Dom Pedro 2o e o matuto mineiro que virou Barão

Prefácio do livro “Poços de Caldas de Outrora”, de Ademaro Prezia

Adolescente, aproveitei as férias de 15 anos e pedi ao meu pai, Oscar Nassif, que conversasse com o Padre Trajano Barroco, dono do Diário de Poços, para um estágio como jornalista. Nem me lembro se foram 30 ou 60 dias, de qualquer modo uma experiência inesquecível.

No Diário brilhavam as crônicas de Beatriz Monteiro, os contos do grande Jurandir Ferreira, as crônicas políticas de Jackson (alcunha do padre Trajano, provavelmente em homenagem a Jackson de Figueiredo), os artigos de Edmundo Cardillo, a quem Antonio Cândido tratava por “mestre”, as fotos de José Ranauro, o maior colecionador de fotografias de Poços, além de barbeiro meticuloso que me raspava a cabeça.

Poucos cronistas tinham o sabor de Ademaro Prezzia. Encantava-me seu estilo leve e límpido, como o de Jurandir, sem firulas literárias, sem frases longas, contando histórias como quem conta um “causo” mineiro.

Não tive a oportunidade de conhecê-lo na época, porque já morando em Águas da Prata. Dele tinha notícias através das sobrinhas Goga, Malala, Bebel, amigas queridas.

Os Prezia faziam parte da leva de imigrantes que ajudou a povoar Poços de Caldas e a envolvê-la no ambiente mágico que a acompanhou da descoberta das águas até meados dos anos 70, antes que se transformasse em cidade média.

Conheci pessoalmente Ademaro muitos anos depois, quando trabalhava na biografia do embaixador Walther Moreira Salles. Visitei-o em Águas de Prata a fui presenteado com cópias xerox do jornalzinho “O Bichão”, que ele criou nos anos 20 ou 30 para os funcionários da Casa Bancária Moreira Salles.

Coincidentemente, depois que me mudei para São Paulo, algumas décadas antes de conhecer o jornal, uma das formas de me sentir sempre mineiro, sempre poçoscaldense, era a expressão “bichão” que uso até hoje.

O livro de Ademaro é um mergulho inesquecível nessa Poços mágica.

Através dele, os leitores serão apresentados a Antônio Teixeira Diniz, o Nhonhô, que recepcionou dom Pedro 2 na viagem inaugural da Mogiana. Quando a carruagem de dom Pedro 2 atolou no lamaçal da cidade, Nhonhô tirou a capa e com dois auxiliares ajudou a desatolar. Depois, pulou na boleia, chicote em punho pedindo passagem com uma voz de comando épica que ecoou através do século:  “Sai da frente, meu povo, deixa os burros passar!”. Tornou-se íntimo de Dom Pedro 2, a ponto de contar-lhe “causos” e, depois, bater na sua perna com a maior intimidade: “Pois é, seu coronel, foi esse o dia mais feliz da minha vida”.

Resistir a esse papo mineiro, que há de? Dom Pedro 2 despediu-se do amigo deixando com ele o título de Barão do Campo Místico.

Pelas crônicas de Ademaro passa o histórico doutor Pedro Sanches de Lemos, médico que primeiro estudou as águas de Poços e que, segundo as histórias locais, conseguia estar em linha com os últimos lançamentos médicos e literários da Europa. E passa também o coronel Agostinho Junqueira, herdeiro da sesmaria da região e cujo pai, Major Joaquim Bernardes Costa Junqueira doou à província de Minas os 96 hectares onde nasceu a cidade.

Por pudor, não conta a história que uniu os dois personagens centrais da fundação de Poços. Pedro amava Isaura, que se casou com Agostinho. Pedro esperou muito, muito tempo, até que a filha de Isaura, dona Sinhá, chegasse aos 17 anos. Desposou-a, então, mas sem nunca esquecer sua verdadeira paixão.

Pelas crônicas de Ademaro passam a elite erudita de Pedro Sanches, a mais tosca, de Agostinho Junqueira, e passa boi e passa a congada de Virgolino, rei Congo do início do século, e Pedro Inácio, o “Mané Fogueteiro” da cidade, homem que preparava os fogos de artifício. Passam os banqueiros João e Walter Moreira Salles e o padre Carlos Henrique Neto que, ao lado de Maria, fundou a Escola Dom Bosco encaminhando milhares de crianças para a vida.

