O Nascimento da República Brasileira na Ilha dos Ratos, por Jota A. Botelho

por Jota A. Botelho

O BAILE DA ILHA FISCAL: Nunca se vira festa tão espetacular como o baile do Império no Palácio da Ilha Fiscal, também conhecida no passado como ‘Ilha dos Ratos’, em 9 de novembro de 1889, apenas seis dias antes da Proclamação da República. O baile marcou o fim do Império e de uma época. Até hoje a expressão ‘Baile da Ilha Fiscal’ sugere decadência. 

https://www.youtube.com/watch?v=iR6WRoJ7cbc align:center

O VISCONDE DE OURO PRETO E O FIM DA MONARQUIA BRASILEIRA


O Visconde de Ouro Preto, o convite para o baile, assinado pelo Visconde de Ouro Preto, o bilhete de ingresso e o cardápio escrito em francês com 12 páginas. 

O VISCONDE DE OURO PRETO – A festa foi uma homenagem oferecida pelo Visconde de Ouro Preto, presidente do Conselho de Ministros, aos oficiais do cruzador encouraçado chileno ‘Almirante Cochrane’ em retribuição à recepção que os brasileiros receberam quando estiveram em Valparaíso, no Chile. O número de presentes no evento depende da fonte, algo entre 2 mil e 5 mil pessoas desembarcaram na ilha, a apenas um quilômetro do centro histórico do Rio de Janeiro. A decoração incluiu balões venezianos, lanternas chinesas, vasos franceses e flores brasileiras, além de numerosas bandeiras do Brasil e do Chile.

Com a presença da Família Imperial, os convidados dançaram até o romper da aurora, deliciando-se com um banquete preparado por 48 cozinheiros e servido por 60 trinchadores e 150 garçons. Naquele sábado, 9 de novembro, sem se dar conta, a Monarquia estava se despedindo do poder.


A homenagem ao cruzador encouraçado chileno ‘Almirante Cochrane’ e o tenente-coronel Benjamin Constant.

Enquanto a elite se divertia, republicanos liderados pelo tenente-coronel Benjamin Constant reuniam-se no Clube Militar para discutir uma saída para a crise terminal do Império. “Mais do que nunca, preciso sejam-me dados plenos poderes para tirar a classe militar de um estado de coisas incompatível com sua honra e sua dignidade”, discursou Constant na ocasião, tendo como alvo justamente o Visconde de Ouro Preto.

Longe dali, ao lado da Família Imperial, o Visconde desmanchava-se em sorrisos ao comandar seu suntuoso festim. A Família Imperial chegou ao cais pouco antes das 10 horas. D. Pedro II, fardado de Almirante, a Imperatriz Teresa Cristina e o Príncipe D. Pedro Augusto embarcaram primeiro. Quinze minutos depois foi a vez da Princesa Isabel e do Conde d’Eu. Uma vez no palácio, foram conduzidos a um salão em separado, onde já se achavam reunidos membros do corpo diplomático estrangeiro, oficiais e alguns eleitos da sociedade carioca.

Assim como ficou conhecido, o Baile da Ilha Fiscal, também chamada no passado como ‘Ilha dos Ratos’, foi organizado com requinte, e segundo alguns críticos com muita pompa e excentricidade, o que serviu como o derradeiro pretexto para o fim da Monarquia e a Proclamação da República. E de fato, a Proclamação da República Brasileira ocorreu no dia 15 de novembro do mesmo ano, apenas 6 dias após o baile.

O motivo alegado para o baile fora à diplomacia envolvendo uma homenagem aos oficiais do navio chileno, entretanto, alguns interpretaram também como se o baile fosse uma demonstração de força ou tentativa de promover e revigorar o regime Monárquico, que ainda tinha bastante apoio popular, mas encontrava crescente e forte oposição política, embora dentro do parlamento o Governo tinha maioria.

Embora o fim da Monarquia Constitucional fosse inevitável, existe a crítica quanto ao processo como aconteceu. Alguns historiadores consideram a deposição de D. Pedro II uma grande deslealdade para uma figura que sempre honrou o Brasil, promovendo seu desenvolvimento e sua defesa. Alegam que seria mais justo se houvesse tido uma transição.

Que a transição para a República fosse feita em decorrência da morte de D. Pedro II, que já se encontrava em idade avançada, transição esta que poderia ter sido feita de forma politicamente negociada ou não. Mas estes são meros comentários acerca da história.

A oposição vinha de setores tidos tanto quanto progressistas como também de setores retrógrados e reacionários. Existia a insatisfação nos círculos militares nacionalistas e progressistas, e também oposição por parte de políticos republicanos. E também havia a perda de prestígio do Imperador devido à abolição da escravatura em 1888, e assim os setores que eram contrários à libertação dos escravos se voltaram contra a Monarquia. A proclamação da República naquela época não foi feita por meios revolucionários e não houve uma transição absolutamente legal quanto à mudança da constituição, pois na verdade foi um Golpe de Estado.

