A nova cabeça do português

As revoluções dos homens de meia-idade

Atingiram o auge das capacidades. Estão mais concentrados na vida familiar e profissional. Saem menos à noite e fazem poucas noitadas. Têm cuidado com o que comem, preocupam-se com a saúde, não querem engordar. A sexualidade é para ir praticando, não para consumir e deitar fora. Pensam muito no futuro dos filhos e no estado do país. Instalaram-se na vida mesmo que sejam inconformados. Vivem bem com a emancipação das mulheres, mas isso, para eles, ainda é um tema. Já sabem que a vida é finita, foram rasteirados algumas vezes, ganharam serenidade e têm medo da velhice. O mundo está em crise, mas eles não cedem.

Nascidos no fim dos anos 50, inícios dos 60, os portugueses que têm hoje entre 47 e 53 anos são a geração da transição – para a democracia, para a revolução dos costumes, para a Europa, para a globalização. Numa época em que, segundo dizem, a juventude e a beleza são valores sociais e mediáticos absolutos, não se sentem a mais. Ou sequer ultrapassados. O siso é uma arma.

A infância deles foi uma revolução, porque em revolução esteve o mundo nessa época. Os Beatles começaram a tocar em 1960 e publicaram o primeiro disco, Please Please Me, em 1963. Os Rolling Stones apareceram em 1962 e Amália Rodrigues editou a sua obra-prima, Busto. Fidel Castro tinha tomado o poder em Janeiro de 1959. Kennedy foi eleito em 1961 e assassinado dois anos depois.

Eusébio assinou pelo Benfica em 1960. Marilyn Monroe morreu em 1962. Portugal tinha presos políticos e censura. O direito de voto das mulheres era condicionado. Álvaro Cunhal fugiu do Forte de Peniche em 1960 e António Calvário gravou o primeiro êxito, Regresso. A União Indiana ocupou Goa, Damão e Diu em 1961 e a guerra em África começou.

A década de 60 marca, segundo a História de Portugal (1994) de José Hermano Saraiva, o “progressivo desenvolvimento da oposição ao regime”. “A convergência de apoios que se verificava na década de 40 – o Exército, a finança, a Igreja, a maioria da opinião – está definitivamente desfeita na década de 60”. O 25 de Abril, data central para os homens que agora chegam à meia-idade, estava a década e meia de distância.

Jorge de Sena publicou o primeiro romance em 1960, Andanças do Demónio. Nobilíssima Visão, de Mário Cesariny, saiu em 1959. Ben-Hur, de William Wyler, estreou-se em 1959. La Dolce Vita, de Federico Felllini, em 1960. Alain Delon era um símbolo sexual. Brigitte Bardot também. Os Verdes Anos, de Paulo Rocha, saiu em 1963 e Edith Piaf morreu. O Muro de Berlim começou a ser construído em 1961.

A meio da década apareceram os movimentos estudantis de contestação nos EUA. Anunciava-se o Maio de 68. Francisco Anacleto Louçã nascera em 1956. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, em 1957. Pedro Manuel Mamede Passos Coelho nascerá em 1964. Paulo Sacadura Cabral Portas, em 1962. Jerónimo de Sousa é de outra geração: 1947.

Em 1960, Portugal tinha 8,8 milhões habitantes. Em 2001, havia cerca de 10 milhões de pessoas. Em 1960, mais de 17 por cento das famílias eram compostas por cinco ou mais pessoas. Em 2001, isso acontecia em 9,5 por cento das famílias – dados de A População Portuguesa no Século XX (2003), de Maria João Valente Rosa e Cláudia Vieira.

Chegados ao século XXI, “alguns dos traços essenciais do Portugal de 1960, incluindo factores históricos de longa duração, desapareceram: não só elementos tradicionais, mas também aspectos estruturais da população e da sociedade, assim como características dos comportamentos e mentalidades”, resume o sociólogo António Barreto no artigo científico Mudança Social em Portugal: 1960-2000, publicado em Outubro de 2002 no site do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Em 1960, morreram em Portugal 8.796 pessoas com tumores. Em 2008, foram 23.944. Em 1960, 108 pessoas em cada mil frequentavam bibliotecas. Em 2006, mais de 827. Em 1960, foram condenadas a pena de prisão 22.398 pessoas; em 2006, 69.817 – regista a Pordata, base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Quase 40 por cento das pessoas em 1960 eram analfabetas; agora, são cerca de 8 por cento. 

Luis Nassif

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