Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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“Apocalypto”: como explicar o fim da civilização maia?, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Muitas vezes encontramos verdades no pensamento conservador. Apenas que elas estão invertidas. Um exemplo é “Apocalypto” (2006). Dirigido por um conservador assumido, o ator Mel Gibson, o filme quer mostrar como foi possível a civilização maia, que alcançou sofisticado conhecimento em Astronomia, Matemática, Artes e Arquitetura, ter se extinguido muito tempo antes da chegada dos espanhóis na América. A hipótese mais aceita é a ecológica (esgotamento dos recursos naturais e mudanças climáticas), que o filme partilha ao acompanhar um protagonista que teve sua tribo destruída e levado prisioneiro para a capital maia para sacrifício em um ritual sangrento para entreter as massas. Na capital maia encontramos seca e doenças. A ignorância e amoralidade poderiam ter levado à decadência. Mas também a dominação e escravidão. Luta de classes custa caro e pode exaurir uma sociedade. Esse é o surpreendente viés aberto por Mel Gibson a partir de um pressuposto conservador em “Apocalypto”.

No livro Antropologia do Cinema (Brasiliense, 1987), a certa altura o pesquisador italiano Massimo Canevacci afirma que muitas vezes encontramos verdades na Direita. Apenas que estas apresentam-se invertidas. Canevacci faz alusão ao método de Marx de inverter o idealismo hegeliano, para coloca-los com os pés no chão – o materialismo histórico.

Pelo menos no caso do diretor e ator Mel Gibson, parece ser verdade. Gibson, um conservador católico declarado e filho de um notório negador do Holocausto (Hutton Gibson), foi duramente criticado pelo filme A Paixão de Cristo (2004) por se tratar supostamente de um filme religioso “antissemita” e “extremamente brutal”.

O filme posterior, Apocalypto (2006), já inicia com uma epígrafe do historiador conservador norte-americano Will Durant: “Uma grande civilização não pode ser conquistada por fora, antes de ser destruída por dentro”. Ao lado de outro historiador, Leo Strauss, são pesquisadores cujas ideias foram associadas à política externa neoconservadora da Era Bush, cujas obras combatiam o relativismo multiculturalista da antropologia.

Isto é, através de um Direito Natural, encontrar uma referencia filosófica que permita juízos sobre culturas diversas no tempo e no espaço – logicamente, a supremacia do “juízo” da democracia norte-americana sobre todas as outras culturas e países. Ou seja, o Direto Natural se sobrepondo ao Direito Positivo: a busca daquilo que é universalmente correto e justo, acima das regras e normas vigentes em um país ou cultura.

Uma história universal

Em Apocalypto, Gibson quer narrar uma história supostamente universal: o final de uma civilização – as guerra frequentes entre tribos e cidades-estado, o desespero das elites por colheitas prósperas e o sacrifício serial de corpos e cabeças decepadas como sangrentos rituais para aplacar a fúria do Deus Sol. E por fim, a chegada das caravelas dos conquistadores espanhóis no século XVI, para encontrar uma cultura já devastada e submetê-la.

Como uma civilização conhecida pelos avançados conhecimentos astronômicos, matemáticos e arquitetônicos foi capaz de se autodestruir? Para Gibson, acompanhando a epígrafe de Durant, o grande responsável foram os excessos de uma civilização que quando chegou ao ápice, esgotou os recursos naturais ao mesmo tempo em que se apegava a deuses pagãos para justificar a violência e a dominação. Isto é, por não respeitar os verdadeiros valores universais que fundamentariam uma sociedade.

Gibson, assim como Durant, aborda um tema universal: porque as civilizações crescem, chegam ao ápice, para depois decaírem? Mas a resposta é invertida, idealista e moralista: a culpa são os “valores”, ou melhor, a falta deles.

Apocalypto aborda essa indagação em uma narrativa altamente convencional, no clássico clichê do que melhor o cinema norte-americano faz: filmes de perseguição – de carros, aviões, trens e, no caso desse filme, a pé, correndo pelas selvas da América Central. 

Porém, mesmo nessa narrativa simplista igual a centenas de filmes hollywoodianos, a virtude do roteiro assinado por Gibson e Farhad Safinia é explorar argumentos que permitem reverter e “colocar os pés no chão” essa visão moralista e conservadora: mais do que desrespeito a valores morais universais e humanistas, a civilização maia criou uma perversa estrutura social que se autoconsumiu pela dominação, exploração e escravidão.

Também igualmente interessante é o viés gnóstico da reversibilidade simbólica do Mal que caracterizaria a evolução humana: como o avançado conhecimento científico, estético e teológico de uma civilização se reverteu no seu oposto – obscurantismo, violência, guerras e, no final, autodestruição.

 

O Filme

Apocalypto foi filmado em uma escala épica em selvas verdadeiras e ruínas maias reais da América Central.

Se em A Paixão de Cristo os personagens falavam o aramaico bíblico, em Apocalypto todas as linhas de diálogo são faladas em um dialeto maia com legendas em inglês, e com um grupo de atores desconhecidos. Pelo menos para o grande público dos filmes hollywoodianos.

O filme acompanha um jovem chamado Pata-de-Jaguar (Rudy Youngblood), membro de uma tribo pacífica que vive em harmonia com a selva, cuja aldeia repentinamente é atacada por um grupo fortemente armado de guerreiros maias. Eles matam e estupram indiscriminadamente, incendiando toda a aldeia. Os sobreviventes são feitos prisioneiros para serem levados como escravos.

