Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A nostálgica bomba semiótica do retrofascismo

Depois das manifestações de rua onde foram produzidas bombas semióticas pontuais (fusca incendiando, coreografia desafiadora dos black blocs etc.) acompanhamos a mídia repercutir imagens de racismo, linchamentos, intolerância e crimes cometidos por menores principalmente por meio de vídeos amadores produzidos por telefones celulares. Todas as imagens seguidas de comentários alarmistas em telejornais que incitam soluções ainda mais radicais. Sob a aparência neutra de informação, as imagens a longo prazo suscitam uma estranha nostalgia que se espalha na grande mídia e redes sociais. “Marcha da Família”, depreciação da política e intervenção militar ou o revival de alucinadas conspirações comunistas cubanas e Guerra Fria são sintomas de um complexo psíquico mais profundo e preocupante: o protofascismo colocado em movimento por meio do mecanismo semiótico do “retrofascismo” – nostalgia pós-moderna + protofascismo.

·           O jogador Arouca, disputando uma partida em Mogi Mirim/SP pelo time do Santos, assim como o árbitro Márcio Chagas em jogo pelo campeonato gaúcho foram alvos de insultos racistas por parte de torcedores;

·         Após o episódio de defesa do ato de linchamento contra um garoto negro que havia cometido furtos em um bairro no Rio de Janeiro, a apresentadora de um telejornal do canal SBT Rachel Scherazade sai nas redes sociais apoiando a convocação da “Marcha da Família com Deus Pela Liberdade” para o dia 22 que defende, entre outras coisas, a destituição da presidenta Dilma e do vice Michel Temer, dissolução do Congresso Nacional e intervenção militar, ressuscitando antigos fantasmas como conspirações cubanas e comunistas;

·         O apresentador do programa Brasil Urgente da Band, José Luiz Datena, vem quase que diariamente, todo final de tarde, justificando os casos de linchamentos noticiados alegando que o brasileiro está “de saco cheio” e de que a Justiça “só defende os direitos humanos dos criminosos”;

·         Nas últimas semanas os telejornais vêm dando especial destaque a vídeos produzidos por celulares de anônimos mostrando tentativas ou casos de linchamento e espancamentos;

·         Nos últimos meses esses mesmos telejornais também vêm destacando casos de crimes cometidos por menores ou casos de quadrilhas onde o texto jornalístico sempre destaca o número de menores. Quase sempre são destacadas opiniões de “especialistas” que defendem a diminuição da idade penal;

·         A grande mídia dá destaque à suposta intervenção da Rússia na crise política da Ucrânia como uma espécie de revival da Guerra Fria entre aquele país e os EUA. Destaques para a expressão “não mexam com o grande urso!”.

“Marcha da Família” em 1964 – ícone
conservador do Golpe Militar

Como interpretar esses eventos tão sincronizados e recorrentes? Após as grandes manifestações de rua que serviram de matéria-prima para a construção de uma variedade de bombas semióticas que conseguiram dar uma turbinada à atmosfera de caos e descontrole nas ruas das grandes cidades, agora temos uma mudança de tática com uma ação semiótica não mais pontual (o fusca queimado, os ônibus incendiados, a coreografia desafiadora dos black blocs etc.), mas agora cotidiana e de efeito acumulativo de longo prazo: a bomba semiótica retrofascista.

Observando os episódios relacionados acima podemos perceber que os discursos midiáticos estão articulados em dois planos nítidos: o plano retro (uma espécie de ressurreição de antigos ícones e símbolos como a Guerra Fria, a ameaça do comunismo cubano, imagens iconicamente históricas como a “Marcha Pela Família” e dos esquadrões da morte pré-golpe militar brasileiro de 1964) e o plano protofascista (a atmosfera psicológica de linchamento – real e midiático – intolerância, revanche, vingança e violência).

Pensando por um ponto de vista semiótico, esse plano retro utiliza a nostalgia, onda de revival ou simplesmente clichês icônicos e históricos como suporte significante (ou se quiser, uma expressão material) para uma atmosfera difusa e contínua de percepções e sentimentos. Na verdade, esse plano retro parece muito mais com racionalizações no sentido freudiano: álibis ou pretextos para que percepções e sentimentos protofascistas latentes na sociedade possam se expressar e, o que é pior, serem direcionadas politicamente.

 Para que possamos desmontar mais essa bomba semiótica, temos que procurar entender o funcionamento de cada um desses planos: por que a nostalgia retro? Qual a explicação do desenvolvimento desse imaginário protofascista, imageticamente repercutido pela grande mídia e constatado na prática diária das redes sociais?

A nostalgia pós-moderna

Os jovens são nostálgicos. Mas é uma nostalgia paradoxal: saudades de épocas que não foram vividas, diferente da nostalgia tradicional.

Nostalgia pastiche pós-moderna

Jovens montam as ambiências de suas novas residências com objetos e decorações que remetem aos anos 60 e 70; os anos 80 retornam com “baladas” especializadas nessa década (“trash anos 80”, Projeto Autobahn etc.), feiras de rua onde são comercializados objetos dessa época (livros, jogos, brinquedos) para grupos de jovens estranhamente nostálgicos por uma época que não vivenciaram. Bares temáticos recriam para jovens ambiência e atmosferas de épocas e lugares distantes no tempo e no espaço (“botecos chics” que revivem os botecos populares dos anos 50 e 60, bares frequentados por tribos de jovens rockers em suas jaquetas pretas de couro, topetes à Elvis em uma ambiência estudadamente cenográfica com junkerboxes, pisos quadriculados, e posters com sucessos cinematográficos da época).

