Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Busca Espiritual Vira Pesadelo em “Beyond The Black Rainbow”

Um dos mais estranhos sci fi dos últimos tempos, o filme canadense “Beyond The Black Rainbow” (2010) do estreante Panos Cosmatos explora dois paradoxos: primeiro de ser uma ficção científica que não é ambientada nem no futuro ou passado, mas em uma espécie de “futuro do passado” envolta em uma atmosfera kubrickiana de “2001” e nos mistérios metafísicos dos filmes do russo de Tarkovsky; e segundo ao mostrar como uma jornada espiritual pode se converter em um pesadelo autoritário. Com isso Cosmatos faz um acerto de contas com a chamada geração “baby boomer” que teria fracassado em buscar a espiritualidade em “ocultas e sombrias regiões”.


“Ela abriu estranhas portas que nunca mais se fecharam”

(David Bowie, “Scary Monsters” – 1980)

 

Lançado em 2010 “Beyond The Black Rainbow” (passou por alguns festivais na Europa e no ano passado teve sua premier no Tribeca Film Festival nos EUA) é um sci fi paradoxal: retro e ao mesmo tempo futurista, uma espécie de “futuro do passado”. Grande parte da narrativa se passa em um “futurista” ano de 1983 e em uma estranha e opressiva clínica onde um estranho homem realiza estranhas experiências com uma garota.

A narrativa procura desvendar os mistérios do Instituto Arboria onde uma bela jovem chamada Elena (Eva Allan) com poderes psíquicos é mantida prisioneira por um cientista chamado Barry Nyle (Michael Rogers) envolvido em uma complexa experiência psicológica. Nyle tem um objetivo místico-espiritual: a busca da “paz interior” por meio de uma delirante e alucinógena jornada em estilo LSD controlada por uma sinistra tecnologia à base de drogas.

O filme é a estreia do diretor e roteirista Panos Cosmatos (filho de George P. Cosmatos, diretor de filmes na década de 1980 como “Rambo: First Blood”, “Stallone Cobra” e “Tombstone”), onde cuidadosamente reproduz a atmosfera futurista de Kubrick em “2001” com salas e corredores sinistramente brancos e assépticos, o design clean e geométrico de clássicos futuristas como “THX 1138” (1971) e referência aos enigmas metafísicos dos filmes sci fi do russo Tarkovsky (“Solaris” – 1972 – e “Stalker” – 1979). Isso sem falar nas referências do lado terror do filme: Cronenberg, Argento e John Carpenter.

O filme é intrigante tanto na forma quanto no conteúdo: é um filme do gênero sci fi, porém não é ambientado nem no futuro e nem no passado, mas em uma espécie de “futuro do passado”. Parece que estamos vendo imagens de como seria imaginado a década de 1980 a partir do ponto de vista dos anos 60.

O filme começa como se assistíssimos a alguma fita promocional VHS do Instituto Arboria (a proporção da imagem do filme inicia em 4:3): vemos o mentor que deu origem a todo o experimento, o sinistro Dr. Mercurio Arboria (Scott Hylands), explicando seus planos de revolucionar a espécie humana ao criar uma fórmula baseada em “farmacologia benigna, terapia sensorial e manipulação de energias” para ser alcançada a “pura felicidade”.

Portanto, Cosmatos reúne a imagerie emblemática das décadas de 1960-70 (LSD, visão mística das drogas, autoconhecimento por meio de jornadas lisérgicas misturado com a estética futurista) e a paranoia Guerra Fria da era Reagan dos anos 80: sinistros laboratórios e experiências secretas com drogas em uma implícita referência ao chamado “Projeto Montauk” bem conhecido pelos teóricos de conspirações a partir dessa década – teria sido um projeto secreto empreendido pela inteligência militar dos EUA com experiência de intervenção psíquica por meio de drogas e equipamentos eletrônicos para fins de espionagem e interrogatórios. Mas o efeito colateral seria a descoberta da possibilidade da viagem no tempo através da inconsciência.

Qual o propósito de Cosmatos com esse bizarro mix de referências e imageries? Por que Cosmatos quis ambientar a estória (um projeto aparentemente com propósitos humanísticos que se transforma em pesadelo) em um futuro do passado?

Tecnologias do Espírito e Tecnognose

Em entrevista o diretor afirmou que o argumento do filme foi motivado inicialmente depois de rever filmes da infância. Ele não queria revê-los com um olhar nostálgico, mas “de uma forma sombria”. A morte de seus pais e sua posterior experiência com um psicólogo budista para lidar com essa fatalidade familiar acabaram sendo determinantes: “acho que todo psicoterapeuta – em geral vários deles – tem um lado estranho, sociopata”.

E no final, perguntado se era pessimista em relação à humanidade respondeu: “acho que expressei uma atitude cínica em relação aos “baby boomers”, mais do que em relação à humanidade. Essa coisa do ocultismo veio provavelmente da geração dos anos 60. Os “baby boomers” tentaram encontrar espiritualidade em ocultas e sombrias regiões. Seus ideais acabaram sendo corrompidos” (veja “Journey ‘Beyond The Black Raimbow’ with Director Panos Cosmatos”).

Dessa forma, “Beyond The Black Raimbow” parece se tratar de um acerto de contas que o diretor faz com a geração de seus falecidos pais, os “baby boomers” ( expressão para designar a geração de filhos nascidos após a segunda guerra mundial durante uma explosão populacional que se seguiu ao conflito bélico).  E esse acerto volta-se para um dos principais produtos de uma geração obcecada pela busca do prazer e da felicidade: as chamadas “tecnologias do espírito”.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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