Gauchismo e o Movimento Tradicionalista Gaúcho

Por &duardo

Comentário ao post “O feriado do 20 de setembro no Rio Grande do Sul

Aliança, já leu Tau Golim? Recomendo a todos que quiserem saber a verdadeira história da revolução farroupilha e também como o facismo inspirou e criou o mito Gauchismo. Sou gaúcho, agricultor e moro na fronteira. O que o Movimento Tradicionalista Gaúcho conseguiu, foi sufocar o verdadeiro folclore daqui, tanto que eu acho que nem é considerado folclore. Ditou e inventou regras, distorceu e escondeu fatos históricos (vide Bento Gonçalves, herói ou ladrão? E o seu duelo? Ou de Canabarro na batalha de Porongos, o que fizeram com os lanceiros negros?). Por isso que volta e meia aparece um retardado invocando o “espírito gaúcho do passado” e começa a falar em separatismo. Isso aconteceu muito no tempo dos Fernandos, quando o Brasil foi a bréca, os AliançasLiberais queriam se separar, pois foram preteridos pela oligarquia maior. Aqui ninguém leva eles a sério.

Tau Golin é Professor Doutor e atua na Universidade de Passo Fundo no Curso de Mestrado.Prof. Tau Golin no seu gabinete de trabalho.Prof. Tau Golin no seu gabinete de trabalho.

Do Sul 21

Hegemonia gauchesca

Um dos fenômenos socioculturais mais emblemáticos do Rio Grande do Sul, com repercussão no Brasil, começou a ocorrer em 2007.

Alguns representantes da área cultural e da comunicação sistematizaram as interpretações e as opiniões de dezenas de intelectuais e artistas sobre o Movimento Tradicionalista Gaúcho.

As fontes foram diversas, a exemplo de livros, artigos, ensaios, entrevistas para a mídia, debates públicos e conversas pessoais.

Reafirmou-se a constatação que esse universo gauchista abrange, em seu conjunto, três paradigmas formativos da historicidade sul-rio-grandense, com implicações nas relações com os platinos-estrangeiros e com o Brasil.

Pode-se distingui-los na dinâmica de que o fenômeno do Tradicionalismo, um movimento criado na sociedade civil, de caráter privado, com interpretação singular sobre a formação sulina e estabelecimento de calendários de celebração do passado-presente, apossando-se de setores do Estado (redundando no civismo pilchado), implicou em embates sobre a memória e a história, a construção do hegemonismo gauchesco, com correntes fundamentalistas, e o bloqueio sobre a representação simbólica da diversidade social e cultural.

No conjunto das análises, entre outros processos, ficou evidenciado que o movimento tradicionalista, para se credenciar publicamente, utilizou técnicas de invenção e construção do mito fundante, elegeu um episódio político-bélico (guerra civil de 1835-45, que glorificam como a Revolução Farroupilha) e de interesse de classe do passado (oligarquia), operando sobre ele para estabelecer paradigmas, referências axiomáticas e manipulação de identidade gentílica. Adicionaram xenofobia à manipulação do conceito de guerra de libertação colonial na fantasia de que no século XIX o Rio Grande unanimemente combateu o Império.

Os tradicionalistas se colocaram no centro da operação sobre a autenticidade, assumiram os postos de guardiões de um pretenso Rio Grande tradicional, usando artifícios das construções das nações étnicas em uma região mestiça. Ou seja, o Tradicionalismo evidenciou-se como problema contemporâneo, vitorioso na celebração da identidade, construída pela rede societária de CTGs e Piquetes, com um órgão central de orientação, adestramento e controle (MTG), imposição de cartilhas de comportamento e visão sobre o passado, o lugar e o futuro de seus milhares de militantes no mundo. Para vingar, precisou supor que as suas “práticas” decorrem como sucedâneas da história.

Entretanto, todas as suas “verdades” são refutadas pela historiografia, sociologia, antropologia críticas e jornalismo culto.

