Filme sobre Iara Iavelberg reforça tese de execução na ditadura

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Desconstruir, por meio de depoimentos, documentos oficiais e laudos médicos, a versão oficial sobre a morte de Iara Iavelberg. Essa é a contribuição do documentário Em Busca de Iara à história nacional. A tese de que a mulher por trás de um dos principais inimigos da ditadura militar, Carlos Lamarca, disparou um tiro contra o próprio peito após ser cercada por militares cai por terra a partir do momento em que o corpo da militante é exumado. E dá origem à obra que estreia nesta quinta (27).

A família de Iara pôde reavaliar as causas de sua morte a partir da exumação, em 2003, após anos de luta no Judiciário. A análise do médico Daniel Munhoz, perito da Universidade de São Paulo, aponta que a distância do disparo não é compatível com a tese oficial de suicídio.

Com o novo resultado, os restos mortais da mentora política de Lamarca foram enterrados novamente em 2006, no Cemitério Israelita de São Paulo, mas agora não mais na área reserva a suicidas, para “alívio da família”, como conta a roteirista do documentário e sobrinha de Iara, Mariana Pamplona. 

Mariana, que recebeu outro sobrenome para não ser vítima de represálias pós-período ditatorial, revela que é a partir do registro em imagens desse enterro que surgiu a ideia de produzir o documentário.

A obra, dirigida por Flávio Frederico, será lançada no circuito nacional na Bahia, estado onde Iara morreu em 1971, aos 28 anos. No ano passado, o projeto rodou em festivais, como o paulista É Tudo Verdade, onde ganhou uma menção honrosa. Agora, seguirá para o circuito internacional em Cuba e Uruguai.

“Não é um filme ‘biography’ comum. É um filme de investigação, em que tentamos desconstruir a versão oficial [da morte de Iara] e construir uma nova para os fatos. Tudo isso com depoimentos, imagens de arquivos e documentos”, pontua Mariana.

Segundo a descendente de Iara, por conta da vitória na justiça para exumação do corpo, a família teve acesso, também, a documentos que estavam guardados em Brasília, em sigilo. “Havia detalhes internos de como o cerco [em um prédio em Salvador, onde Iara se escondia, distante de Lamarca] foi montando. Quantos homens tinham, qual o posicionamento de casa um. A gente pôde entender a fundo como o cerco aconteceu”, revela.

https://www.youtube.com/watch?v=fwTMrLqx5wg]

 

As origens da musa da resistência

Iara Iavelberg entrou para a militância na época em que estudava psicologia. O curso era ministrado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, numa época de efervescência cultural “muito compreensível”, conforme lembra Mariana. “Deve ser horrível viver o cerceamento da liberdade, ter de seguir regras.” Foi nesse ambiente que a militante de família judia, abastada, casada aos 16 com um estudante de medicina, largou tudo para combater as forças de repressão.

Na vida clandestina, em meio a grupos de ideologia esquerdista que acreditavam na luta armada contra o golpe militar, Iara conheceu Carlos Lamarca, com quem viveu um romance inspirador, eternizado. “É inevitável falar do Lamarca [no documentário]. Na viagem para a Bahia [a última do casal], ele foi com ela até Salvador [e depois se escondeu no interior do Estado]. Ele aparece através de vários depoimentos. Mostramos os trechos dos diários que ele escrevia para ela”, afirma Mariana.

“Muita gente achava que a Iara era amante do Lamarca. E o filme vai mostrar, através dos depoimentos, o quanto ela era importante para a formação política dele. Ela apresentava muitos livros, teve um papel importante. Foi muito mais do que uma amante, [uma mulher] bonita. Era uma pessoa forte que ajudou o Lamarca a se inserir no contexto da guerrilha”, completa.

 

A marca da violência

“[A morte de Iara Afetou muito a vida da minha família. Os meus dois tios, irmãos mais novos dela, também entraram para a luta armada, mas em determinado momento, quando o cerco começou a fechar, eles saíram do país. Tudo afetou muito a minha avó. O tempo inteiro, durante essa fase de clandestinidade, a vida era muito complicada. A polícia invadiu a casa dela várias vezes, ela recebeu telefonemas de madrugada, dizendo que Iara estava morta. Era um estado de tensão e vigília constante. Minha avó nunca se recuperou dessa perda. Minha mãe estava grávida de mim quando recebeu a notícia da morte da irmã pelo rádio. É uma história muito dolorida para a família”, relata Mariana.

Outras histórias

A morte de Iara é um episódio relacionado à crueldade praticada também contra Nilda Cunha. A adolescente abrigou a mulher de Lamarca em Salvador e, quando da morte da militante, foi presa e torturada de forma violenta. Diz a história que Nilda foi obrigada a tocar em Iara morta. Saiu da prisão, mas morreu pouco tempo depois.

“Temos depoimentos de Leônia, irmã da Nilda. É um momento forte, emotivo. O caso é outro que está para ser revisto. Quando ela foi solta, em pouquíssimo tempo depois ela ficou cega e morreu. Suspeita-se que foi envenenada, estuprada, e isso deve ser investigado”, sustenta Mariana.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

4 Comentários

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  1. ok!  mas cá entre nós e

    ok!  mas cá entre nós e ficção e bem mais heroica para o Lamarca que a realidade de um execução!  

    se tivesse sido capturado teria sido torturado, e não esqueçamos, que independente da causa que defendia ele era um desertor! 

  2. É uma honra, para nós, povo

    É uma honra, para nós, povo brasileiro, ter entre nossas fileiras “desertores” de um exército de traíras, que serviu aos interesses dos EUA e dos empresários e latifundiários. Felizmente agora, ao que parece, as Forças Armadas brasileiras estão cumprindo o seu papel constitucional, ao invés de conspirar contra governos legitimamente eleitos pelo povo brasileiro. Iara e Lamarca são dois símbolos da heróica resistência que muitos, de várias formas, opuseram ao regime civil-militar que assaltou o poder e impôs, durante 21 anos, tenebrosas transações, torturas e execuções.

  3. O regime do medo

    Vou procurar ver o filme. Eh importante que a historia, a dignidade e a coragem de todos que lutaram contra esse regime cruel que tivemos, sejam restabelecidos. 

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