Pedrinho da Banca, do Viaduto Maria Paula

Reencontrei o centro velho de São Paulo. Missa no Mosteiro de São Bento. Depois, o passeio a pé até o Viaduto Maria Paula, meu primeiro ponto de encontro em São Paulo, um gueto poçoscaldense para enfrentar os desafios da metrópole, que parecia gigantesca e desumana na época, mas humana e aprazível quando comparada aos tempos atuais.

Naqueles tempos o centro era mais limpo, o Viaduto mais arborizado. Hoje, é um lixo só.
Enquanto caminhamos, conto histórias de Pedrinho da Banca, meu primeiro guia para a parte mais mitológica e menos conhecida de São Paulo.

Sua banca ficava em frente o prédio da Cássia e do Miltinho, dois conterrâneos. Era lá que os poçoscaldenses desterrados e encontravam no final da tarde, vindos da USP, do trabalho ou dos cursinhos.

Foi lá que conhecemos Pedrinho. De cara criei afinidades com ele. A principal, o fato de ser da Seleção Paulista de Veteranos do Tênis de Mesa, amigo do Biriba – o gênio mirim brasileiro que, uns 10 anos anos, havia encantado o mundo.

Eu tinha sido do time de tênis de mesa da Caldense, tinha parado um pouco no ano anterior, devido ao Tiro de Guerra, mas estava a fim de retomar o jogo.

Na lanchonete em frente da banca, passávamos horas ouvindo Pedrinho falar sobre Biriba, Betinho, a irmã de Biriba e outros jogadores que povoavam as lendas do tênis de mesa da época.

Foi só o início. Através de Pedrinho entramos no mundo do centro velho de São Paulo e seus personagens memoráveis.

Foi ele que me apresentou Iesus Amalfi, um dos primeiros jogadores brasileiros a ir para a Europa, antes da geração de 1958. Aliás, sua venda para um clube francês impediu sua convocação.

Na Europa, Amalfi ganhou fama geral, como jogador, conquistador e bon vivant. O álbum de ecortes de jornais antigos não o deixavam mentir. Amigo do príncipe de Mônaco, frequentador de cassinos. Na época, representava o braço francês de uma organização muito polêmica, que começava a descobrir o Brasil e cujo nome me eximo de divulgar.

Tinha muito mais. Na avenida São João conhecemos a alfaitaria onde se reuniam, nossos ídolos do futebol, Gilmar, Mauro, Dino Sani. E os botecos históricos, do Brahma ao Ponto Chic.

No final da tarde, Pedrinho ia pegar o ônibus para o Belenzinho, Íamos juntos, eu morando na Vila Maria Maria Paula à praça da Sé ele parava mais de uma dezena de vezes para cumprimentar conhecidos. No Belenzinho, era membro da comunidade iuguslava.

Em Poços sempre aprecíamos os “causos” e a “corda”. Dar corda significava pegar um incauto, contar uma longa história e enredá-lo nela, em que percebesse.

Por mais que praticássemos, que tivéssemos alguns campeões regionais, como o César Leite e o Tião Cabo Verde, nenhum chegou perto do Pedrinho.

Conhecia cada mania, cada tic dos habitantes do Viaduto. Como o músico da Orquestra Municipal, tocador de clarone, que não podia ver mulher pelada em revista.

Pedinho tinha o dom de enxergá-lo onde estivesse. Gritava:

– Seu …, venha aqui ver que avião!

E abria uma Playboy. Seu … refugava como uma virgem atentada:

– Não, Pedrinho, não Pedrinho, não faça isso!

E acabava colando o olhar na foto. Ficava uma hora hiptonizado na banca, até passar a tentação.

Havia também o seu Aranha, quatrocentão, revolucionário de 32.

Pedrinho entrava na lanchonete. Avistando seu Aranha, mandava a provocação:

– Seu Aranha, qualquer criança sabe quem foi o Kennedy. Mas se perguntar quem foi o Barão de Jaceguai, ninguém vai saber.

Era o suficiente para seu Aranha levantar-se da cadeira e discursar por meia hora contra a perda de memória nacional.

Ou então, lembrar 32:

– Seu Aranha, me contaram que os baianos vieram de avião, jogaram bomba no Viaduto do Chá e botaram os paulistas para correr!

Aï o discurso se estendia por uma hora.

Enquanto caminhávamos, as histórias brotavam. Chegamos na banca. No lugar de Pedrinho, estava seu rimão.Contou que Pedinho morreu duas semanas atrás.

Na banca, um álbum de retratos, com fotos de Pedrinho e dos personagens do centro, recortes de jornais.

O centro perdeu um de seus personagens emblemáticos.

Luis Nassif

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