Os sonhos podem ser perigosos no MAD TV

Criada nos anos 1950, a revista MAD sempre foi carregada de sátira e crítica social. Chegou a ser investigada pelo FBI na era da Guerra Fria. Mas parece que tudo ficou para trás: o vídeo-clip “Flammable” (paródia do clip “Firework” da cantora pop Katy Perry) do programa “MAD TV”, exibido em um canal infantil, consegue ser mais conservador que o produto pop original. Para nossa surpresa os vídeos exploram a mitologia gnóstica libertária da “centelha divina” e a metáfora da condição humana como marionetes prisioneiras e manipuladas. Porém, as autoridades (bombeiros e policiais) nos alertam: cuidado com o que sonham. Vocês podem ser presos!

Férias com crianças em casa nos reservam sempre surpresas. Principalmente ao acompanhar junto com elas os canais infantis. Para minha surpresa deparei-me com o programa “Mad TV” no Cartoon Network. Baseado na antiga revista MAD o programa humorístico de esquetes satiriza filmes, atores e a cultura pop norte-americana.

Lia a revista Mad na minha adolescência nos anos 1970 que, de tão bem sucedida no mercado brasileiro naquela época, passou a fazer sátiras de novelas, mini-séries e filmes brasileiros. Por isso, acompanhei com grande curiosidade para ver se ainda mantinha o espírito irreverente e, principalmente, contestador e anárquico da revista, sintonizada que estava com a contracultura e quadrinhos underground da época.

Um dos esquetes era um videoclip chamado “flammable” estrelado por marionetes, uma paródia do clip “firework” da cantora norte-americana Katy Perry.  O vídeo começa com uma marionete parodiando Katy Perry (“Katy  Puty”) caminhando até uma varanda. Ela começa a cantar sobre como as pessoas são deprimidas e sombrias porque se veem como marionetes feitas de papel reciclado, sempre controladas e contidas. No entanto, ela exorta a todos que libertem o calor e o brilho que existem dentro delas. No entanto isso acaba sendo destrutivo porque as marionetes do clip de fato são feitas de papel e cera e começam a pegar fogo e derreter. No final, Katy Perry é presa por um policial e os demais personagens terminam queimados e derretidos.

O que torna interessante não só a paródia como o próprio vídeo-clip original de Katy Perry é que utilizam uma evidente simbologia gnóstica: a centelha divina e a gnose – conhecimento profundo que possibilitaria o encontro da essência eterna no interior do homem pela via do coração. Uma realidade que embora seja sempre ativa, somente pode ser conhecida através da experiência e da vivência, jamais podendo ser assimilada de forma abstrata ou discursiva.

A “centelha divina” e o desejo por liberdade

Em ambos os vídeos essa centelha é representada por fogos de artifícios que saem do chakra cardíaco, na altura do peito. E da mesma forma, ambos os vídeos iniciam com situações de alienação e estranhamentos de seres humanos nesse mundo (tristeza e melancolia), sendo que na paródia da Mad TV essa situação de alienação aproxima-se muito mais do Gnosticismo ao associar a condição humana com a de marionete – a concepção gnóstica de que somos prisioneiros no cosmos físico como a criação de uma divindade enlouquecida (o Demiurgo) que cria dispositivos e artimanhas (culto ao poder, ambição, hedonismo etc.) para nos deter e extrair de nós essa centelha divina que trazemos.

Mas a diferença está no final: enquanto no clip original Katy Perry termina como uma mensageira das boas novas, na paródia da Mad TV ela é presa por um policial como uma espécie de terrorista por propagar ideias que geram mortes e caos.

Vejamos a letra da música “Inflammable” da paródia da Mad TV:

 

Você já se sentiu como não fosse realmente real?

Apenas uma marionete resultante de um torpe negócio

Você sempre pensa que é apenas um adereço

Uma coisa animada feita de papel reciclado

Você sempre pensou que eles ficavam com toda a glória

Quando na verdade do que eles gostam é do seu jeito engraçado

Eu tenho novidades para você, sem precisar ficar triste

Porque há um brilho em você…

Você só tem que liberar o calor, para acender a luz tão brilhante e livre

Mas tenha cuidado porque você é inflamável

Feito de argila, papel e lã

Você pode facilmente inflamar ou derreter

Quando irei aprender

A não dar mais início a incêndios

Ouça o bombeiro

Fique atento aos seus sonhos

Ou você vai destruir tudo

 

Os primeiros versos têm uma evidente inspiração na mitologia gnóstica primeiro ao associar a condição humana de marionete “resultante de um torpe negócio” (a prisão e manipulação no cosmos físico) e, segundo, a possibilidade de uma saída ao liberar de dentro de si o brilho e o calor (centelha divina por meio da gnose).

Mas todo esse ideário emancipador é revertido num até interessante humor metalinguístico: os protagonistas são feitos de papel reciclado e cera, altamente inflamáveis. Não suportam tanto “calor”. Mas os versos finais terminam com uma advertência: “fique atento aos seus sonhos, ou destruirá tudo”. Tome cuidado com os seus sonhos, pois podem ser perigosos e as autoridades (bombeiros e policias) estão sempre atentas. No final, a mensageira das boas novas, Katy Perry, é levada presa por um policial.

Os sonhos de uma marionete se libertar são frustrados pela condição ficcional (cera e papel reciclado) e pela repressão das autoridades.

MAD: crítica e sátira social

Criada nos anos 1950, a revista MAD sempre foi carregada de sátira e crítica social. Chegou a ser proibida pelo governo norte-americano e investigada pelo FBI. Para MAD nada era sagrado ou tabu e fazia questão de ridicularizar a política e a religião. Por exemplo, um dos quadrinhos era “Spy versus Spy”, um espião todo de branco e um todo de preto criado por Antonio Prophias. Um tentava eliminar o outro, demonstrando o ridículo da Guerra Fria da época entre EUA e URSS.

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Luis Nassif

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