Curta da Semana: “5 Films About Technology” – cinco acidentes em nossas bolhas virtuais, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Cinco contos sobre a nossa obsessão pelos smartphones. Cinco pequenas vinhetas sobre acidentes (físicos, mal entendidos, incontroláveis efeitos virais etc.). Pequenos momentos que retratam a vida de pessoas normais através de gags sobre efeitos inesperados das nossas relações com os celulares nos quais cada efeito é rapidamente interligado com o personagem da próxima vinheta. É o curta de Peter Huang chamado “5 Films About Technology” (2016) que nos permite fazer uma reflexão sobre dois fundamentos da nossa experiência na modernidade: a tecnologia e o acidente. Mas principalmente o irônico destino dos dispositivos móveis: ao invés da comunicação, a incomunicabilidade – bolhas solipsistas que tornam a realidade um conjunto de impressões sem existência própria. Mas o acidente está sempre à nossa espera: sempre as bolhas estouram. 

Geralmente nos filmes de Hollywood, a tecnologia  é figurada pelo seu mal uso; como ferramenta de golpes por pequenos escroques e super-vilões; ou efeitos catastróficos de bugs e crashs tecnológicos. Mas dificilmente trata da forma como  realmente as pessoas interagem através dos dispositivos tecnológicos. 

As poucas exceções encontramos na cena independente como nos filmes Disconnect (2012 – clique aqui), Bird People (2014 – clique aqui) e muitos episódios da série Black Mirror como “Nosedive” da terceira temporada.

E no curta 5 Films About Technology, do diretor chinês Peter Huang (atualmente vivendo em Ontário, Canadá, egresso da escola de cinema de Sheridan College) , encontramos mais uma produção sobre como Instagram, Facebook, Twitter, Snapchat transformaram-se em verdadeiras próteses dos relacionamentos humanos. Um pequeno estudo antropológico, expondo esse lado do desenvolvimento tecnológico de uma maneira hilária e divertida.

São cinco vinhetas irônicas envolvendo constrangimentos com smartphones: um grupo de jovens em um restaurante interage entre si através de seus celulares, para depois fotografarem os seus pratos e postarem nas redes sociais (“Sunday With The Girls); enquanto assiste vídeo em um site pornográfico, um adolescente inadvertidamente conecta seu smartphone no Bluetooth do carro onde estão sua mãe e sua irmã (“Sunday With Yoursef”); uma selfie inoportuna em uma exposição de arte que viraliza nas redes sociais (EWW); o celular que cai em uma privada com um irônico desfecho (“Face Time”); e o resultado final de tanto solipsismo, numa rápida cena no melhor estilo das gags de um desenho animado (“Geoffrey”).

Peter Huang

 São cinco pequenos momentos que retratam a vida de pessoas normais através de gags sobre efeitos inesperados das nossas relações com os celulares, interligadas – cada efeito inesperado rapidamente é interligado com o personagem da próxima vinheta. Uma narrativa interessante que parece emular a forma como percorremos os nossos feeds na mídias sociais.

Tchaikowsky e tecnologia

A trilha musical escolhida por Huang é o leitmotiv irônico que percorre o curta. A princípio, o diretor pensava em alguma faixa Techno, a princípio mais condizente com o tema tecnologia. Mas o efeito não seria tão engraçado pela obviedade. Preferiu então jogar com o contraste: a “Valsa das Flores” do “Quebra Nozes” de Tchaikovsky. Imaginamos a delicada coreografia do ballet e a harmonia dos movimentos. O oposto das trapalhadas dos desajeitados protagonistas das vinhetas do curta.

O curta 5 Films About Technology são na verdade rápidos contos sobre o solipsismo moderno produzido por um pequeno dispositivo que acompanha as nossas vidas em todos os momentos. E a imagem sobre harmonia e os delicados movimentos de ballet que a trilha musical clássica suscita sublinha essa natureza solipsista do nosso cotidiano: parece que pacientemente criamos verdadeiras bolhas virtuais em torno de nós, produzindo uma realidade em tons pastéis, harmônica que apenas confirma nossos hábitos, crenças e disposições. 

 

Até batermos de frente na realidade dura e teimosa que está lá fora: postes, privadas, a selfie inconveniente diante da palavra “Genocídio” em uma exposição de ativismo de vanguarda etc. 

Solipsismo tecnológico

Mas enquanto a série Black Mirror prefere abordar o solipsismo tecnológico pelo ponto de vista do controle social como no episódio “Neosedive” da Terceira Temporada (um mundo no qual as pessoas lutam para aumentar seu score nas redes sociais para subir socialmente e, ao mesmo tempo, criar uma forma perversa de controle mútuo), nesse curta Huang preferiu explorar o ridículo de situações triviais do dia-a-dia. 

Essa é a proposta central do diretor Peter Huang: se tivéssemos a oportunidade de olharmos para nós mesmos em situações triviais como um almoço, um passeio ou no banheiro do escritório e a maneira como os smartphones fazem a mediação com a realidade e com o outro, perceberíamos como nos tornamos tolos desajeitados.

Mas o curta guarda um ponto em comum com Black Mirror: a reflexão sobre a hipertelia tecnológica. aquilo que uma vez o pensador francês Jean Baudrillard chamou de “hipertelia” (de “hiper”, sobre, além, fora das medidas, e “telos”, de resultado final, conclusão): um certo ponto no desenvolvimento que, sendo ultrapassado, torna as tecnologias totalmente disfuncionais.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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