Há capítulos destinados aos imigrantes, aos farmacêuticos, aos médicos, entre os quais o doutor Orozimbo Correa Neto, que integrou a Missão Rondon, e que quase se tornou sogro do pianista Ary Barroso, contratado da boate Ao Ponto.

Passa a figura referencial de Francisco Escobar, prefeito no início do século, de quem Ruy Barbosa dizia que “sabe tudo o que eu sei (conhecimento jurídico) e ainda o que eu não sei (era um pianista exímio)”. Escobar orientou Euclides da Cunha nos aspectos botânicos de “Os Sertões” e foi um dos revisores da obra.

Relata, também, a campanha terrível de Mário Mourão contra a Companhia Melhoramentos, de um filho do Conselheiro Antônio Prado, que impedia a cidade de deslanchar.

Um a um vão desfilando os personagens. Nico Duarte, dono da boate Ao Ponto, onde se reuniam as famílias para dançar ou assistir shows; os literatos cariocas que por aqui passavam, Olavo Bilac, João do Rio, Martins Fontes, Coelho Neto, cujo filho Preguinho tornou-se um dos grandes goleadores do campeonato carioca.

O livro reflete com exatidão um estado de espírito presente apenas nas pequenas comunidades, como foi realçado por Antônio Cândido no prefácio de meu livro “O Menino de São Benedito”. O microcosmo das pequenas cidades permite o olhar atento do cronista sobre os ricos e os pobres, os poderosos e os vulneráveis, sem as barreiras hierárquicas dos grandes centros.

As crônicas de Ademaro permitem um mergulho inicial em uma das mais ricas histórias de municípios de um Brasil que se formava.

Luis Nassif

7 Comentários

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  1. E ao fim…

    Todos se tornaram nomes de ruas na cidade, inclusive alguns forasteiros. Sempre achei de uma sonoridade impar o nome da Rua Barão do Campo Místico. Somente agora, com a crônica, fica-se sabendo a origem.

  2. Esse é Poçocaldense Nassif.

    Só o Natal, para fazer alguem tão arraigadamente integrado à rotina corrida de São Paulo, voltar às reminicencias, e desenhar a sua cidade natal e seus quase folclóricos personagens, e não deixar que a vida distante da cosmopolita Poços, faça-o esquecer da sua infancia, e da vida dos personagens da história de Poços de Caldas.

    Repito aqui, o que um dia, disse-lhe numa de nossas conversas: Ele é o mineiro mais paulista que eu conheço, e que de vez em quando, nos enche de alegria, com suas histórias, quase iguais aos “causos” dos seus conterrâneos de Poços.  

  3. Poços de Caldas

    Que delicia ler sobre Poços de Caldas, cidade  em que morei nos idos de 50, tendo estudado no Colégio São Domingos onde o Cônego Trajano era capelao. Voltei a um passado muito feliz! Obrigado, Nassif 

  4. já que se citou D. Pedro II…

    já que se citou D. Pedro II…

    por um lado,

    “O Império foi horrível, continuamos coloniais, mantivemos o latifúndio, a escravidão, a religião católica como oficial, o voto censitário, a educação. O que fez o Império? Nada. O D. Pedro II governava para a elite branca latifundiária, para 10% da população. Em uma sociedade assim, quando os primeiros literatos aparecem, como o José de Alencar, eles têm um projeto de fazer da literatura não ficção, mas documento. A literatura vai ocupar o lugar da sociologia, da geografia, da antropologia, da história, para informar, documentar…”  Professor João Adolfo Hansen na revistae Sescsp, ed. nov / 2013.

    logo, Poços de Caldas, reduto aprazível pastoral da elite política aristocrática rural afrancesada… na sua vidinha provinciana iletrada inculta aos povos do sertão e das minas… era então a cidade, como “d’as mariposas dando vorta em vorta” em torno da elite agrária nobre doce sol farniente em férias vitalícias nas águas minerais e nos cassinos das geraes “pra si isquentá”, é crônica que retrata ibge 10% dos brasileiros mais “as mariposas adoniran dando vorta em vorta” em torno dos potentados maiorais da elite lavoura arcaica com banco rentista na praça piauí… logo tal crônica da vida como ela é… é suspeitíssima (mesmo em pleno reino carnavalesco do espírito natalino) de caber num blog plural de todos os brasileiros! e que conta com uma cota auspiciosa privilegiada aos pobres lulopetistas de espírito crítico.