A mudança, sob a ótica social, era necessária em função dos novos tempos, novos anseios e o ‘amadurecimento’ da nação. Embora a Monarquia fosse constitucional, a participação política e a influência da população era praticamente inexistente, e o sistema era considerado elitista. De certo modo a influência política estava ligada à posse de bens ou posição social hereditária, quer seja de nobreza por descendência ou à mercê regencial (nobreza conferida pela Monarquia). Embora quanto à legitimidade de D. Pedro II como líder, este não era o alvo das críticas, já que era popular, respeitado e tido como uma pessoa íntegra.

Depois de uma série de fatos, o Brasil entrou numa nova era, com a Proclamação da República. Após ser formalmente comunicado pelos militares, o Imperador foi exilado e deixou o Brasil com sua família indo para a Europa. Entretanto, com o decorrer dos anos, existiu uma consciência quanto à importância da figura de D. Pedro II, que recebeu novamente seu reconhecimento por parte dos governos que se sucederam através de inúmeras homenagens. 

CURIOSIDADES SOBRE O BAILE


D. Pedro II fardado de Almirante e o engenheiro André Rebouças.

A ‘Queda’ do Imperador: Embora D. Pedro II nunca tenha sido um grande apreciador de festas, jamais se viu no Brasil uma festa com tanto luxo. Uma fartura total de comida. Um fato irônico, até hoje não confirmado, ocorreu logo após a chegada da Família Real, às 10 horas da noite: conta-se que D. Pedro II, ao entrar no salão do baile, vestido com uma farda de Almirante, desequilibrou-se e levou um tombo. Foi amparado por dois jornalistas. Ao recompor-se, exclamou:  “O monarca escorregou, mas a monarquia não caiu!”.  Apesar do sucesso do baile, o Imperador pouco se divertiu. Ficou sentado o tempo todo, visto que já estava em idade avançada, e foi embora à 1h da manhã, sem jantar.

André Rebouças: Outro acontecimento curioso ocorreu no término da festa. Às 6 horas da manhã, após a saída dos convidados, os trabalhos de limpeza revelaram alguns artigos inusitados espalhados pelo chão: além de copos quebrados e garrafas espalhadas, foram recolhidas condecorações perdidas e até peças de roupas íntimas femininas. O fato pode, entretanto, ser fictício, uma vez que foi relatado na coluna humorística Foguetes, do periódico carioca ‘O Paiz’, no dia 12 de novembro. O engenheiro André Rebouças, abolicionista, e amigo da Família Imperial, foi o único negro convidado para o baile. Passou a noite conversando, sem se arriscar a convidar nenhuma das damas presentes para dançar (todas brancas), temendo ser rejeitado por sua cor, e sintetizou em seu diário, possivelmente se referindo aos rituais romanos em homenagem a festa de Baco: “Foi uma bacanal!”

O Custo do Baile: O dinheiro gasto no baile foi de 250 contos de réis, retirado do Ministério da Viação e Obras Públicas, cujo valor correspondia a 10% do orçamento anual da Província do Rio de Janeiro. Existiram críticas à Corte pelo ato, visto que este dinheiro estava destinado ao auxílio de vítimas da seca no Ceará. “Cem contos de réis estavam guardados nos cofres do Ministério da Viação e Obras Públicas que jamais chegariam ao Ceará. Os flagelados da seca que assolava o sertão tiveram que esperar”.

A Grande Surpresa do Buffet: O cardápio incluía peças inteiras de caça e pesca, além de uma infinidade de aves exóticas, inhambus, faisões e macucos. Cinco mesas em forma de ferradura foram colocadas no pátio atrás do palácio para servir o jantar. O ponto alto da ceia foram os doces – entre eles sorvete, uma novidade para a época. Estima-se que foram servidos cerca de 800 kg de camarão, 800 latas de salmões e lagostas, 300 frangos, 500 perus, 64  faisões, 1.200 latas de aspargos, milhares de sanduíches, 20.000 taças de sorvetes, 2.900 pratos de doces, 10.000 litros de cerveja, 80 caixas de champanhes e 88 caixas de vinhos das melhores safras.

Festa sem Banheiros: Como o projeto do palacete da Ilha Fiscal era de inspiração francesa, o local não contava com banheiros. Os convidados tinham apenas poucos baldes de prata com areia dentro para seu uso. Quando a cerveja começou a fazer efeito, os homens não se apertaram e correram para a beira do mar mesmo. Já as socialites, tiveram de se ajeitar nos cantos dos salões com baldes extras trazidos às pressas do continente. Havia um banheiro destinado somente para a Família Real e seus convidados mais próximos.

