Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Sid & Nancy: lixo e fúria no drama gnóstico do Punk Rock, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Poucos meses depois da suspeita de ter matado a própria namorada, Nancy Spungen, o baixista da banda punk Sex Pistols, Sid Vicious, morreu numa overdose de heroína aos 21 anos. O que lhe valeu um lugar no panteão dos ícones trágicos, ao lado de James Dean, Marilyn Monroe e Elvis Presley. Nele, lixo e fúria se encontraram em um drama muito maior do que a história de um menino que não estava preparado para a fama. “Sid & Nancy – O Amor Mata” (1986), de Alex Cox, mais do que um Romeu e Julieta entre cuspes e palavrões, expõe um drama arquetípico para todas as sociedades: o drama gnóstico do último grito de revolta do jovem antes de ser sacrificado nos rituais de passagem para a vida adulta sem esperança. E como a Luz espiritual do jovem (alegria, confiança, boa fé, fúria e revolta) é roubada como combustível que dá vida a uma indústria de entretenimento vazia, assim como mostrado em filmes gnósticos como “Show de Truman” e “Matrix” – protagonistas prisioneiros para servirem de estoque de energia para manter funcionando seja um reality show ou um mundo virtual.

Muito antes da Internet e redes sociais, nos anos 1970 as gravadoras sempre tinham um freak remunerado de plantão, invariavelmente chapado de drogas e antenado nas novas tendências do rock e do pop. Séries como Vinyl, da HBO, mostram como esses freaks participavam de reuniões com executivos bem “caretas”. Eram fundamentais na descoberta de novas bandas e  talentos, minas de ouro para as gravadoras.

Até o momento em que o empresário Malcolm McLaren, dono de uma bizarra loja de roupas sadomasoquistas chamada Sex em Kings Road, Londres, e de bandas covers do The Who, percebeu que esses freaks poderiam se rebelar, e deixar de ser meros cães farejadores da indústria fonográfica. 

Percebeu uma comunhão entre os jovens que frequentavam sua loja: jovens que vestiam roupas rasgadas e perfuradas por alfinetes, cortavam os cabelos de um jeito esquisito, contestavam instituições como a monarquia e a Igreja e desprezavam o elaborado rock progressivo e clássico.

Era início de 1975 e McLaren via nesses jovens entediados e desajustados ecos de um movimento surgido em casa noturnas de Detroit e Nova York com bandas como Ramones e MC5 e nomes como Iggy Pop nos EUA. Era um rock de garagem e visceral que logo seria chamado de Punk.

Já em 1977, MacLaren pressentiu a estagnação da cena do Punk Rock pela repetição das mesmas atitudes nas quais a ideologia anarquista logo se esvaziaria na rebeldia sem causa. Ele viu em um fã da sua banda punk Sex Pistols a imagem perfeita para o estilo e que poderia dar a virada pop: era John Ritchie, conhecido por Sid Vicious, cuja agressividade, imprevisibilidade e inconsequência compensavam sua falta de talento musical – não sabia tocar o baixo.

Sid Vicious e Nancy Spungen em 1978

Segundo relatos da época, Sid Vicious era um completo alienado, desajustado, desempregado, silencioso, fechado, sem falar coisa com coisa. Em seu talento empresarial, McLaren viu nele a possibilidade de um novo script para o Punk, visceral, uma “bomba atômica em potencial”.

Sid & Nancy – O Amor Mata, de Alex Cox (Straight To Hell, Repo Man), é um filme sobre tumulto, violência, amor e dor. Narra a meteórica trajetória de Sid Vicious, a sua ascensão a ícone do Sex Pistols e do próprio Punk Rock, o turbulento romance com a groupier norte-americana Nancy Spungen temperado com muita heroína, até a suspeita de ter assassinado a própria namorada e a morte por overdose aos 21 anos.

Romeu e Julieta entre cuspes e palavrões

Alex Cox faz questão de mostrar que por baixo do couro e correntes, camisetas rasgadas e botas negras de aço há uma relação basicamente convencional entre uma mulher ambiciosa e um homem que ainda era um menino.

