Carta aberta aos realizadores que abandonaram o festival Cine PE 2017, por Cleonildo Cruz

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Realizadores retiraram seus filmes do festival em protesto contra inclusão de documentário sobre Olavo de Carvalho e de longa sobre o Plano Real (acima) Foto: Divulgação

Jornal GGN – Cleonildo Cruz, Cleonildo Cruz,  historiador e cineasta, assina carta aberta criticando os realizadores de filmes que decidiram que seus trabalhados fossem retirados do festival Cine PE 2017, em Recife (PE). O abandono do festival foi um protesto dos cineastas contra a inclusão dos filmes “O jardim das aflições”, documentário sobre Olavo de Carvalho, e do longa “Real: o plano por trás da história”.

Por meio de nota pública, os realizadores disseram que “[a edição deste ano] favorece um discurso partidário alinhado à direita conservadora e aos grupos que compactuaram e financiaram o golpe ao estado democrático de direito ocorrido no Brasil em 2016. Para nós, isso deixa claro o posicionamento desta edição, ao qual não queremos estar atrelados”. 

 
A crise entre os participantes acabou provocando o adiamento da 21ª edição do festival, que deveria começar no dia 23 de maio. 
 
Cleonildo classificou a retirada como um “atitude coletiva oportunista e antidemocrática” que presta um desserviço “a todos e todas que estão no enfrentamento do governo Temer”. 
 
Para ele, alguns integrantes da esquerda brasileira precisam sair da bolha e “falar além dessa retórica que só empregamos para os nossos”. “Enfrentamento se faz no front, e não abandonando a luta”, conclui.
 
Leia a íntegra da carta abaixo: 
 
Do Blog de Jamildo
 
Carta aberta aos realizadores que abandonaram o festival CINE PE 2017, numa atitude de intolerância política-cultural
 
Cleonildo Cruz
 
A intolerância política-cultural chegou para ficar nesses tempos obscuros que estamos vivendo. Intolerância, sim. E por parte de quem não a deveria praticar. Ela ocorreu quando vocês, realizadores dos filmes “Abissal”, de Arthur Leite (CE); “Vênus – Filó, a Fadinha lésbica”, de Sávio Leite (MG); “A Menina Só”, de Cintia Domit Pittar (SC); “Iluminadas”, de Gabi Saegesser (PE); “O Silêncio da Noite e Que Tem Sido Testemunha das Minhas Amarguras”, de Petrônio Lorena (PE); “Não Me Prometa Nada”, de Eva Randolph (RJ); e “Baunilha” de Leo Tabosa (PE), decidiram que suas obras fossem retiradas da programação do 21a edição do Cine PE. Tal postura se afigura como um posicionamento eminentemente antidemocrático.
 
Vocês inscreveram seus filmes para serem submetidos à curadoria do festival. Foram selecionados, igualmente como todos os outros filmes. Por que não enviaram carta desistindo, assim que saiu o resultado? Todos os filmes estavam lá, inclusive, e entre outros, “O plano por trás da história” e “O Jardim das Aflições”, supostos estopins para a atitude que tomaram. Por que só agora, às vésperas de acontecer o CINE PE, vocês retiraram seus filmes? Isso configura uma atitude coletiva oportunista e antidemocrática, cujo objetivo aparenta ser a busca pelos holofotes. Parabéns! Ressalto que tal atitude é de intolerância político-cultural, bem como um desserviço intelectual a todos e todas que estão no enfrentamento do governo Temer, que vem sistematicamente retirando os direitos da classe trabalhadora.
 
Este é um erro que ficará na História, mostrando que não souberam ocupar os espaços e fugiram por falta de capacidade de entender a pluralidade no campo das ideias num espaço que, inclusive, é o campo da cultura. O momento era de fazer um protesto, quer fosse individual ou coletivo, mas não contra a obra de qualquer dos filmes selecionados para integrar o CINE PE. Que patrulhamento é esse?
Defendo o protesto, sim. Mas vocês não o fizeram. Deixaram, de forma anti-democrática, de ocupar o espaço do festival. Poderiam, ao contrário, ter feito um belo ato político contra o estado de exceção que estamos vivenciando, contra a criminalização dos movimentos sociais, contra a destruição da democracia no Brasil.
 
Alguns da esquerda, e não vou generalizar, não compreendem que precisamos sair da bolha. Falar além dessa retórica que só empregamos para os nossos. Imaginem, por exemplo, se em nossos espaços de debate nos negássemos a participar porque fulano de tal apoiou o golpe que afastou a presidenta Dilma Roussef? À minha mente vem um evento que aconteceu nos EUA, no mês passado. Lá estavam Dilma Rousseff, presidenta deposta por um golpe político-midiático-parlamentar-jurídico, e Sérgio Moro, juiz parcial da Lava Jato. Na última semana, também nos EUA, sentaram à mesma mesa para debater o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, e novamente Sérgio Moro.
 
