Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A humanidade está no fogo cruzado entre deuses e reis no filme “Êxodo”

O homem está colocado em uma espécie de fogo cruzado entre deuses e reis, demiurgos vingativos e ciumentos perante os quais somos apenas aquilo que representa a mosca para uma criança. Ao homem nada mais resta do que desafiá-los para, no final, resgatar dentro de si o bem mais precioso – aqueles a quem ama. Esse é o tema que perpassa a obra do diretor Ridley Scott e que, mais uma vez, está presente na versão do Êxodo bíblico feita por um cineasta assumidamente ateu. “Êxodo: Deuses e Reis” (2014) retrata um Moisés convertido em anti-herói amargurado: “É tudo vingança!”, critica em um dos ríspidos diálogos com Deus. Scott repete a mesma desesperança dos tripulantes da nave Prometheus que, ao descobrirem a raça dos criadores do homem em um planeta distante, na verdade encontraram “Engenheiros” enlouquecidos.

O diretor Ridley Scott tem um inegável talento para lidar com narrativas em diferentes épocas históricas: da Roma antiga (Gladiador, 2000) para a época das Cruzadas ( Cruzada, 2005; Robin Hood, 2010); da era do Renascimento (1492 – A conquista do paraíso, 1992) para o século XIX (Os Duelistas, 1977); e no futuro com Alien (1979), Blade Runner (1982) e Prometheus (2012).

Confirmando uma velha crença de que um artista conta uma única história em toda a sua vida, em Scott percebe-se que ele volta sempre ao tema do estranho que desafia a tudo e a todos ao seu redor para, no final, resgatar algo que é exclusivamente precioso para si mesmo.

Foi assim com Deckard em Blade Runner (o simbolismo do unicórnio que o protagonista resgata para saber se ele é humano ou mais um replicante) e também com a Dra. Elizabeth Shaw em Prometheus (desafiando a tudo para manter a fé em um sentido para a criação humana perpetrada pelos “Engenheiros”).

 

E não é diferente com o Moisés interpretado por Christian Bale no filme Êxodo – Deuses e Reis. E quando se fala que os protagonistas de Scott desafiam a tudo e a todos isso significa desafiar a própria figura de Deus.

Assistimos em Êxodo o protagonista Moisés colocado em uma linha de fogo entre Deus e o Faraó Ramsés. A certa altura, antes das pragas caírem sob o Egito e impaciente com as táticas de guerrilha utilizadas por Moisés para libertar o povo hebreu, Deus (que se expressa sempre através de uma criança mensageira, Malak) se enfurece: “Ramsés se diz um deus vivo e escraviza o meu povo. Eu quero que ele fique de joelhos”. A partir desse ponto, Deus perde a paciência com Moisés que, a contragosto, é colocado no meio de uma luta entre deuses: de um lado as pragas e as mortes, e do outro Ramsés vingando-se nos escravos hebreus com enforcamentos públicos.

Moisés desabafa em um dos “diálogos” com Deus: “é só vingança, vingança!”. E mais à frente no filme, Ramsés desafia: “Vamos ver quem mais eficiente para matar. Esse Deus, você [Moisés] ou eu!”.

Ao contrário do clássico Os Dez Mandamentos com Charlton Heston onde Deus se manifesta como uma voz grandiosa em ambientes mais calmos como jardins e montanhas mais fotogênicas, em Êxodo Deus é impaciente, vingativo, representado por uma criança sempre abanando a cabeça negativamente e com um olhar que não inspira a menor compaixão ou amor – bem, afinal estamos em uma história do Velho Testamento bíblico.

O Filme

Por isso, a versão de Ridley Scott para a história bíblica de Moisés está menos para a Bíblia e mais para a narrativa da Odisseia de Homero: o filme descreve a longa trajetória de Moisés que abandona sua família para libertar o povo hebreu escravizado no Egito, enfrentando as consequências da ira e vingança do confronto entre Deus e Ramsés, atravessar o Mar Vermelho com o seu povo liberto e reencontrar sua amada esposa e filhos. Não há como não lembrar da Odisseia de Ulisses enfrentando conspirações dos deuses e do destino para que, depois de anos de provações, conseguisse retornar para os braços de Penélope em Ítaca.