Porém, há um drama muito maior do que uma história de Romeu e Julieta traduzida por cuspes e palavrões – há um drama arquetípico na ascensão e morte de Sid Vicious, tão universal que o transformou em ícone pop, no mesmo panteão de Elvis Presley, Marilyn Monroe e James Dean. 

Um drama gnóstico no qual, seja a indústria do entretenimento ou o próprio cosmos, necessitam confinar o ser humano em scripts ou estruturas vazias para extrair dele fagulhas de Luz que ponham em movimento sistemas caóticos constantemente ameaçados pela entropia e morte. Pessoas que, ao seu tempo, são pinçadas do anonimato por suas características únicas (vitalidade, boa fé, alegria, entrega, espontaneidade etc.) para dar energia a estruturas ocas e sem vida.

Mas também angústia, raiva e fúria, energias da revolta juvenil que, no caso do Punk Rock, os demiurgos do entretenimento descobriram que também poderia ser o combustível de uma cena pop que, nos anos 1970, tendia rapidamente para a inércia e morte.

Na trajetória de Sid Vicious um drama microcósmico e macrocósmico se encontraram. Assim como no drama de tantos outros tantos anônimos.

O Filme

Na primeira sequência acompanhamos policiais e investigadores invadindo o apartamento número 100 do decadente Chelsea Hotel em Nova York. Lá encontram Sid Vicious (Gary Oldman) catatônico sentado na cama, mãos ensanguentadas e uma faca na mão. No outro cômodo, o corpo inerte de Nancy Spungen – Chloe Webb. Suspeito por assassinato, foi liberado sob fiança. As evidências é que a morte não foi deliberada, mas que Nancy e Sid foram vítimas de um desses acidentes desordenados que sempre ocorrem com toxicodependentes.

O filme retrocede para os tempos em que os Sex Pistols eram a banda mais infame do mundo e o vocalista Johnny Rotten e o recém-chegado à banda Sid Vicious viviam no apartamento de Linda Ahsby, uma prostituta dominatrix. Lá, Vicious conheceu Nancy, uma stripper de Nova York cuja razão de viver era ir para a cama com roqueiros famosos.

Entre conflitos por drogas e dinheiro, logo cresceu entre Sid e Nancy uma estranha relação afetiva: ele, orgulhoso por ter uma namorada de Nova York. E para ela, Sid era alguém que ajudava a lembra-la que ainda estava viva entre um coquetel e outro de drogas.

Cox retrata muito bem a presunção Punk – a rejeição total à sociedade convencional por meio do seguinte credo: “Tenho um problema, e o problema é você!”. Para os Pistols ficarem frente à frente com uma turba de jovens sem emprego, educação e nenhuma oportunidade, deveriam ser mais violentos e negativos do que seus seguidores.

O filme retrata como Sid Vicious era alguém provinciano, alienado e raivoso que lhe foi entregue a fama e uma certa quantidade de poder e dinheiro. Mas, paradoxalmente, o seu sucesso dependia de estar sempre fodido: nos shows, os fãs jogavam papelotes de drogas para Vicious, enquanto ele tentava tocar o baixo. Queriam vê-lo morrer numa overdose, ao vivo. A mesma coisa viveu David Bowie (um dos inspiradores do visual Punk) – o público esperava que um dia ele morresse no meio de um show.

Bowie fugiu de tudo isso  auto exilando-se em Berlim. Mas Sid Vicious se dirigiu para o olho do furacão (Nova York), ao lado de Nancy, após a última turnê dos Sex Pistols em 1978, nos EUA.

Um drama gnóstico

O leitor do Cinegnose certamente já deve ter assistido aos filmes gnósticos clássicos Show de Truman e Matrix. Em ambos os filmes, a razão pela qual os protagonistas são prisioneiros (no primeiro, um reality show e no segundo, o mundo virtual da Matrix) é porque seus demiurgos (o diretor do reality show e as máquinas que conceberam a Matrix) querem extrair deles algum tipo de energia vital – a alegria de Truman “que inspira milhões” e o élan vital dos corpos em suspensão em incubadoras que funcionam como pilhas que mantêm a Matrix em funcionamento.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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