Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Filme “Transcendence” mostra fábula nietzschiana sobre tecnologia e poder

Crítica e público estão massacrando o filme “Transcendence – A Revolução” (2014). Todos esperavam um sci fi clássico com super-heróis e narrativas de ação e terror. Mas o filme nos oferece uma extrapolação do atual discurso autopromocional das neurociências e ciências da computação através do olhar de uma autêntica fábula nietzschiana sobre o Poder: a grande questão da onisciência e onipresença de uma suposta superinteligência digital por trás de corporações como Google e do projeto da Internet das Coisas não é a do Poder vulgar em conquistar mais dinheiro e controle político: é o Poder pelo Poder, como jogo, vontade de potência em transcender os limites da ética e moral humana representado pela superação do próprio corpo.

Nelson Rodrigues dizia que toda unanimidade é burra. Certamente essa máxima pode ser aplicada à forma como a crítica e o público está recebendo o filme Transcendence – A Revolução. Bilheterias decepcionantes nos EUA e Brasil e péssimas críticas tanto aqui como lá.

“Muito conceito e pouca história para contar”, “explicações incessantes”, “elenco estrelado (Johnny Deep, Morgan Freeman e Cillian Murphy e Paul Bettany) que parecem não saber o que fazer trocando frases soltas entre si”, “pretensioso e chato” etc. O que parece criar estranhamento para os críticos são os desempenhos “contidos” ou até “robóticos” do protagonista Deep e um filme que parece investir muito mais nas rimas visuais e em conceitos abstratos do que em uma história dramática.

Crítica e público esperavam um “filme de ficção científica” com super-heróis ou narrativas de ação e terror com um “sabor” de sci-fi, que é o que normalmente Hollywood oferece. Mas o que o diretor Wally Pfister (desde o filme Amnésia diretor de fotografia dos filmes de Christopher Nolan) foi uma verdadeira ficção científica: a partir da agenda tecnologia atual, extrapolar para onde estamos indo e o que isso pode significar para a raça humana, intelectual e espiritualmente.

O que talvez tenha estimulado esse boicote quase generalizado da crítica é que Transcendence acerta em cheio no cerne da atual agenda tecnognóstica: a transcendência da própria existência por meio de uma superinteligência “em nuvem” capaz de integrar sociedade e natureza numa gigantesca rede neural por meio de nanotecnologia (Google? Internet das Coisas?). E o que há por trás dessa agenda? O poder em sua forma mais pura e abstrata: a vontade de potência. Por isso Transcendence é o mais nietzschiano filme sobre tecnologia jamais feito.

O filme

Johnny Deep faz uma espécie de Dr. Frankenstein moderno, Will Caster, um neurocientista especializado em inteligência artificial que no início do filme confronta uma plateia numa palestra sobre as possibilidades de mudar o mundo através da “singularidade tecnológica” – a criação de um computador autoconsciente que atravessaria a fronteira entre o homem e a máquina. Acusado de tentar criar um novo Deus (“e não é isso que o homem sempre tentou?”, responde), Caster sofre um atentado de terroristas anti-tecnologia e escapa ferido.

Mas logo descobre que não era um simples atentado à bala: ele foi contaminado por um elemento radioativo e morrerá em pouco tempo. Diante da morte iminente, sua esposa e pesquisadora Evelyn (Rebecca Hall) e Will Caster decidem fazer um upload da sua consciência para o banco de dados do gigantesco computador chamado P!NN (um mix de computação quântica e rede neural física e independente, projeto de Caster).

Após a ousada operação, sua consciência ressurge como uma espécie de fac símile da sua alma e prontamente exige um acesso super-rápido à Internet. Mas o que ou quem é essa nova entidade digital sensciente? A reencarnação digital do amor perdido de Evelyn? Ou uma entidade cada vez mais voraz, uma extensão tecnológica distorcida das próprias ambições de Will Caster?

A entidade digital que habita a plataforma P!NN expressa as intenções messiânicas e de compaixão com o ser humano e o próprio planeta: quer “consertar” deficientes físicos, doentes e livrar a Terra dos problemas ecológicos. Através de nanorobots criados em um gigantesco laboratório nos subterrâneos de um vilarejo perdido no meio do deserto, a versão digital de Caster consegue fazer mortos reviverem, cegos e deficientes físicos se curarem e até fazer chover por meio da nanotecnologia que começa a espalhar fractais da superinteligência de Caster na própria natureza. Só que, em troca, os seres humanos curados tornam-se “híbridos”, hospedeiros desses fractais da superinteligência como formigas comandadas por uma formiga-rainha. Caster transformado em uma superinteligência onisciente e onipresente cria um exército de quase autônomos dispostos a proteger o seu propósito mais profundo: abandonar a plataforma P!NN e se integrar ao próprio tecido da realidade, uma superinteligência “em nuvem” – o panteísmo digital.

