Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Frankenstein, Inteligência Artificial e pós-feminismo em “Desejos Virtuais”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Esse é outro filme para cinéfilos que adoram se aventurar por filmes estranhos. Dessa vez, para aqueles que acreditam que por trás do senso de humor trash de filmes que aparentemente não se levam à sério há importantes temas para serem discutidos. “Desejos Virtuais” (“Teknolust”, 2002) é um filme que reflete todo o ciber-imaginário pós-humanista (com motivações místicas) e do velho conceito de Inteligência Artificial (que ainda tentava emular a inteligência humana) por trás da antiga Web 1.0. Uma bio-geneticista clona seu próprio DNA em três mulheres “Autômatos Auto Replicantes” (SARs) que habitam um site da Internet. Porém, necessitam de constantes quantidades de cromossomo Y presente no sêmen humano. Uma delas deve se aventurar no mundo real para, através de sexo casual em bares locais, obter preservativos usados que servirão de sachês que serão consumidos pelas SARs. Frankenstein de Mary Sheeley se encontra com o psicodelismo de Timothy Leary e o pós-feminismo de Camile Paglia. 

Era uma vez a Web 1.0., resultante de desde os trabalhos de Ted Nelson nos anos 1960 criando o “hipertexto” (hiperligações que nos remete a blocos de textos, imagens ou sons)  até o surgimento da World Wide Web  por Tim Berners-Lee em 1990. Dessa maneira estava formada a arquitetura do que a Internet seria hoje. Porém, com o impulso idealista de transformá-la numa janela aberta para o mundo, com informações acessíveis para todos – uma grande biblioteca universal, com possibilidades infinitas de criação de novas ideias.

Um projeto tão antropocêntrico que a seminal cibercultura da obra Neuromancer de William Gibson imaginava que, através de implantes neurais e microbiônica, o próprio eu descorporificado poderia navegar pelos bytes dos dados das redes – poderíamos “virar silício”: incrementar os nossos próprios corpos com tecnologia.

A motivação religiosa estava clara por trás de tudo isso: fazer o Verbo (códigos e ícones) se transformarem em Carne – o milagre da transmutação na qual símbolos se convertem no corpo de Cristo. A presença real de Cristo em uma espécie de Eucaristia digital planetária.

 Então surgiu a Web 2.0 na qual grandes empresas do Vale do Silício correram para tentar capitalizar as buscas dessa biblioteca universal e uma cibercultura altamente adicta. E como não poderia deixar de ser, o homem deixou de ser o observador de uma janela aberta para se degradar em mero fornecedor de dados para uma Internet que ganha vida própria e se transforma numa criatura supra-humana. Enquanto os algoritmos criam efeitos-bolha dentro das quais os usuários têm a ilusão de ainda continuar diante de uma janela aberta olhando livremente para o mundo.

 

O filme Desejos Virtuais (Teknolust, 2002) é um documento histórico do período transitório do início desse século entre a Web 1.0 e 2.0. Uma curiosa interpretação da cibercultura da primeira fase da Internet e de todo imaginário pós-humano e do conceito de Inteligência Artificial (IA) que inspiraram aqueles tempos.

Imagine o leitor, misturar Frankenstein de Mary Sheeley, o psicodelismo de Timothy Leary e o pós-feminismo de Camile Paglia. 

Então, terá toda a bizarrice da narrativa de Desejos Virtuais. Porém, tudo em um tom brincalhão, em um filme que parece não se levar à sério. Em com nada mais e nada menos do que a atriz Tilda Swinton como protagonista, se multifacetando em quatro personagens – Tilda, uma atriz “estranha” e camaleônica, especializada em personagens andróginos e controversos.

Todos os sonhos antropocêntricos da Web 1.0 estão lá: os avanços cibernéticos-genéticos, o mix clonagem e pós-feminismo (a reprodução autônoma da espécie sem a necessidade dos homens), o pós-humano, o design e interface da Internet desses tempos. Mas principalmente, um conceito de IA ainda como extensão do homem: como os códigos digitais ainda tentavam emular a inteligência humana, o seu livre-arbítrio e individualidade. 

Antes de surgir as megacorporações do Vale do Silício e a Web 2.0 na qual a nova IA algorítmica abandonou a pretensão de imitar a inteligência: através de iscas das interações, convergências tecnológicas, perfis e informação personalizada, o homem rebaixa seus padrões de inteligência e fornece todas as informações da vida privada para a gigantesca inteligência supra-humana corporativa.

 

O Filme 

Tilda Swinton é uma bio-geneticista nerd, apropriadamente chamada Rosetta Stone, que brinca de Deus em um computador com seus códigos ultrassecretos. Só que ao invés de criar monstros ao estilo Frankenstein, ela cria SRAs (Autômatos Auto Replicantes): três belas mulheres que são versões vestidas de quimono da cientista – a impertinente e sensual Ruby; a tímida Olive; e a reprimida Marinne. Na verdade, a expressão virtual do psiquismo conflituoso da cientista.

Elas vivem dentro de um software cujas interfaces são, para a Internet, um site com um design ao estilo Web 1.0. E para o mundo real, a tela de um forno de micro-ondas na cozinha da casa de Rosetta.

Rosetta monitora os sinais vitais das suas criações feitas a partir do seu próprio DNA. Isso é fundamental, já que os seus clones cyborgs precisam eventualmente se aventurar pelo mundo real (principalmente Ruby, que se materializa através do forno de micro-ondas!) para obter o cromossomo Y na forma de sêmen humano. 

Por isso, Ruby se aventura em bares locais em busca de sexo casual para conseguir homens “fornecedores” por meio de preservativos. O detalhe bizarro: os preservativos se transformam em sachês de chá que mais tarde serão consumidos pelos SRAs no mundo digital, mantendo a contagem cromossômica e a vida artificial.

 

Mas essas relações promíscuas entre o digital e o real cobra seu preço: os “fornecedores” começam a apresentar estranhos sintomas – seus PCs começam a apresentar falhas no disco rígido, o usuário começa a sofre de impotência e uma espécie de código de barras começa a surgir na testa.

Dois agentes especiais federais começam a investigar a epidemia viral: Hopper (Jamer Urbiniak) e “Dirty Dick” (numa performance impagável da veterana Karen Black). Rosetta Stone é detida preventivamente como suspeita, deixando seus SRAs livres para fazer incursões clandestinas no mundo real. 

E daí os problemas irão começar: aos poucos Ruby, Olive e Marinne tornam-se sencientes, autônomas e começam a descobrir as emoções.

Desejos Virtuais é um filme deliciosamente estranho para cinéfilos: Um forno de micro-ondas como interface entre o mundo real e virtual? Um chá com sachê de preservativo usado?…

Mas, como acredita esse humilde blogueiro, todo filme é um documento histórico do imaginário de determinada época.

 

Espírito, Carne, Alma e Ícone!

Após o crash do índice Nasdaq em 2000 e a quebradeira das empresas “ponto com”, foi necessária uma total reformulação do esquema de negócios na Internet. Nos anos 1990, empresas como Yahoo e Google tentaram começar a capitalizar comercialmente as buscas na Web 1.0. Mas encontraram o plano de conteúdo da web, o lado cultural, funcionando bem sem um plano de negócio. Como, então, vincular propagandas às buscas?

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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