância, narcisismo, superfluidade, necessidade de reconhecimento, hedonismo, niilismo, e assim por diante. – com a diferença de que agora os efeitos são exponenciais por meio de fobias e síndromes.

Era uma vez a Internet, um sistema global de computadores interligados que, ao mesmo tempo, prometia os frutos da “inteligência coletiva” para todos e lucros para os poucos que chegassem na frente da corrida do ouro de um novo soft-capitalismo – produtos e serviços gratuitos, criando marcas sólidas que, mais tarde, poderiam cobrar pelos seus serviços.

Muitos no final do século XX acreditavam que todas essas promessas seriam destruídas por um apocalíptico “bug do milênio” no ano 2000, mas o desfecho foi mais prosaico e as coisas acabaram por si só: no estouro da bolha especulativa na bolsa Nasdaq das empresas de tecnologia e no posterior gigantismo das redes sociais.

 

Depois do messianismo da “estrada para o futuro” ou da “árvore do conhecimento”,  eis que a Internet retoma a trajetória de todas as mídias anteriores: depois das promessas de que abririam janelas para o futuro, voltam-se para si mesmas – o grande negócio passou a ser o monitoramento e garimpagem de dados (marketing digital B2B, Big Data, Dark Data etc.). Saber por onde os usuários navegam, seus hábitos, escolhas, preferencias de consumo etc.

A Internet deixou de ser uma meio para o futuro e se tornou o futuro em si mesma: os ambientes digitais apenas amplificaram em tempo real o “demasiado humano” já presente nas mídias tradicionais: solidão, intolerância, narcisismo, superfluidade, necessidade de reconhecimento, hedonismo, niilismo, e assim por diante.

O curta Remember Me do canadense Jean-François Asselan (assista ao curta abaixo) é uma irônica e até agressiva representação de como as redes sociais se tornaram um espaço dominado por aqueles que buscam constantemente a atenção do público. No curta acompanhamos a confissão do protagonista (Mathieu) de que sofre a fobia do medo de ser esquecido e a necessidade de buscar qualquer meio para estar constantemente no pensamento dos outros. E nessa busca encontra nas redes sociais a grande oportunidade para dar vazão a sua busca desenfreada por reconhecimento.

O medo do desaparecimento

“Você está pensando em mim?”, passa a ser a dúvida que não sai da cabeça de Mathieu. Desde que sofreu uma rejeição amorosa no passado, é dominado pelo pânico de ser esquecido por amigos, ex-namoradas e pela própria sociedade. Essa pânico resulta na paranoia de que pode fisicamente desaparecer: quando é tomado pela ansiedade e tristeza, vê partes do seu corpo desaparecendo.

Tudo começou com postagens engraçadas, alarmistas e provocativas em todas as formas de mídias sociais. O que fez acumular centenas de amigos virtuais. Mathieu passa a fingir que é seu aniversário, que está doente, que é gay, cadeirante, suicida, militante de alguma causa, interrompe a transmissão de TV do jogo de tênis correndo nu, mostra para todos na Internet o vídeo da coloscopia.

Quando tudo isso deixa de funcionar, torna-se então grosseiro, desrespeitoso, vulgar para ser lembrado através da raiva.

Seu pior momento é à noite, quando tem que dormir: será que as pessoas estão pensando nele também nas madrugadas? Mathieu não consegue mais se separar do computador e do telefone celular. 

Nesse seu inferno fóbico pessoal, Mathieu descobre o YouTube e aprende que as pessoas estão apenas interessadas em freaks, jackasses, garotas, crianças cantando, rindo ou peidando e… vídeos de gatos – seu pobre gato chamado Moustache vai saber disso da pior maneira, vítima de uma aspirador de pó e um saco plástico…!

A multidão solitária

O curta Remember Me é uma ótima oportunidade para se discutir no que se tornou a Internet e para onde foram as promessas de 20 anos atrás. As novas tecnologias não conseguiram criar um novo mundo – apenas transpuseram para o mundo virtual as velhas mazelas que as mídias massificavam em ambientes analógicos. A diferença é que essas mazelas se transformaram em fobias e síndromes graças ao novo ambiente digital: globalizado, em tempo real, on line, 24 horas disponível, aumentando exponencialmente ansiedades e compulsões. 

