China proíbe filmes sobre “Viagem no Tempo”

 


 

Autoridades chinesas de mídia proíbem filmes com o tema “viagem no tempo” e exigem que produtores e escritores lançem “produções realistas da Revolução Chinesa”. Falta aos chineses abandonar a truculência estalinista para compreender os sutis mecanismos hollywoodianos de controle onde se é capaz de oferecer uma grande liberdade temática, porém confinada pelas rígidas normas de forma e conteúdo. Mecanismos sutis que convergem para o mesmo objetivo das preocupadas autoridades chinesas: evitar que a experiência fílmica produza no espectador uma ruptura com o princípio de realidade.

No ano da comemoração do 90° aniversário do Partido Comunista da China, as autoridades de mídia do país resolveram proibir quaisquer filmes ou seriados que tenham como tema viagens no tempo. Em um país com a maior audiência de televisão do mundo e o mercado de cinema em franca expansão, a decisão foi justificada pelo “desrespeito histórico” que esse tema de ficção científica mostraria (leia notícia aqui).


Um dos maiores sucessos na China, o seriado “Jade Palace Lock Heart” (onde oa protagonista volta à época da China antiga onde encontra o amor e a felicidade – veja imagem acima) é avaliado pela Administração Estadual de Rádio, Filme e Televisão como uma representação da história “frívola e que não pode ser mais encorajado”. E transmitiu a seguinte mensagem para os produtores e escritores do país: “Sigam o espírito do Partido Comunista para celebrar o seu 90o aniversário. Todos os níveis devem se preparar para lançar reproduções realistas da Revolução Chinesa.” Em outras palavras, as autoridades cobram das produções audiovisuais e cinematográficas maior realismo, seja no campo ficcional ou documentário.


Em primeiro lugar, encontramos nessa notícia ecos do chamado realismo socialista de orientação comunista ortodoxa e de inspiração stalinista que dominou a arte e estética soviéticas onde as produções deveriam ser instrumentos de exaltação do regime ao representar de forma “realista” o heroísmo proletário. Por exemplo, diretores russos como Tarkovsky com temas metafísicos e espirituais dentro do gênero sci fi em filmes como “Solaris” (1972) e “Stalker” (1979) sofreram forte repressão do Estado, obrigando o diretor a sair da URSS em 1983.


Mas há algo a mais nessa proibição sobre “viagens no tempo” no cinema e audiovisual chineses. Acredito que a justificativa do “desrespeito histórico” é um mero pretexto para exercer um controle que há muito tempo Hollywood já fez ao enquadrar suas produções desde o final da fase dos filmes “slapstick”: a imposição da verossimilhança ou “realismo cinematográfico” na narrativa para impedir que a experiência cinematográfica possa produzir o “acontecimento comunicacional”, isto é, uma experiência que produza a transformação do espectador, a transcendência ou a possibilidade de ruptura psíquica com a rotina do dia-a-dia após sair do cinema.

Proibir “viagens no tempo” pode ser um instrumento pelo qual produtores e escritores evitem que o cinema produza uma experiência que possa ser perturbadora para a adaptação tranquila dos chineses aos seus papéis sociais, certamente marcado por uma rotina de trabalho massacrante em uma economia que mais cresce no mundo às custas da exploração, inclusive de trabalho infantil.


O Controle Estético de Hollywood


 

Cinema “Slapstick”: o herói anárquico 
sempre perseguido 
pela Lei e ridicularizando autoridades

 

Em postagem anterior (veja links abaixo) discutíamos a guinada “realista” dada por Hollywood a partir da monopolização e industrialização do cinema na década de 1930. Após as primeiras décadas dominadas pela forma mais popular de cinema (o chamado “cinema slapstick”) com narrativas inverossímeis, dominadas por gags visuais e situações absurdas e surreais, os grandes estúdios enquadram esse tipo de cinema: primeiro, porque o novo público (as classes médias) preferiam narrativas “realistas”; e, segundo, o “slapstick” era anárquico, sempre caracterizando o protagonista como um proletário (Chaplin, Buster Keaton, Harold Loyd, Gordo e o Magro etc.) sempre perseguido pela Lei e e desafiando a ordem ao ridicularizar os policiais. Por isso era potencialmente perigoso político e ideologicamente ao sugerir para o grande público das classes subalternas que valia a pena lutar pelos seus sonhos.


O enquadramento ideológico dos grandes estúdios implicou na imposição e controle estético dos filmes em dois níveis, tanto da forma quanto do conteúdo. No plano da forma foi a imposição do modelo narrativo clássico: o realismo cinematográfico. A estrutura narrativa clássica constrói os seus pilares na busca pela ilusão de realidade. Encenação naturalista, mudanças invisíveis entre um corte e outro, continuidade de olhar e movimento, manutenção do eixo de 180 graus, sincronismo entre som e imagem.


Cada cena é amarrada em si mesma e em função das cenas imediatamente anteriores e posteriores, em uma relação contínua de causa e consequência. Os ardis da montagem e da edição fazem com que o olhar do espectador se identifique com o olhar da câmera e do personagem, produzindo a ilusão realista de continuidade, a figura do sujeito-espectador e a identificação primária. O prazer cinematográfico, portanto, estaria associado a esse prazer escópico, voyuerístico, isto é, o prazer de um olhar que ser quer transcendental ou divino. Um prazer primário incorporado ao próprio dispositivo fílmico, de onde deriva todos os prazeres, não importando o gênero.

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Luis Nassif

1 Comentário

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  1. China proíbe filmes sobre “Viagem no Tempo”

    O governo controla tudo. Se tem lei, policia só serve pra ricos. Vivemos em uma prisão sem grades. A midia de certa forma nos controla o que devemos ter e como devemos andar. E quem controla a midia?

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