Na sua essência, Êxodo é a história sobre dois irmãos: o filho adotivo do Faraó chamado Moisés e Ramsés, seu filho verdadeiro. Ambos são líderes naturais dos exércitos, sendo depois Ramsés escolhido pelo pai debilitado a ser o governante do Egito.

Ramsés acaba descobrindo que Moisés é na verdade judeu. Embora na primeira meia hora do filme vejamos um Moisés administrador das obras construídas pelos escravos judeus e seja profundamente crítico à fé ao deus do povo hebreu, ele sente-se um estrangeiro dentro do Egito. A revelação de que, na verdade, era um filho sobrevivente de uma ordem do Faraó de matar todos os bebês judeus e adotado inadvertidamente pela corte, faz Moisés partir do Egito em busca da sua própria identidade.

Fora do Egito, Moisés cria sua raízes com esposa e filho, prometendo jamais abandoná-los. A partir desse ponto, observamos uma guinada na narrativa com a multiplicação de conflitos: Scott coloca irmão contra irmão, raça contra raça e, o que é mais importante, o próprio homem contra Deus.

Deus é real ou fruto de uma alucinação?

Ridley Scott é assumidamente ateu, ou “funcionalmente não-religioso”, como costuma dizer. Sabemos que os melhores filmes religiosos foram feitos por cineastas ateus como, por exemplo, Robert Bresson com o filme Diário de um Padre (1951), talvez o filme que conseguiu melhor expressar cinematicamente a persistência da fé diante de uma realidade de dor e rejeição.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

5 Comentários

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  1. Ser ateu não é condenável !!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    “Scott coloca irmão contra irmão, raça contra raça e, o que é mais importante, o próprio homem contra Deus.

    Deus é real ou fruto de uma alucinação?”

     

    Este “raça contra raça”, é que nãoc ai bem, pois na minha opinião, ser judeu é praticante do judaísmo!!!

    Será que os seguidores do judaísmo farão alguma restrinção ao filme com fizeram ao do Mel Gbson? judas Macabeu?

    Para um ateu, nada contra em se fazer a pergunta – ” Deus é real ou fruto de uma alucinação?”

    Há os que não acreditam em Deus, e dizem “Não acreddito em Deus, graças a Deus”, ou seria a negação deste Deus pregado atualmente pelas religiões?

     

     

    1. Ser ateu não é condenável

      Claro que não é… Como o texto frisa, os melhores filmes religiosos na história do cinema foram feitos por diretores/roteiristas ateus ou, no mínimo, céticos em relação ao fenômeno religioso.

      Para o texto, essa é a virtude de Êxodo: somente um ateu para ver como o Deus do Velho Testamento é rancoroso, vingativo e ciumento. Mais do que isso, o ateismo de Scott beira o gnosticismo ao inserir a humanidade (representada no personagem prometéico de Moisés) como prisioneira de uma luta entre deuses e reis enlouquecidos.

      1. Visão religiosa

        Assisti esse filme com uma evangélica e ela detestou. Já eu achei o filme muito melhor que esperava.

        Não pelo deus rancoroso ser fruto de uma batida na cabeça (o que não explica as pragas que assolaram o egito), nem pelo encaixe sem sentido do tsunami/tromba dágua que tirou e devolveu as águas do mar vermelho.

        Mas pela belíssima cena de Moisés e sua esposa (qual era a religião dela mesmo? Não fica explícito no filme). Apesar da religião, na terra, um é o mais importante para o outro.

        Infelizmente os evangélicos são muito radicais nesse ponto. E é a causa provável de não gostar da adaptação.

        PS a pergunta de Moisés ao garoto foi ótima “por que só agora, depois de 400 anos, você vem contestar a escravidão dos hebreus?”

  2. A sugestão é : leitura dos
    A sugestão é : leitura dos livros do escritor Zecharia Sitchin sem mistificar. Depois …tirem suas conclusões. O Sitchin é um mero tradutor de escritas cuneiformes e, não por acaso enquanto vivo, consultor da NASA

  3. Adotivo x Verdadeiro

    “Na sua essência, Êxodo é a história sobre dois irmãos: o filho adotivo do Faraó chamado Moisés e Ramsés, seu filho verdadeiro”

    Bem… Um filho adotivo também é verdadeiro. Não?

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