A compreensão do núcleo estruturante da análise sobre o MTG, por considerá-lo questão da conjuntura, que se coloca como intérprete do passado, normatizador de comportamentos no presente e proposituras para o futuro, foi além da análise e se expressou no campo da práxis, com a compreensão de que o Tradicionalismoé um movimento ideológico, abrigando múltiplas correntes.

E, como força político-comercial-cultural que interfere na sociedade com a pretensão de formatá-la a sua visão comportamental de mundo, merecia ser considerado nesta esfera militante, que opera com interesses sociais, econômicos, políticos e culturais.

 

Manifesto


Nesse paradigma, o núcleo falou à sociedade através do Manifesto contra o Tradicionalismo. A ela ofertou um texto de reflexão e denúncia. Refere-se a uma violação da vida republicana pelo Tradicionalismo. Portanto, diz respeito às instituições do Estado e da sociedade civil. Do ponto de vista cultural e educacional indica as implicações que a hegemonia e a influência do MTG possui nessas esferas, a sua forma seletiva, normatizadora, e excludente de elementos constitutivos da historicidade rio-grandense, além de pretender controlar a liberdade artística.

Acima de tudo, o Manifesto demonstra como um movimento de interesse particular, em um viés fundamentalista pilchado, em seu limite, opera no Rio Grande do Sul, selecionando, consagrando e reconhecendo as manifestações que comungam com sua visão de memória, de cultura; e faz um alerta máximo: a destruição do patrimônio rio-grandense, da diversidade, do folclore, da tradição, pois readaptou os seus elementos em um processo sistêmico palanqueado no ícone da estância oligárquica e selecionou como monumentos tutelar senhores de escravos.

Na imanência dessa cavalgadura tudo passou a ser considerado gauchesco e transformado em sua aparência. Não respeita as historicidades dos lugares e dos grupos sociais. E leva os governos a rebenque para manter suas guaiacas estufadas.

Desse ponto de vista, o Manifesto condenou a militância tradicionalista para mangueirar o povo, demonstrando a insustentabilidade histórica de sua pretensão usurpadora, ao mesmo tempo em que defende um processo de inclusão na historiografia e na cultura de participação e representação republicana de todos os segmentos sociais.

Com os signatários iniciais, o Manifesto foi disponibilizado na internet. Através de um link, aqueles que concordavam com suas reflexões, passaram também a assiná-lo durante algum tempo. Multiplicou-se vertiginosamente por blogssites e emails. Uma repercussão extraordinária! Exceto para a mídia tradicional. Nenhum jornal impresso, rádio ou televisão pautou o assunto. Enquanto isso, as redes sociais o multiplicaram, novas interpretações apareceram, milhares de acessos ao endereçohttp://gauchismos.blogspot.com/.

 

A repercussão


Porém, nesse processo, outro fenômeno transpareceu como uma avalanche contundente. Centenas deemails foram enviados para o endereço online disponibilizado. Neles, as pessoas justificavam porque não poderiam assinar o Manifesto. Histórias esclarecedoras e dolorosamente desumanas.

Todas possuíam o mesmo nexo: a retalhação, a repressão de suas atividades profissionais e, invariavelmente, a perda de empregos e negócios, caso chancelassem publicamente o Manifesto. Professores relataram que suas “incompatibilidades” com seus educandários começaram quando simplesmente tentaram passar do adestramento de repetir, de celebrar, para a pedagogia do aprender.

Especialmente em setembro, durante as euforias da Semana Farroupilha, suas formações acadêmica mermavam diante de qualquer patrão de CTG analfabeto, que de credencial possuía apenas as pilchas; prendas ignorantes e adestradas, assumiam as turmas para repetirem manualzinhos; o Tradicionalismo toma(va) os educandários, submetendo, como em uma doma, qualquer doutrina educacional, como o ápice da operação que transformou o ensino em sua invernada, como se “estudar” fosse formar manadas para mugir no mesmo eco, com a cabeça em uma só direção. Isso ainda é pouco diante do projeto educacional do MTG.