Pata-de-Jaguar ainda tem tempo de esconder sua esposa grávida e seu pequeno filho em um buraco, livrando-os da chacina. Mas ele também é feito prisioneiro e condenado a marchar junto com os outros em direção à capital maia.

Depois de uma sofrida e perigosa caminhada, chegam à metrópole para encontrar uma civilização em plena decadência: as plantações dizimadas pela seca, doenças, centenas de crianças órfãs e miseráveis, e milhares de escravos revestidos de pó construindo novos templos e edificações em cenas que mais parecem as célebres imagens de mineiros do fotógrafo Sebastião Salgado.

E, claro, uma elite que se refastela na opulência com seus pequenos filhos obesos e mulheres cercadas de joias e adereços.

Lá, o grupo de Pata-de-Jaguar descobre que não serão escravos – são escolhidos para um sangrento ritual de oferendas de corpos, cabeças decepadas e corações arrancados por sacerdotes, para serem jogados escadaria abaixo de uma alta pirâmide como forma de aplacar a ira do Deus Sol e fazer a chuva e as fartas colheitas voltarem.

 

Na verdade, um espetáculo para manter as massas entretidas – milhares de pessoas embaixo assistem, regozijando-se a cada cabeça que rola pelas escadarias.   

O melhor de Hollywood: filmes de perseguição

Pata-de-Jaguar só pensa em uma coisa: fugir para resgatar sua família, presa no profundo buraco sob o risco de animais e intempéries.

Depois disso, a narrativa de Apocalypto incorre naquilo que melhor Hollywood faz: as perseguições: Pata-de-Jaguar foge pela floresta com um grupo de guerreiros no seu encalço com sede de vingança – antes de escapar, o fugitivo matou o filho do líder dos guerreiros.

Na  perseguição temos todos os clichês de filmes como RamboO Predador e congêneres, com direito ainda a uma alusão a Apocalipse Now: Pata-de-Jaguar emergindo de um pântano de areia movediça lembrando o atávico assassino da selva de Martin Sheen.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

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  1. Este filme é um absurdo e

    Este filme é um absurdo e segue o pensamento cristão radical de Gibson.

    Retrata a civilização Maia em franca decadência para o barbarismo, daí a chegada do homem branco vai dar um jeito em tudo…

    Além de preconceituoso (já que, até hoje, não se tem certeza do que levou ao fim da civilização), é historicamente equivocado… pois quando os espanhóis chegaram, já não existia civilização Maia.

    Isto é, se vc não se importa com nada além de imagens impressionantes, o filme vale. Como história ou interpretação de um povo, é LIXO.

  2. Se me lembro bem

    Se me lembro bem Pata-de-Jaguar foi levado para a capital Azteca, Teotihuacan, que à chegada dos espanhois era a civilização dominante de então. Os maias já haviam desaparecido de muito. É verdade que os aztecas herdaram muitos costumes da civilização maia, incluindo seus rituais sangrentos, fato comprovado por várias pesquisas antropológicas.

  3. O filme misturou as coisas

    A civilização de Cidades Estados Maias já tinha acabado muito antes de os Espanhóis chegarem nas Américas. A cena dos guerreiros Maias saídos de suas cidades, se encontrando com as caravelas, é fictícia.

    O povo Maia, com a língua Maia, existe até hoje, porém dispersos pela floresta, em pequenas tribos.

    ————

    Os Maias simplesmente usurparam seu conhecimento e tecnologia dos Toltecas, a quem escravizaram e destruíram sua civilização.

    Um povo que tinha cidades de pedra, pirâmides, um Estado bem organizado, estradas, universidades, escrita em papel, calendário mais preciso que o nosso, matemática ( com o número zero, desconhecido na Europa na época ) , peças teatrais, faziam cirurgias com anestésicos, coisa inédita no mundo todo, astronomia e arquitetura avançadíssimas.

    Muitos dos alimentos que consumimos hoje, foram os Maias e Astecas que ensinaram aos europeus o cultivo, como o milho, o chocolate, a pimenta, o pimentão, a pipoca, o abacate, etc.

    Os Maias também já jogavam um jogo parecido com basquete, com uma bola de latex borracha, onde eles sacrificavam jogadores no final do jogo, dependendo de quem perdesse.

    Os Maias só tinham dois  defeitos, eram encrenqueiros demais, e exploravam o meio ambiente até a exaustão. 

    O fim dos Maias, com uma seca que durou décadas, e obrigou o povo a migrar, abandonando as suas cidades, pois nada crescia mais lá, isto relacionado aos desmatamentos que este povo fez em larga escala, para aumentar suas fronteiras agrícolas.

    E também as guerras, pois muitos povos odiavam os Maias devido aos seus sacrifícios de prisioneiros, de forma mais cruel possível. Os horríveis e inenarráveis sacrifícios humanos, foram uma das causas de tantos inimigos. Os Maias e os Astecas foram os povos mais crueis e desumanos que já surgiram sobre a face da Terra, isto está relatado de forma precisa no filme. Não só sacrificavam, mas antes torturavam prisioneiros em praça pública, diante de multidões, das formas mais horrendas imagináveis.

    ———–

    O restante do filme parece ser relato verídico, conforme a história, tirando a cronologia do encontro com os Espanhóis.

     

  4. O filme só é interessante pela perseguição. . .

    O filme só é interessante pela perseguição ao índio “pata de jaguar”, com belas cenas nas florestas da América Central, no mais é totalmente impreciso com relação a datas como já disseram outros comentaristas. Faltou a Mel Gibson explorar mais fatos da cultura maia, como seus conhecimentos astronômicos, suas lavouras irrigadas, estradas pavimentadas com pedras, etc.

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