Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A Religião das Máquinas no Filme “13° Andar”

O sucesso de crítica e de público de “Matrix” (1999) acabou, à época, eclipsando o filme “13° Andar” (The Thirteenth Floor, 1999) , considerado muito superior. Embora guardassem aspirações bastante similares (discutir a condição humana diante das tecnologias de simulação e virtualização), “13° Andar” substituiu a profusão de referências e diálogos filosóficos de “Matrix” (uma estratégia desesperada para justificar lutas marciais, ação e bullet-times) por uma narrativa que por si mesma instigava essas questões filosóficas.

Porém, ambos os filmes se tornaram documentos do imaginário tecnocientífico dominante no final de século XX onde associava a tecnologia computacional com uma motivação mística por transcendência espiritual, uma verdadeira “religião das máquinas”.


Se o historiador francês Marc Ferro estiver correto, todo filme é uma representação da sensibilidade ou do imaginário de determinada época, tornando, especialmente o cinema de ficção, um excelente caminho para a história psicossocial, nunca atingida pela análise de outros tipos de documentos (Veja FERRO, Marc. Cinema e História, São Paulo: Paz e Terra, 1992.


No final da década de 1990, dois filmes marcaram o ápice de um ciber-imaginário marcado pelo crescimento especulativo da Internet, tecnologias computacionais e realidade virtual: “Matrix” e o “13° Andar”, ambos lançados em 1999.


A partir do lançamento bombástico do Windows 95 toda a imprensa especializada e produções acadêmicas foram tomadas por duas tendências distintas: primeiro, pelo espírito messiânico que via nas tecnologias virtuais o potencial para revolucionar a economia real e, ao mesmo tempo, o crescimento das técnicas motivacionais ou de auto-ajuda explicitamente baseados em modelos computacionais (o cérebro e o próprio Self como um software reprogramável). E, segundo, o espírito distópico que via na virtualização do real uma armadilha na qual a humanidade cairia ao esquecer as demandas da realidade.


Porém, essas duas visões distintas guardavam algo em comum: o ciber-misticismo. Os filmes “Matrix” e o “13° Andar” representaram essa síntese de final de século ao unir através do cibermisticismo esses dois enfoques opostos dos mundos tecno-empresarial e acadêmico. Ambos os filmes aproximam tecnociência e misticismo ao apresentarem a tecnologia computacional como mediação possível para a transcendência espiritual.

A metáfora das unidades autônomas e autodidatas que passam a ganhar consciência nos mundos simulados e a possibilidade dessa consciência transcender de um mundo simulado inferior para um superior são, explicitamente, tecnognósticas. Em ambos os filmes vemos criadores de simulações que se tornam Demiurgos inebriados pelo poder que, novamente, procuram extrair de seus prisioneiros a inocência ou energia de novos “Adãos”. 


Com a quebradeira das empresas “ponto com” e da Bolsa Nasdaq em 2000 temos um refluxo desse imaginário nas produções hollywoodiana. É o fim do “modelo Matrix” de tecnognosticismo. Da virtualização do real do final de século, hoje acompanhamos a virtualização das relações humanas através das tecnologias das redes sociais como Orkut e Facebook. Filmes como “Matrix” e “Show de Truman” são substituídos por produções como “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” ou “A Origem” onde explicitamente é apresentada a possibilidade de uma cartografia da mente por meio de uma espécie de escaneamento das sinapses neuronais: do fluxograma das relações humanas nas redes sociais às cartografias neuronais, o princípio é o mesmo: mapeamento, controle e engenharia social.


O “13° Andar”


O estardalhaço à época em torno do filme “Matrix” fez a crítica e o público passar batida pelo filme “13° Andar”. Enquanto Matrix é dominado por efeitos especiais mirabolantes, “bullet-time” e cenas de ação recheados de citações filosóficas e místicas como se desesperadamente quisesse justificar a narrativa, ao contrário em “13° Andar” a própria narrativa se encarrega de fazer o espectador refletir sobre o destino e a condição humana.


Fuller (Armin Mueller-Stahl) e Hall (Craig Bierko) trabalham para a Intergraph Computer Systems, uma empresa de vanguarda em inteligência artificial que desenvolve um sistema computacional que simula de forma realista uma Los Angeles de 50 anos atrás. É uma realidade virtual onde os usuários acessam os seus avatares (unidades autônomas e autodidatas) podendo interagir com seus habitantes e imergir totalmente nas suas consciências que só existem em microchips. Hall decide investigar a misteriosa morte do seu mentor, mas todos os indícios começam a apontar para ele como o assassino  que supostamente queria assumir a posição de liderança no Intergraph. Sua única esperança é encontrar a mensagem que Fuller deixou no sistema com um dos avatares na Los Angeles de 1937 para onde transfere sua consciência, mas acabará encontrando uma terrível verdade que colocará em xeque a própria realidade.


O filme é uma adaptação do livro clássico sci fi “Simulacron 3” (1964) de Daniel F. Galouye. Partindo do princípio apontado acima pelo historiado Marc Ferro é visível como o 13° Andar estava sintonizado com o ciber-misticismo da época pela forma como adapta o livro ao cinema. Em “Simulacron 3” uma empresa cria por meio de computadores uma cidade totalmente simulada com unidades sencientes e autônomas. O objetivo é o de diminuir a necessidade  e os custos com pesquisas de mercado e de opinião. Porém, o projeto esconde um projeto de manipulação do financiador da experiência de simulação: tornar-se presidente com essa técnica infalível de pesquisa.


De forma diferente, “13° Andar” ignora o tema político do livro original e direciona a narrativa para o tecnomisticismo: a realidade como sucessivos níveis de simulação que se interpenetram (Los Angeles em diferentes épocas – 1937, 1998 e 2024) o que faz o protagonista conceber a inviabilidade da sua existência quanto mais se aproxima dessa verdade. Essa adaptação reflete a sensibilidade vigente à época: a importância (ou o temor) simbólica das novas tecnologias virtuais como potencialmente criadores de mundos (ou pesadelos) virtuais. 

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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