Por deliberação de um dos seus congressos, forceja para ter suas próprias escolas e, inclusive, no mínimo, uma universidade. Obviamente, onde o uniforme será o primeiro item das obrigatoriedades – a imposição da “pilcha gaúcha” aos alunos, afinal ela já foi adotada inclusive como traje oficial do Rio Grande.

Relatos desesperadores dos funcionários públicos. Desde que o gauchismo se transformou em “pedra de toque” do democratismo popularesco, as secretarias se converteram em galpões de mão de obra, consumindo o patrimônio em eventos de celebrações particulares, de duvidosos resultados culturais, invertendo as prioridades chanceladas pelos atributos civilizatórios por repetições caducas de encantamento com o mundo latifundiário e suas profissões, convertidas em festivais que retiram suas concretudes dramáticas.

Mas por que o Manifesto teve e mantém enorme repercussão? Objetivamente, sistematizou o pensamento crítico sobre o Tradicionalismo e se transformou na voz pública da cidadania de milhares de pessoas, cotidianamente reprimidas e caladas.

E, mais drasticamente, submetidas e instrumentalizadas para atividades para as quais possuem reservas, representam “desvio de função”, ou, simplesmente, abominam. Consideram uma violação de sua cidadania. São vítimas da manipulação da isonomia republicana no serviço público, onde postos são ocupados privativamente pelos tradicionalistas.

O talibã é no Rio Grande. O fundamentalismo tradicionalista não difere culturalmente dos demais dogmatismos. As suas correntes “profissionais”, “brigadianas” e “funcionalistas” operam no viés de um cânone excludente e de reconhecimento de iguais nos postos políticos, econômicos e culturais, cujas esferas manipulam como totalidade. Esta nesse nexo o esforço metegista de se transformar em ícone, pressionando os órgãos públicos a elegê-lo como “patrimônio imaterial” da sociedade. É a manipulação completa do conceito de público, de vida republicana, em que o “singular-particular” deseja assumir um lugar “comum” a todos.

Entretanto, devido ao enfrentamento realizado pelo Manifesto, nos últimos anos, ele se transformou em fonte para estudos acadêmicos, mas também justificativa para políticas públicas republicanas, para conselhos de cultura ou simplesmente de esteio argumentativo para algum departamento municipal, zeloso na proteção do erário público, formando mesmo rústica trincheira para tentar conter as constantes razias tradicionalistas no dinheiro dos cidadãos.

 

Passando a tarca


Mas o que diz o Manifesto para se transformar em fenômeno cultural importante, com implicações nas atividades de inúmeras pessoas. Fundamentalmente estabeleceu paradigmas de princípios “em defesa de uma cultura e de uma estética correspondentes à memória e à história do Rio Grande do Sul.”

Ou seja, a crítica decorre de compreensões, não trata-se de gostos aleatórios ou simpatias. Existe uma necessidade de reconhecimento do Rio Grande do Sul de que ele é uma invenção brasileira, cujas regiões, durante o período colonial, com reforço de tropas europeias e açorianas, e início do Império, mobilizaram recursos e arregimentaram contingentes militares para conquistá-lo, defendê-lo e povoá-lo. Particularmente São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas, Bahia e Pernambuco.

No estilo, muitos dos adereços rio-grandenses decorrem da marinharia, o contingente estratégico que conquistou e sustentou o Rio Grande. As guerras irregulares, cantadas em verso e prosa pela massa que declara “seu amor pelo Rio Grande”, são táticas dos paulistas, que desenvolveram a combinação da cavalaria sulina com a emboscada mameluca no povoamento.

O ódio gauchesco a São Paulo decorre de questões de disputa hegemônica durante a República. Pode-se entender o fenômeno historicamente, ou tratá-lo como problema psicológico, diagnosticado pelo “desejo de assassinar o pai”.