    por outro lado,

    “Antônio Teixeira Diniz, o Nhonhô, que recepcionou dom Pedro 2 na viagem inaugural da Mogiana. Quando a carruagem de dom Pedro 2 atolou no lamaçal da cidade, Nhonhô tirou a capa e com dois auxiliares ajudou a desatolar. Depois, pulou na boleia, chicote em punho pedindo passagem com uma voz de comando épica que ecoou através do século:  “Sai da frente, meu povo, deixa os burros passar!”.”

    uma explicação do mito sangue azul enredado atolado na vida cotidiana mineira sofrida sem boas estradas, desde aqueles tempos míticos…as péssimas estradas e ruas das geraes:

    “, os reis são de essência sobre-humana, e quando assumem temporariamente certas formas de vida democrática, trata-se indubitavelmente de uma encarnação contrária à natureza, apenas possível por condescendência. Apregoar que os reis são capazes de prosaísmo é reconhecer que este estatuto não lhes é mais natural do que a angelitude ao comum dos mortais, e é constatar que o rei é ainda de direito divino.

    Assim os gestos neutros da vida cotidiana adquiriram no Agamemnon um caráter de audácia exorbitante, como as fantasias criativas onde a Natureza transgride os seus reinos: os reis barbeando-se a si próprios! Este fato foi relatado pela nossa imprensa como um ato de uma singularidade incrível, como se nele os reis consentissem em arriscar toda a realeza, professando assim, aliás, a sua fé em sua natureza indestrutível. 

    […]

    Outro estatuto democrático: levantar-se às seis horas da manhã. Tudo isso nos informa, por antífrase, de uma certa idealidade da vida cotidiana: usar punhos de renda, fazer-se barbear por um lacaio, levantar-se tarde. Renunciando a estes privilégios, os reis relegam-nos para o reino do sonho: o seu sacrifício, embora temporário, fixa na eternidade os signos da felicidade cotidiana.”

    Mitologias. Roland Barthes. Trad. Rita Buongermino e Pedro de Souza. 1989. (R$. 5,00 num sebo atrás da Sé paulistana).

  5. Arcebispo de São Paulo contraria Papa Francisco

    Dom Odilo remove padres de suas paróquias que divergem de sua linha política

     

    O Arcebispo da cidade de São Paulo, Dom Odilo Scherer, promoveu ação no começo de dezembro para trocar os párocos entre seis igrejas da região episcopal do Ipiranga. Não foi dada justificativa para mudança.

    Comenta-se, nos bastidores, que já há algum tempo Dom Odilo queria retirar o poder de padres que divergem de sua linha política. O cardeal pertence à ala conservadora da Igreja e parte dos padres alvos da ação é moderada ou progressista. Ele teria ficado frustrado ao perder a sucessão de Bento XVI, conservador, para um bispo moderado como Bergoglio.

    O Papa Francisco publicou em novembro o documento “Evangelli Gaudium” onde defende a descentralização do poder do Papa e do poder hierárquico dos bispos. Uma das críticas internas do clero é contra a hierarquia da Igreja.

    Comenta-se que com a troca de padres entre as paróquias, o objetivo seria interromper o trabalho de anos nas igrejas dos padres moderados ou progressistas.

    O pároco da igreja Nossa Senhora de Fátima, João Cícero, ficou sabendo da ação do arcebispo por meio de fiéis que leram a notícia no Facebook do padre que vai ser nomeado nesse mês, Wilson Santos da igreja Santa Cristina. Comenta-se que Dom Odilo teria pressa na ação, pois está de malas prontas para sair da arquidiocese tendo Roma como possível destino.

    O padre da Igreja Santa Rita de Cássia, Celso Paulo Torres, por exemplo, está há mais de vinte anos na Paróquia. Comenta-se que ele teria visão progressista na Igreja, a “opção preferencial pelos pobres” defendida pelo papa, contrária a Odilo e próxima a defendida pelo antigo clero brasileiro progressista. Esse foi desarticulado nos anos 80 pela ação do papa João Paulo II e do então prefeito da Congregação da Fé (antiga Inquisição) Bento XVI, por meio também da troca de bispos e padres de suas igrejas.

    Os fiéis das paróquias estão indignados pelo motivo da mudança e tristes por poder perder alguém da “família” com quem convivem há anos. Muitos foram batizados pelo padre e hoje são adultos.

    Os paroquianos das igrejas Imaculada Conceição (pároco Benedito de Abreu), Santo Afonso (Márcio Manso) e Nossa Senhora do Sion (José Geraldo Moura Rodrigues) se articulam para impedir as mudanças. O bispo Dom Odilo não responde aos seus e-mails, mensagens no Facebook, telefonemas e outras tentativas de contato.

