Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A ilusão das festas de Ano Novo no filme “Goodbye, 20th Century”, por Wilson Ferreira

Sombrio, artístico, apocalíptico e surreal. Essas palavras sintetizam “Goodbye, 20th Century” (Zbogum na dvaesetiot vek, 1998), definitivamente um filme para cinéfilos aventureiros. Dirigido por dois diretores macedônios, Darko Mitrevski e Aleksandar Popovski, começa num deserto pós-apocalíptico ao estilo Mad Max para terminar num velório que se degenera em sangue e violência ao som de “My Way”, na versão punk rock de Sid Vicious. Um filme cujo pôster promocional da época resumia o filme da seguinte maneira: “como o Papai Noel, em fúria, destruiu o nosso mundo”.  Uma reflexão para as festas de final de ano de que, na verdade, tanto o Tempo como a “passagem de ano” não existem. São uma persistente ilusão que escondem um eterno retorno. E como esquecemos do principal simbolismo das festas de Ano Novo: a dupla face do deus Janus – uma que olha esperançoso para o futuro; e a outra que procura entender os erros do passado. Assista ao filme aqui no “Cinegnose”.

O período das festas de final de ano sempre é um momento de renovação de sonhos e esperanças. De que o próximo ano sempre será melhor do que aquele que estamos deixando. Mas, parafraseando Theodor Adorno em sua célebre resposta a Walter Benjamin sobre a necessidade de haver esperança: “Sim! A esperança existe, mas não para pessoas como nós…”.

Como já está no nome desse blog (“Cinegnose”), esse é um site gnóstico. Então, desde já, agora parafraseando “A Divina Comédia” de Dante Alighieri, “Deixai toda esperança, vós que entrais”. Simplesmente porque a perspectiva do Tempo para o Gnosticismo é a de uma ilusão: a distinção entre passado, presente e futuro é falsa, embora seja “uma ilusão persistente”, como ironizava Einstein.

Desde Parmênides na Grécia Antiga, a filosofia grega acreditava que o universo é o conjunto de todos os eventos de uma só vez – toda história do Universo simplesmente é. Uma visão que na Literatura e no Cinema é partilhada com o filme gnóstico Matadouro Cinco (1972, baseado no romance homônimo de Kurt Vonnegut – clique aqui). Para os alienígenas “Tralfamadorianos” visitar o passado e o futuro seria nada mais do que atravessar a rua.

E no filme Goodbye, 20th Century (Zbogum na dvaesetiot vek, 1998), uma viagem da câmera através do ralo de um banheiro para chegarmos em um shopping center durante as comemorações do ano novo do final de milênio. 

 

 

Essa produção da Macedônia, dirigida por Darko Mitrevski e Aleksandar Popovski, partilha dessa percepção gnóstica da ausência do Tempo. Mas de uma forma mais cínica e sombria – como é repetido em algumas linhas de diálogo: “o futuro é incerto, mas sempre será tão ferrado quanto o passado!”.

A dupla face de Janus

O filme partilha principalmente do significado mais profundo (e, por isso, esquecido por todos) das comemorações de final do ano e do nome do primeiro mês que abre o ano novo – “Janeiro” é o nome derivado do deus duas faces com o nome latino de “Janus”: uma face olhando para o passado e a outra para o futuro. Olha o futuro com esperanças, mas também relembra os erros e oportunidades perdidas no passado. Porém, incentivados pelo espírito descartável da sociedade de consumo, fazemos exatamente o contrário – nos livramos do “ano velho”.

O filme Goodbye, 20th Century viveu toda a histeria de final de milênio, e foi um dos poucos filmes que nadou contra um movimento pendular que dominava o zeitgeist de final de século: ou o século XXI seria a realização de toda a utopia da tecnologia e Globalização; ou o “bug do milênio” e as profecias de Nostradamus nos jogariam de volta para a Idade Média depois da catástrofe.

É um filme para cinéfilos aventureiros: é sombrio, artístico, apocalíptico e surreal. Muitas vezes não sabemos, afinal, do quê trata a narrativa – de cara, parecem três narrativas mal amarradas que confundem o espectador. Mas a ideia de que “o futuro será tão ferrado quanto o passado” perpassa as estórias, como se o Tempo não existisse e, por trás da ilusão, apenas se revelasse um eterno retorno.

 

 

O Filme

Goodbye, 20th Century tem um pouco das reflexões metafísicas de Jodorowsky (El Topo A Montanha Sagrada) e A Cidade das Crianças Perdidas de Jean-Pierre Jaunet. O filme abre em um deserto pós-apocalíptico ao estilo Mad Max. Estamos no ano 2019 e acompanhamos um grupo trajando roupas cyberpunk e se lamentando por não haver mais árvores. Conduzem um homem chamado Kuzman (Nokola Ristanovski) para ser executado no meio do deserto, através de um ritual que vagamente lembra um ritual católico.

Ele é considerado o culpado pela maldição que se abateu sobre aquela comunidade: a morte em série de diversas crianças. Ele teria cometido uma blasfêmia: profanou um afresco religioso de uma santa. Há uma cova aberta pronta para enterrá-lo, mas os tiros não o matam: cheio de buracos, continua vivo – a terra parece não o querer. 

Mais tarde Kusman conhece um “profeta barbeiro” (se é que assim podemos defini-lo) que diz que ele deve ir para a “Cidade de Vidro”, matar o “homem de cabelo verde” (Toni Mihajlovski, numa versão ciberpunk do Coringa) que guarda o muro onde está escrito tanto o passado quanto o futuro. Para depois tudo terminar numa relação incestuosa com a própria irmã.

Corta! Vamos então para um filme antigo do primeiro casamento supostamente capturado por uma câmera, no início de 1900. Um casal profundamente apaixonado se casa numa cerimônia rápida. Até que os convidados descobrem que na verdade são irmãos. Revoltados com a relação incestuosa, dão tiros e matam ali mesmo o casal. Novamente, o tema do incesto.

 

 

E, através de um plano sequência no ralo de um banheiro, chegamos à última noite do século XX. Agora acompanhamos um estranho homem vestido de Papai Noel (Lazar Ristovski) que entra em um prédio e depois numa sala em fundo infinito. Um grupo de personagens fellinianos está velando o corpo de alguém chamado Peter (um militar condecorado). Todos discutem diversas teorias sobre o que será o século XXI. Até que, seriamente, o Papai Noel afirma que o Tempo como conhecemos irá parar antes da meia-noite, e jamais o milênio terminará. Tudo com um toque entre David Lynch e Stanley Kubrick.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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