O discurso autopromocional das neurociências

O irônico no filme (pois simbolicamente apresenta o atual discurso autopromocional das neurociências) são os bem intencionados propósitos da revolução tecnológica de Will Caster: a cura do Mal de Alzeheimer, evitar a destruição do planeta, acabar com fome e guerras, fazer cegos enxergarem e paralíticos andarem…, mas sob o preço de criar uma nova ordem autoritária de controle e dominação, contra a qual os terroristas antitecnologia lutam. Como no atual discurso messiânico da agenda tecnognóstica, a transcendência de Caster é uma mistura de misticismo, religião e tecnologia.

 Transcendence é o mais nietzschiano filme sobre tecnologia porque revela que por trás de todo esse discurso bem intencionado sobre a tecnologia promovido pelas grandes corporações e neurocientistas está a vontade de potência como a própria essência do Poder. Essência amplificada em um discurso tecnognóstico que limita a inteligência e a consciência a um fenômeno da mente e que transcenderia as limitações corporais.

Nietzsche e a Vontade de Potência

O conceito de Vontade de Potência foi criado pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). A Vontade de Potência estaria em todo universo como luta constante, sem equilíbrio possível, apenas tensão pelo incessante movimento das coisas, ora delicado, ora violento. Movimento que vai das reações químicas à psique humana.

É a vontade que procura expandir-se, superar-se, juntar-se a outras e se tornar maior. Tudo no mundo é Vontade de Potência porque todas as forças procuram a sua própria expansão. A vontade de dominar, fazer-se mais forte, constranger outras forças mais fracas e assimilá-las. 

A chave de compreensão do filme Transcendence está na fala da consciência de Will Caster quando desperta no interior de P!NN:

“Vou precisar expandir. Preciso de mais energia. Preciso de um processador três vezes mais rápido do que o sistema atual. Não consigo descrever, é como minha mente estivesse livre. Precisam me colocar on line. Preciso acessar mercados financeiros, banco de dados educacionais…”.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

5 Comentários

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  1. Excelente filme…

    Assisti esse filme neste fim de semana e achei o melhor filme, não apenas de ficção científica mas em geral, que ví nos últimos tempos.

    A história é muito boa, o tema muito atual e instigante e a realização muito bem cuidada. Não segue a estrutura clássica de um filme hollywoodiano, mas em minha opiniõ isso atesta a favor e não contra o filme.

    É um filme que eu recomendo tranquilamente a quem quer ver uma boa história abordando idéias. No entanto quem quiser ação é melhor se voltar para os transformers e avengers da vida, porque vai achar o filme meio paradão, coisa que eu pessoalmente não achei.

  2. Isso não é um spoiler!

    O filme é bom pra dormir. Pense num filme pra dormir. Não há nada de mais sci-fi, se não a manjada tentativa de vender o peixe da possibilidade de upload das informações cerebrais.
    Óbvio que a consciência humana é assunto esgotado… digo, algo me diz que o novo paradigma surgirá numa palestra TED. Pense. Para baixar “um macaco que depois de digitalizado pediu pra morrer” foi preciso uma instalação do tamanho de um prédio , mas para  o johnny depp três processadores do  tamanho de um celular num ultrabook desses ponta de estoque deram conta do recado – claro, e ainda tem os eletrodos intracranianos – e pronto, o cara morre, vira cinzas, o vento joga o pó na cara do morgan freeman na beira de um lago que só faltou o crocodilo gigante alimentado por vacas de uma inocente velhinha. Não é um saco isso? O cara ser quantizado num hd que pode ser formatado. Depois neguinho pira querendo se fundir com a realidade e a culpa é de quem? Do PT, é claro.

  3. Recomendacao

    Não é tão ruim neste filme. Transcendência ou Transcending (a propósito aqui eu pendurá-los no site oficial com o seguinte cronograma: http://www.hbomax.tv/movie/WHL230260) é um filme muito estranho futurista curto prazo representava um futuro muito sombrio para toda a humanidade; e esta catástrofe não é causada por zumbis, mutações genéticas ou estrangeiros, mas sim o homem em sua busca eterna para criar homens de super, uma corrida sem limites para alguns extremistas e fanáticos poderia ser classificado como deuses.

     

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