Por trás da sensação ilusória que o usuário tem de participar de uma comunidade, de interagir ou de ter muito mais amigos do que a vida real poderia oferecer, cresce a sensação de solidão e alienação – no final você nada mais tem do que uma tela e a solidão do seu quarto ou de fazer parte de uma multidão de pessoas que inclinam a cabeça para seus smartphones em algum vagão de metrô.

Esse tema da solidão dentro da multidão é bem conhecido pela sociologia desde o século XX com o livro de David Riesman A Multidão Solitária. Escrito na década de 1950, vivia-se o crescimento da sociedade de consumo, a popularização da TV e o surgimento de uma nova cultura trazida pelos bairros de subúrbios e os primeiros shopping malls.

Riesman falava de uma personalidade emergente, o alter-dirigido – indivíduo sem mais valores éticos ou morais consolidados (intra-dirigido), mas agora voltado ao mundo exterior tentando seduzir ou agradar as pessoas, em busca de aprovação, reconhecimento. Em síntese, fugir da solidão e de um vida interior vazia.

Atazagorafobia

Se na TV e no culto à fama das celebridades isso era evidente, com a Internet essa cultura se transformou em fobia: o medo de ser esquecido. Esse transtorno passou até a receber um nome e diagnosticado por psiquiatras e psicólogos – “Atazagorafobia”, o medo irracional de ser esquecido ou ignorado. Para os especialistas, a Internet e redes sociais aguçaram ainda mais o lado exibicionista das pessoas, mas ao mesmo tempo aumentado os casos de rejeição e solidão.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. A referência ao messionismo

    A referência ao messionismo da “estrada para o futuro” não faz jus ao livro homônimo. Em sua obra Bill Gates refere-se às pessoas insistentemente como “consumidores” e não como “cidadãos”. As escolhas feitas pelo autor não deixam qualquer dúvida. O termo que emprega é obviamente mais restritivo que o forjado durante a Revolução Francesa. Apenas aqueles que dispõe de recursos se encaixam no perfil de consumidores, enquanto todos podem ser considerados cidadãos independentemente de serem ou não consumidores. Não deixa de ser uma ironia o fato de que o supercapitalismo preconizado pelo dono da Microsoft pulverize ideologicamente um dos conceitos fundamentais que libertaram as forças do mercado das amarras do feudalismo.

     O próprio Bill Gates adverte em seu livro que a “RV será, sem dúvida, mais envolvente que os vídeo games, e viciará mais.” E por falar em vício, ao rememorar seu contato com os computadores na infância, Gates desabafa “Eu estava viciado.” . Mais adiante admite que “Meu pai viciou quando usou um computador para preparar seu imposto de renda.” A frase do livro “estrada do futuro” que melhor sintetiza esta questão – “Se você lhes der uma chance, é quase certo que será fisgado.” – não poderia ser comparada à mensagem subliminar que um traficante envia quando tenta seduzir alguém com as maravilhas proporcionadas pelas drogas? 

    No “admirável mundo novo” antevisto por Bill Gates os bits compartilhados “on line” serão o “soma” de uma nova religião. A boa notícia é que o desconforto retratado por Aldous Uxley em seu romance homônimo inexistiria, pois todos saberiam que são realmente desiguais e não se importariam com isto. A má é que este é um mundo realmente possível, enquanto aquele continuará sendo apenas imaginário. Todavia, se não podemos ser otimistas como Pangloss, não devemos ser pessimistas como Martinho. Não julguemos os computadores por alguns bits, nem a realidade através da literatura. 

    Toda inovação tecnológica produz coisas boas e ruins. Quem inventou os navios não queria inventar os naufrágios, mesmo assim eles acontecem. Os inventores do avião não desejavam ver Boings caindo no mar e os mares estão ficando cada vez mais cheios de cadáveres voadores. O medo do desaparecimento pode ser associado a internet exatamente como o vício (que foi, aliás, referido por Bill Gates no livro “estrata para o futuro”), mas seria ridículo dizer que um e outro não existiam antes da internet e das redes sociais.

     

     

  2. é fácil rir do personagem – a

    é fácil rir do personagem – a conversa com a mãe

    prova que o problema dele é genético?

    mas a solidão diante da tela existe…

    e quando o cara não é reconhecidovira fera, maniqueísta,

    macartista, troll?

     

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