    Fiéis das quatro igrejas se articulam para fazer abaixo-assinados e fazerem protestos em frente à Catedral da Sé e da casa de Dom Odilo.

    Outro boato é que os párocos Márcio e Vicente teriam “traído” os colegas concordando com a mudança achando que iriam para paróquias maiores, o que não aconteceu. Eles participaram do conselho presbiteral que votou pelas trocas. Parte deste seria composto por padres novos “carreiristas em busca de igrejas com mais status político e econômico”.

    Os fiéis das três outras igrejas nas trocas Santa Cândida (pároco Jorge Bernardes), Santa Cristina (Wilson dos Santos) e Nossa Senhora de Fátima (João Cícero) não participam das mobilizações. Os dois primeiros seriam conservadores como Dom Odilo.

    Parte dos padres removidos das igrejas também enfrentou o “modelo de pastoral conservador e hierárquico” do antigo bispo auxiliar da região, Dom Tomé, conservador e aliado de Dom Odilo. Dom Tomé foi transferido para a diocese de São José do Rio Preto por ter atingido o tempo limite como bispo auxiliar em São Paulo. Fiéis de lá fizeram recentemente um abaixo-assinado pedindo seu afastamento da região.

    Leis da igreja

    Ainda de acordo com os artigos 1.740 a 1.752 do Direito Canônico da Igreja, um padre só pode ser removido de sua Paróquia por motivo de escândalos e questões morais, financeiras etc que coloquem em risco “a salvação da alma dos fiéis”.

    Demissão na PUC

    Dom Odilo demitiu o professor e padre Edson Tonetti da PUC-SP que não quis assumir o paroquiado da Imaculada Conceição. O pároco da Nossa Senhora do Sion, José Geraldo, não aceitou também ir para a paróquia e vai ser transferido para a região do Belém. A igreja é associada à universidade e enfrenta problemas como a disputa pelo uso do estacionamento.

    Raio-X das trocas de párocos:

    ·         Imaculada Conceição: Benedito Vicente de Abreu (próximo de Dom Odilo e vai para a Paróquia Santo Afonso em data não informada).

    ·         Nossa Senhora de Fátima: João Cícero (conservador e vai para Santa Cândida em fevereiro)

    ·         Santa Cândida: Jorge Bernardes (conservador e vai para a Santa Rita de Cássia em fevereiro)

    ·         Santa Cristina: Wilson dos Santos (conservador que vai para a Nossa Senhora de Fátima já em dezembro)

    ·         Santo Rita: Celso Paulo Torres (progressista e vai para Nossa Senhora do Sion em fevereiro)

    ·         Santo Afonso: Márcio Manso (moderado que vai para Santa Cristina em março)

    ·         Nossa Senhora do Sion: José Geraldo Rodrigues (progressista e vai ser transferido para região Episcopal Belém, em data indeterminada, por não ter aceitado ir para a Imaculada)

     

    Esse texto é divulgado por fiéis interessados em suspender as mudanças. O Clasp (Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo) apoia a iniciativa. Para o presidente da entidade, Edson Silva, o arcebispo perdeu uma oportunidade de mostrar que está alinhado ao chefe do Vaticano. “O cardeal Dom Odilo podia renovar as estruturas das paróquias ouvindo os fiéis de cada comunidade e promover tudo de uma forma mais participativa”, afirma.

    O artigo 212 do Direito Canônico diz que “os leigos devem advertir seus pastores e tornar público suas opiniões” quando não são ouvidos por um bispo.

    Os padres receberam a notícia das trocas no dia 7 na véspera dos seus aniversários de ordenação. Os fiéis recebem a notícia próximo às festas de natal.

     

    Movimento Quero Nosso Pároco

    (11) 964166636

    (11) 99158.8727

    (11) 9709.36544

    (11) 96353.4704

     

    Blog: http://queronossoparoco.blogspot.com.br/

    Facebook: https://www.facebook.com/pages/Movimento-Quero-Nosso-P%C3%A1roco/787339577948639?ref=hl

     

  6. Nassif
    Naquela reunião no

    Nassif

    Naquela reunião no Alemão (lembra?) com a Mineirada, não tinha uns desses ai dessa crônica?

    Lembro que na mesa tinha uns 25 ou 30 de sua infancia…..

    Os unicos intrusos eram Eu e o nosso Amigo que apresentava no SBT o Bom dia Caminhoneiro……

    Precisa escrever mais cronicas heim amigo.

    Abração 

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