Enfrentamento se faz no front, e não abandonando a luta.
 
Cleonildo Cruz
 
Historiador, cineasta e doutorando em Epistemologia em História da Ciência pela UNTREF – Buenos Aires.
 
Filmografia: Pernambuco de 1964 em Pernambuco. 2008; Replicar dos Sinos. 2006; Caixa de pandora. 2010; Haiti, 12 de janeiro. 2012; Constituinte: 1987-1988; Operação Condor, verdade inconclusa. 2015.
 
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Redação

10 Comentários

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  1. Um amigo postou coisa

    Um amigo postou coisa parecida no facebook…

    E vou dar a mesma resposta que dei:

    Debate, pluralidade de idéias, são coisas para se valorizar em uma democracia.

    Como não estamos em uma, estamos em um golpe de estado, não sou comensal de GOLPISTAS.

    Não atiro pedra em que vai participar, mas não validaria nunca um festival de cinema capitaneado por gente que não respeito.

    1. O difícil é abrir espaço para

      O difícil é abrir espaço para quem não sabe debater e sim só quer tumultuar. O debate saudável, mesmo que tenso, deve ser promovido. Mas não é isso que esse tal filósofo promove, sabemos muito bem disso.

  2. Democrático…

    Esse blog aí é tão democrático que não deixa as pessoas comentarem, acho que só liberam comentários favoráveis…

     

  3. Enfrentamento se faz no front…

    disse o missivista e citou como exemplo o debate com a participação de Jose Eduardo Cardoso e Sergio Moro; pelo que li em publicações, Cardoso, como é de sua índole, não foi para o front, bajulou Moro se omitindo como ex ministro da justiça (minúscula mesmo), de criticar o Imperador de Curitiba!

  4. Apoio a decisão de retirar os filmes

    Esse papo de “abandonar o campo de batalha” ou “enfrentamento se faz no campo de batalha” simplesmente não se aplica a essa situação… fica parecendo mais um discurso manipulador.

    Como se os filmes de “esquerda” e “direita” estivessem se enfrentando e venceria o melhor… NÃO É NADA DISSO!

    Os demais filmes não são políticos e por isso não estão “enfrentando” ninguém no campo de batalha. O problema é o aparecimento de diversos filmes que são simplesmente propagandas ideológicas enrustidas… ainda mais de pessoas que propagam o ódio como Olavo de Carvalho.

    Os verdadeiros artistas e seus filmes vão servir de pano de fundo e plataforma para essas porcarias propagarem suas ideias e repercutirem em seus meios como se fossem filmes normais e espontâneos.

    Aguardem canais de youtube e páginas de Facebook propagandeando:

    “OLAVO DE CARVALHO HUMILHA IMBECIS QUE CRITICARAM SEU FILME”,

    “DIRETOR DE FILME PETISTA CRITICA OLAVO E É HUMILHADO”,

    “FILME CONTA HISTÓRIA DE FHC SALVANDO O BRASIL PERDE PARA GAYSISTA EM FESTIVAL FINANCIADO PELO PT”

    Se esses imbecis querem jogar confete encima deles mesmos que façam essa ceninha sozinhos.

     

  5. Eles têm todo o direito de
    Eles têm todo o direito de retirar suas obras do festival em protesto. E não estão inventando nada de novo.
    O que a esquerda tem a ver com isso? Nos da esquerda quem?

  6.  Há uma clivagem fundamental

     Há uma clivagem fundamental em nosso país. De um lado, temos o campo democrático. Do outro, o resto. Os que se apossaram do poder destoem direitos dos trabalhadores, dos velhos, das viúvas. Violaram os princípios mais elementares de uma sociedade democrática ao usurpar o poder e impor ao Brasil reformas repudiadas pelo povo nas urnas.

    Nesse conflito, não há meio-termo possível. Ou estamos de um lado ou do outro. Aplaudo a atitude dos cineastas que retiram seus filmes. Escolheram o seu lado e deixaram isso claro e público. Outros preferem fingir que vivemos num estado de direito, que o povo não está sendo violentado. Fazem apelos para um convívio democrático que é uma grotesca farsa.

  7. Fascismo não combina com

    Fascismo não combina com pluralidade de ideias. Os diretores que se indignaram contra a pesença de obras que fazem apologia ao fascismo estão cobertos de razão ao não compactuar com a organização do festival. Era claramente um jogo de cartas marcadas.

  8. opinião é igual bunda, ….

    todo mundo tem a sua,… No meu ponto de vista, achei a decisão de se retirar do festival, corretíssima …

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