A morte e frei Josaphat, o criador do Brasil Urgente, por Luis Nassif

Nos anos seguinte, Josaphat continuou sendo um farol, com seu jornal Brasil Urgente, que tinha como secretária a Cida Nassif, querida prima do meu pai. Foi uma espécie de pré-Pasquim sem humor.

Morto dias atrás, vocês não sabem o que era o prestígio do dominicano,  frei Josaphat, no início do regime militar. Antes do golpe, ele já circulava pelo país, em palestras concorridíssimas.

Ao lado de frei João Batista, era o dominicano de maior expressão no país. Frei João Batista tinha ganhado fama ao conseguir recuperar uma empresa de móveis falida em um modelo, usando a auto-gestão, com participação dos funcionários. Todo ano ia a Poços de Caldas escoltando os seminaristas, entre eles o trágico Frei Tito, que nos acompanhavam nas serenatas com suas vozes bem ensaiadas.

Frei Josaphat era diretor do “Brasil Urgente”, um semanário com o slogan “Um jornal do povo a serviço da justiça social”.

Meu primeiro contato com ele foi aos 13 anos. Josaphat foi a Poços de Caldas palestrar na Urca – o antigo cassino que acabou assumido pela Prefeitura de Poços. Meu pai me levou e, a bem da verdade,  nas Semanas do Estudante meu apelido era Lacerdinha, por influência de meu avô udenista. Preparei uma pergunta, no final da palestra pedi a palavra e lasquei a provocação com toda a petulância de um pivete de 13 anos:

  Que governo é esse que impede a sindicalização dos bagrinhos no porto de Santos?

Bagrinhos eram os avulsos que substituam os sindicalizados nos movimentos de cargas do porto. Estimulava-se a sua sindicalização para combater o grande poder do sindicato dos estivadores.

A resposta do frei Josaphat foi meio arrogante, na opinião de outros lacerdinhas presentes. Foi mais ou menos assim:

– Meu anjo, tem muita coisa que você precisa conhecer antes de fazer essa pergunta.

E me ignorou olimpicamente.

Nos meses seguintes veio o golpe, as notícias de estudantes espancados em São Paulo que me fizeram mudar de posição para desgosto dos Maristas, que me tratavam, até então, como uma vocação promissora. Tudo por conta de meu trabalho voluntário, dando aulas de catecismo para o pessoal do Bairro Bortolã.

.Em represália, o reitor, irmão Lino Teódulo, aprontou comigo, em um episódio feio.

A banda do Marista foi se apresentar em Ribeirão Preto. Eu era pifarista. Não fui para poder entregar um trabalho de Geometria. Na segunda-feira fui à aula e lá soube que quem viajou estava dispensado. Supus corretamente que não seria dado nada de relevante e resolvi voltar para terminar meu trabalho. Antes, pedi emprestado o pífaro de um colega.

À tarde peguei minha bicicleta Caloi e fui levar o trabalho ao colégio. Chegando lá, me informaram que meu pai havia telefonado me procurando. Liguei para ele que me mandou voltar para casa correndo, porque o Irmão Lino e o irmão Baixinho (o vice-chefe da Banda) estavam lá.

Voltei voando. Chegando lá meu pai me diz, com ar indignado, que Lino havia me acusado de ter roubado um pífaro. Reagi indignado e a postura do meu pai, mesmo estando eu em plena crise de adolescência, cheia de conflitos com ele, foi exemplar:

– Acredito no meu filho!

E mais não disse, e mais não quis ouvir. Nem digo qual era o apelido do irmão Lino, para não parecer muito grosseiro: era o nome da mulher do boi.

O que o frei Josaphat teve a ver com isso, eu soube dias depois. O irmão Zé Bento, o Baiano, duro professor de Matemática, me puniu na aula de religião, na qual tínhamos que ler o intragável Catecisimo Cauly (acho que esse era o nome). Me mandou abraçar a coluna do pátio, com uma sentença definitiva:

– Soube que o senhor, ontem, comprou um livro do Frei Josaphat no evento do Pálace Cassino (o antigo cassino que se tornara local de eventos). Josaphat você lê, o catecismo Cauly, não.

Mas o irmão Baiano era tão justo que nem fiquei magoado. Abracei a coluna com um braço e com a mão livre fiquei com um livro aberto no poema As Pombas, da Raimundo Correia, que eu teria que recitar na aula seguinte, de Português.

.Aliás, o Baiano tinha tanto senso de justiça que fui para as provas de final de ano precisando de 9. Ninguém acreditava que eu conseguiria. No ano anterior, Baiano deu bomba para o Marcos Carvalho Dias, filho do Xixo, influente criador da Laticínios Poços de Caldas. E não houve apelo que o demovesse.

Mesmo tendo desapontado o irmão Paulo Portugal, o caçador de vocações dos Maristas, consegui a nota. O irmão Zé Bento esteve à altura de sua fama de justo. Aliás, o apelido do simpaticíssimo Paulo Portugal era Zatopek (um corredor de maratona famoso na época) foi seu estilo de andar rapidinho, com passos curtos.

Nos anos seguinte, Josaphat continuou sendo um farol, com seu jornal Brasil Urgente, que tinha como secretária a Cida Nassif, querida prima do meu pai. Foi uma espécie de pré-Pasquim sem humor. Nem sei como chegava lá em casa. Acho que quem recebia eram minhas primas Rosa Maria e Cristina.

Mas devorava avidamente os artigos, que tinham como meta rebater os slogans da Ação Democrática, a revista bancada pela turma do IPES, os financiadores de direita.

Luis Nassif

2 Comentários

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  1. Louvem-se a importância do frei Josaphat e as suas obras, bem como a sua tomada de consciência social em meio não inóspito.
    Lamentem-se a perda do Frei e a volta dos tempos bicudos, numa prova de que não aprendemos com exemplos do que não se deve fazer.
    Como povo infantil que somos, queremos queimar as mãos para saber que o fogo machuca.
    Agora, não há como não se associar a sua imagem abraçado à coluna lendo um poema de Raimundo Correa – “As pombas”, com o “nosso querido Róberval Tâyylooorr!!! recitando ” As Pombas”

    https://youtu.be/Xl_J5L2ihMc?list=PLC8XpB7bmCHjbrvctb7yQbNSlmos0-Pjx
    https://youtu.be/6RiDbHKTtcI

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