Filme “Safety Not Guaranteed” inova o tema viagem no tempo

Ao contrário dos filmes tradicionais sobre viagem no tempo onde a atração principal são sempre os aparatos tecnológicos, no filme independente “Safety Not Guaranteed” (2012) a máquina do tempo é apenas o pretexto para a narrativa apresentar insights reveladores do estranhamento de pessoas em relação ao mundo moderno e nas maneiras de escapar e expressar seu descontentamento. E também diferente dos clichês da “segunda chance” nas viagens ao passado, nesse filme a suposta existência de uma máquina do tempo é a oportunidade de uma espécie de “transcendência espiritual mundana” baseado na ruptura da prisão existencial de “perdedores” em uma sociedade vazia de sentido.

Viagem no tempo é um tema recorrente no cinema. Na concepção clássica encontramos até os anos 1970 o viajante como uma mera testemunha de eventos do passado e do futuro que não podem ser alterados. Os protagonistas lutam contra a seta do tempo e podem até morrer, mas fatos providenciais sempre impedem que a História seja alterada. A série de TV “O Túnel do Tempo”(1966-67) ou o filme “Um Século em 43 minutos” (1979) são bons exemplos.

A partir da trilogia “De Volta para o Futuro” nos anos 1980 temos uma viagem no tempo paradoxal: podemos voltar ao passado e criarmos futuros alternativos, novos presentes e até confrontarmos com o “paradoxo dos gêmeos”. O cinema passa a explorar o tema da “segunda chance”: a viagem no tempo torna-se uma esperança para alterarmos as causas dos maléficos efeitos que enfrentamos. Dor, culpa, arrependimento poderiam ser consertados, às vezes com nefastas consequências como no filme “Efeito Borboleta” (Butterfly Effect, 2004).

Já o filme independente “Safety Not Guaranteed” (um típico produto do Instituto Sundance), primeiro longa de Colin Trevorrow, parece criar um contraponto nessa trajetória do Tempo no cinema: o filme não é sobre viagem no tempo, mas é de viagem no tempo no sentido mais amplo do termo. A possível existência de uma máquina do tempo serve apenas de pretexto para os protagonistas revelarem em relação ao passado nostalgia, experiência de perdas, culpa e remorso. Ao longo da narrativa vemos ambíguos indícios ou pistas sobre a construção de uma máquina do tempo, o que parece ser apenas mais uma estória que revela a problemática relação dos protagonistas com o passado.

“Safety Not Guaranteed” é centrado na reportagem investigativa sobre um pequeno anúncio publicado nos classificados em um jornal no estado de Washington convidando candidatos a fazer parte de um experimento de viagem no tempo – supostamente o argumento do roteiro é baseado em um caso real. O anúncio termina com uma advertência: “traga suas armas. Segurança não é garantida”. A partir do número da caixa postal indicada no anúncio, um cínico e amargo repórter chamado Jeff (Jake Jonhson) do Backwood Home Magazine auxiliado por dois estagiários (a jovem Darius – Aubrey Plazza – e um nerd hindu Amal – Karan Soni) vão a um decadente resort em baixa estação no litoral em busca do autor do insólito anúncio.

A narrativa é centrada na jovem Darius, recém-formada e que vê o mundo como vazio e sem sentido e, por isso, tem uma estranha sensação nostálgica por épocas em que não viveu: tudo que é legal se foi: astecas, dragões, elfos… ?”, diz. Aliás, todos os personagens parecem viver nos interstícios da sociedade. Em outras palavras, são “losers”: solitários, subempregados, virgens, todos parecem possuir uma relação de alienação e estranhamento em relação à sociedade.

Os integrantes da investigação parecem ver na suposta possibilidade de viagem ao passado uma forma de resgatar algo perdido que os salve do estado de alienação: Darius sente-se culpada pela morte da mãe quando tinha 14 anos, Jeff vê na investigação uma forma de reencontrar-se com um amor da juventude etc.

A investigação leva ao encontro do autor do anúncio, Kenneth (Mark Duplass), um solitário estoquista em um supermercado que passa o tempo tentando explicar aos colegas de trabalho o paradoxo quântico do gato morto de Schrödinger – experimento imaginário onde em uma caixa coloca-se um gato, isótopo radioativo e um dispositivo que libera o veneno pelo contador Geiger. Pela lógica quântica, paradoxalmente o gato deverá estar morto e vivo simultaneamente.  

Em todo filme sobre viagem no tempo a principal atração sempre são os aparatos tecnológicos que criam todas as situações dramáticas. Ao contrário, nesse filme são apenas mostrados indícios, diagramas, peças, pistas da possível existência de uma máquina: de concreto, um personagem paranoico, misteriosamente perseguido por homens que parecem agentes do governo e que passa o tempo livre treinando tiro com armas como treinamento para a viagem no tempo e um propósito – voltar a 2001 e evitar a morte de uma namorada da juventude.

Viajantes, detetives e estrangeiros

Em postagem anterior (veja links abaixo) descrevíamos como a indústria de entretenimento expressa a subjetividade contemporânea em torno de três personagens arquetípicos: o viajante, o detetive e o estrangeiroTrês personagens protagonistas da pós-modernidade. Em suas narrativas aparecem, em geral, como prisioneiros em um universo hostil, estrangeiros dentro do seu próprio país, uma estranha sensação de deslocamento, de não fazer parte de um mundo decadente e corrompido.

Em “Safety Not Guaranteed” claramente os protagonistas se estruturam em torno desse conjunto arquetípico. Para começar, todos são estrangeiros: melancólicos, a estranha sensação de deslocamento e alienação os torna habilitados em perceber o estranho e o bizarro em um ambiente familiar e comum. Por isso o filme oferece insights reveladores do estranhamento de pessoas em relação ao mundo moderno e nas maneiras de escapar e expressar seu descontentamento.

Ao mesmo tempo são detetives: assim como no clássico personagem do detetive nos antigos filmes noir, ao investigar as origens e motivações de um bizarro anúncio os repórteres do jornal de Seattle descobrirão que aquilo tem uma relação existencial com suas próprias vidas. Na verdade, toda a investigação irá se reverter em uma jornada de autoconhecimento.

No final, a promessa da viagem temporal como promissora grande fuga de uma realidade de alienação e descontentamento. Essa parece ser a novidade que “Safety Not Guaranteed” oferece ao tema viagem no tempo: a possível viagem não é uma promessa de “segunda chance”, mas simplesmente a grande escapada da rotina vazia e sem sentido.

Luis Nassif

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