A Iluminação da Festa: A Ilha Fiscal contava com um gerador de energia, instalado num barracão ao lado do palacete, que forneceu eletricidade para milhares de lâmpadas dentro e fora do edifício. Além das milhares de velas, balões e lanternas venezianas, os holofotes do encouraçado chileno Almirante Cochrane e de outros navios da Marinha ancorados ali perto faziam com que a ilha fosse o lugar “mais iluminado do mundo”, como escreveram os jornais da época.

A Ilha segundo o Imperador: A posição daquela ilha era bastante cômoda para os inspetores da Alfândega, devido à proximidade dos pontos de fundeio, sendo que o translado de mercadorias poderia ser executado em embarcações pequenas, sem grandes dificuldades. A decisão da construção, assim como a do seu estilo arquitetônico, foi do Imperador D. Pedro II, tendo em conta não conflitar com a paisagem das montanhas que caracterizam o Rio de Janeiro. À época, o Imperador teria afirmado: “A ilha é um delicado estojo, digno de uma brilhante joia”.

Pés de Valsa: A Princesa Isabel e o Conde d’Eu que eram dois verdadeiros pés de valsa divertiram-se a noite inteira. D. Pedro II dançou uma única vez, com a filha adolescente do Barão Sampaio Vianna, que naquele dia completava quinze anos, e ficou praticamente sentado a noite toda, saindo mais cedo.

A Música: Duas bandas militares tocaram quadrilhas, valsas, polcas e mazurcas para os convidados, que dançavam pelos salões do castelo.


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O Quadro do Baile: A pintura óleo de Aurélio de Figueiredo, “Baile da Ilha Fiscal”, cujo original está preservado no Museu Histórico Nacional, mas uma cópia se encontra emoldurada em um dos salões do palacete da Ilha Fiscal. O quadro retrata o belo e faustoso baile organizado no local. Dom Pedro II e a Família Real aparecem à direita, em torno do qual as pessoas se aglutinam, porém deixando um espaço vazio diante dele, e tendo perto, imediatamente ao lado os oficiais do encouraçado Almirante Cochrane. D. Pedro II é o homem de barbas longas, cuja face aparece bem iluminada. Este quadro também tem particularidades interessantes. Salvo engano, começou a ser pintado antes da Proclamação da República, e o que talvez devesse ser apenas uma representação do baile, acabou incorporando alegorias, que aparecem na parte superior do quadro, talvez feita ao final do trabalho. Podemos observar que, entre as nuvens, uma mulher caminha com a bandeira do Brasil à frente, o que seriam os republicanos representando a chegada da República. Do outro lado, a representação do Regime Monárquico. A mulher que segura a bandeira, seria uma alusão à Marianne, uma figura alegórica que representa a República Francesa, que apareceu em um famoso quadro de Delacroix chamado “A Liberdade guiando o povo”. Acrescentando esta alegoria, talvez o pintor tenha se livrado de parecer partidário do Império ou de fazer apologia da Monarquia, e assim teve seu quadro aceito sem o risco de tê-lo retalhado aos pedaços.

A Foto do Baile: De acordo com o historiador Milton Teixeira todas as fotos feitas na festa desapareceram. Mas, no entanto, a única foto que se conhece, tirada por Marc Ferrez, quando tudo já estava pronto, recentemente foi encontrada por técnicos da Biblioteca Nacional no acervo da Editora José Olympio doado à instituição. Por razões desconhecidas, ela não foi incluída nos 10 volumes que constituem a coleção História dos fundadores do Império do Brasil, de Octávio Tarquínio de Sousa, lançada nos anos 1950.
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Referências: 
# Império do Brazil/Ilha Fiscal – Último Baile/Pesquisa FAPESP/
Confraria do Barão de Gourmandise/Blogspot Sergiomsrj/
Blog Paulo Cannizzaro/Rio de Janeiro Aqui/
Wikipédia – Baile da Ilha Fiscal
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Jota Botelho

1 Comentário

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  1. Hoje a Republica é uma ilha de ratos cercada de povo

    Sem contar os anos anteriores de muitas nações, em 308 anos como colonia européia, mais 14 anos como única sede nas Américas de um império europeu, mais 67 anos como império e mais 127 anos como Republica, este rico e gigantesco país, após 516 anos, continua sendo um dos mais atrasados, desrespeitados e subordinados deste planeta, com uma elite mediocre e subalterna controlando uma democracia sem povo.

    Um país que historicamente, para cada lento e suado passo pra frente, dá dois rápidos e fáceis para trás.

    Sinto razoável vergonha por este cenário o e por fazer parte de uma geração que não conseguiu mudar e evoluir para uma nação e sociedade que nossos descendentes pudessem bem viver e se orgulhar.

    E por temer que eles venham a sentir o mesmo que eu.

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