Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Espiritismo e iconolatria no filme “Chico Xavier”

Mais do que um filme que evita tratar o tema Espiritismo para um nicho de público especializado, “Chico Xavier” de Daniel Filho apresenta um sintoma do destino da religisiosidade e do sagrado na atualidade. Ao tratar o tema de forma comercial para um grande público (sejam ateus, católicos ou mesmo espíritas) acaba reduzindo o Espiritismo ao mínimo denominador comum de toda religiosidade na indústria do entretenimento: iconolatria e um, por assim dizer, ecumenismo pós-moderno que filtra a vida de Chico Xavier através do ideário pragmático da autoajuda.

Depois da comédia de costumes, os olhos do cinema de massa do chamado período de “retomada” do cinema brasileiro volta-se para o Espiritismo e religiosidade. Depois do sucesso de “Bezerra de Menezes – Diário de um Espírito” de Glauber Filho e José Pimentel, o diretor Daniel Filho (no esteio de sucessos de bilheterias à época como “Se Eu Fosse Você”) explorou esse novo filão temático do cinema brasileiro.

A primeira coisa que chama a atenção no filme “Chico Xavier” é o apuro técnico com muitos travellings e movimentos de grua com câmera, a decupagem “clipada” e inquieta, a narrativa marcada por sucessivos flash backs (o eixo da narrativa – o “tempo presente” – é a noite da histórica participação do protagonista no Programa “Pinga Fogo” da TV Tupi em 1971 que, programado para uma hora, acabou se estendendo para três). 

O resultado visual é a da fluidez e suavidade, ainda evidenciado na escolha da trilha com músicas atonais de Egberto Gismonti. Somada ao cast de atores da TV Globo, temos um filme com o chamado “padrão Globo de qualidade” em que a linguagem cinematográfica é absorvida pela televisiva: profusão de planos médios e fechados, evitar contrastes fortes e a fotografia em tons pastéis e muito iluminado. E, principalmente, a personalização da narrativa, sublinhada pelo predomínio dos primeiros planos.

É aqui que reside no filme Chico Xavier o sintoma de como a religiosidade e o sagrado são abordados na indústria do entretenimento: na iconificação do sagrado, e na dispersão da religiosidade numa espécie de, por assim dizer, “ecumenismo pós-moderno” onde o sentimento religioso e a filosofia doutrinária são retiradas do contexto original para ser filtrado pelo ideário do autoconhecimento e da autoajuda.

Além disso, dois fatores adicionais devem ser considerados para entendermos a visão do espiritismo e da religiosidade passada pelo filme: o ateísmo do diretor Daniel Filho e o agnosticismo do ator Nelson Xavier (que representou Chico Xavier na velhice). Somada a proposta de fazer um filme compreensível para todos os públicos, temos como resultado o seguinte: em vez de colocar em primeiro plano o Espiritismo, o filme posiciona Chico Xavier como uma grande personalidade brasileira, que sofreu abusos de uma madrinha malvada e lutou para sobreviver à descrença, deixando um legado de paz e conforto para famílias que perderam entes queridos.

Uma “lição de vida” que representa o pragmatismo que é a base de todo ideário da autoajuda: pouco importa se Deus existe ou não. Se acreditar Nele lhe trás felicidade, então Ele existe. O filme filtra a vida de Chico Xavier pelo ideário da auto-ajuda ao reduzir toda doutrina e filosofia a conservadoras lições de vida que, no final, justificam a crueza do cotidiano. Mais do que estratégia comercial para buscar grandes bilheterias, é um sintoma do destino do sagrado e da religiosidade na indústria do entretenimento.

“Disciplina, Disciplina, Disciplina!”

Nas relações do indivíduo com a experiência do sagrado (do indivíduo com o abstrato ou o Todo), a iconolatria (adoração de imagens, estátuas etc.) é o aspecto regressivo da religiosidade. Ao reduzir a expressão da religiosidade a um ícone, passamos a ter uma relação fetichista com a imagem, reduzindo toda a expressividade ou doutrina a um personagem ou entidade aparentemente física e tangível.

Por exemplo, ao invés de entendermos o evangelho idolatramos compulsivamente a figura de Cristo na Cruz.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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