O jovem atual é conservador não apenas esteticamente: essa relação nostálgica com a História tende a idealizar o passado como épocas que foram melhores. Essa percepção se fundamenta nas próprias referências midiáticas ao passado, para começar cinematográficas e, depois, televisivas pelas retrospectivas superficiais.

Golpe militar de 1964, Guerra Fria e comunistas se fundem num amálgama de política, Woodstock, Beatles com imagens de estetizadas de Chê Guevara em baús de motoqueiros na atualidade e uma percepção de que no passado os jovens eram mais “atuantes” e que hoje são “alienados” pelo carnaval e futebol.

Protofascismo

 Em seus famosos estudos sobre a personalidade autoritária nos anos 1940, Theodor Adorno elaborou a chamada “Escala F” resultando na fórmula clássica sobre o caráter fascista: “quem é duro consigo mesmo, também é com os demais”. Essa dureza individual viria como estratégia psíquica de sobrevivência em tempos difíceis (hiperinflação, pobreza, falta de perspectiva, humilhação etc.) resultando em ressentimento, vingança e ódio descontado no socialmente mais fraco ou no bode expiatório oferecido no momento.

Retrofascismo: nostalgia pós-moderna
+ potofascismo

Na sua forma clássica, após a Primeira Guerra Mundial, o fascismo surgiu como uma reação à condição da depressão econômica generalizada na Europa combinada com o senso de humilhação nacional. Nada mais foi do que a tradução política desse mecanismo psíquico difuso e regressivo de autoconservação.

Esse psiquismo protofascista (de “proto” – aquilo que é primitivo, incipiente) retorna na atualidade através de um novo endurecimento das condições da vida cotidiana, dessa vez pelas novas formas de organização tecnológica do trabalho decorrentes da alteração das estratégias de acumulação do capital:

(a) crise da ideologia meritocrática das classes médias: a precarização de um trabalho mal pago e insegurança profissional leva àquilo que o professor de Sociologia do Trabalho da Unicamp Ricardo Antunes chama de “vida urbana destroçada”. Frustrada, toda uma nova geração descobre que estudar para crescer na vida se tornou um mito após passar anos em escolas privadas caras e de péssima qualidade – sobre isso clique aqui. Essas condições criam sentimentos de traição, humilhação e ressentimento prontos para se converter em ódio contra os “preguiçosos”, “encostados”, sejam eles pobres, imigrantes ou todos aqueles que recebem benefícios sociais do Estado.

(b) A precarização do trabalho e a “vida urbana destroçada” (insegurança e paranoia do cotidiano da vida urbana) conduzem a uma estratégia desesperada de racionalização da vida pelo apego a gadgets tecnológicos como aplicativos, dispositivos móveis, redes sociais (que em outra oportunidade chamamos de “bomba tecnológica” – clique aqui para ler sobre esse conceito) pela sedução de liberdade e organização prometida pela virtualidade do ciberespaço. A “inteligência coletiva” que tais ambientes digitais proporcionariam e que supostamente resultaria em liberdade e interatividade reverte-se no contrário: tais ambientes tornam-se muito mais solipsistas e narcísicos ao criar um meio circundante plasticamente moldável aos desejos do usuário reforçando uma autoimagem grandiosa.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

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  1. Esqueceu de citar o

    Esqueceu de citar o comentário entediado de Zé Ramalho sobre a chata realidade socialista comunista, Então, alguém revidou:” Ê,ê,ê, vida de gado. Povo marcado…” Pois é, a letra e música eram dele, não? Ah, mas naquele tempo, era in ser socialista. Hoje, o legal é nem ser isso, nem ser aquilo. Ultrapassaram a dúvida existencial de Caetano. Ou não?! Não é tábula rasa, mas horizontalidade…Quem sabe cova rasa  de ninguém.

  2. Por que ninguém cita a

    Por que ninguém cita a revitalização da CIa. e o esforço americano de recuperar o espaço geopolitico perdido com a negligência das administrações anteriores quanto a política externa depois da queda do muro de Berlim.

    as explicações acadêmicas parecem esquecer o contesto político econômico do mundo presente.

    basta responder uma pergunta simples. Quem ganha e quem perde no contexto futuro a partir de todos esses movimentos que surgem, espantosamente, por toda a parte desde a primavera árabe?

    respondido isso, poderemos inferir com clareza os interesses por de trás dessa onda “social”.

  3. O parece ter sido criado

    O texto parece ter sido criado usando o gerador de lero lero.

    http://www.lerolero.com/

    “Desta Maneira, o Julgamento imparcial das eventualidades cumpre hum Papel essencial na Formulação fazer Impacto na Agilidade decisória.  E de suma importância questionar o Quanto a necessidade de Renovação processual maximização como possibilidades POR Conta não Levantamento das Variáveis ​​envolvidas.”………………….

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