Já o preconceito ao Nordeste corresponde a uma estupidez, pois os nordestinos, em especial durante o século XVIII, contribuíram com sua arrecadação, provimentos, e contingentes de mar e terra para ocupar o Rio Grande. Talvez nenhuma outra tropa tenha sido mais importante estrategicamente do que a companhia de jangadeiros, que despejaram na margem meridional do canal do Rio Grande as tropas de assalto luso-brasileiras, constituídas por 800 granadeiros, infantes e artilheiros, na madrugada de 1º de abril de 1776, e depois passar os contingentes de um exército de aproximadamente 6.000 homens. A surpresa da operação com jangadas possibilitou a reconquista do território perdido pela cavalaria liderada pelos dragões em 1763.

Para quem gosta de origens simbólicas, a primeira selaria oficial pertenceu a um baiano, introduzido no Continente por Silva Pais em 1737. Foi a primeira “escola” de arreios.

O Rio Grande brasileiro não existiria sem o barco, juntamente com a infantaria, tendo como tropas táticas auxiliares a cavalaria. No entanto, o romantismo midiático e manipulatório colocou o rio-grandense no lombo da tropilha imaginária, dando-lhe viseiras para pensar a história. A fumaça do galpão simbólico enuviou o resto.

No conjunto, a conquista colonial foi consolidada “em suas dimensões definitivas no período imperial”, com “pequenas áreas ajustadas na República Velha.”

O Rio Grande como criação do Brasil determinou que os farroupilhas jamais conseguissem arregimentar além de seis mil homens. E assim mesmo na primeira fase da revolta. Massivamente, a população esteve ao lado do país que nascera recentemente, em 1822. De Porto Alegre foram desalojados por um levante popular. Foram pessoas do povo que mantiveram as barricadas. Os colonos, em particular, que se negaram à arregimentação tiveram suas casas incendiadas. Hoje, seus descendentes, como eunucos sem memória, festejam àqueles que submeteram seus antepassados à barbárie.

No aspecto humano, contribuíram para a conquista, ocupação e formação da sociedade sulina indivíduos de diversos grupos sociais e étnicos. “Ao longo do tempo, o rio-grandense se formou através da inserção em uma identidade política, na composição da brasilidade e da naturalidade regionalizada e fronteiriça.

E no cotidiano, através da vivência de todas as culturas, hábitos e costumes de origem, reelaborados na dinâmica da convivência. Nesse processo de formação, em diversos de seus setores, ocorreu um involucramento com a sociedade e a cultura platina, ameríndia, afro e latino-americana, além de outras contribuições com origens em diversas regiões do mundo, com diferentes níveis de contatos e entrelaçamentos, resultando em culturas de experiências históricas. A mestiçagem é um patrimônio sul-americano e particularmente sul-rio-grandense.”

Portanto, o paradigma rio-grandense é o Rio Grande multicultural e multiétnico. Sua fronteira de involucramento é a mestiçagem. O autêntico é a diversidade. E não exclusivamente o padrão gauchesco. O nexo é a alteridade, o reconhecimento do outro. “Cultural e simbolicamente é uma região de representação aberta, de recriação constante, como critério indispensável às manifestações de pertencimento, motivadas pelas transformações históricas, sociológicas e culturais, típicas de uma sociedade em movimento, de transformações estruturais e antropológicas, onde ainda se opera, por exemplo, a mestiçagem dos grupos étnicos de origem. Um estado onde as fronteiras internas são evidentes.” Desse ponto de vista, sãoilegítimos os movimentos, “ou iniciativa doutrinária de orientação pública ou particular que não represente a complexidade social e cultural do estado.” Que o mergulhe no arcabouço simplório do arquétipo da estância.

 

Realidades


Toda cultura expressa reconhecimentos e cria realidades. Quando perde sua dimensão de representação da complexidade humana, e se converte em civismo, principalmente com as características do Tradicionalismo, transforma-se numa estupenda força alienante e escapista. “Impede e atua através de instrumentos de coerção cultural, midiático ou econômico, com o objetivo de dificultar os desenvolvimentos culturais e estéticos que tomam os indivíduos e as realidades contemporâneas como matérias de suas criações e vivências estéticas.

” É nesse aspecto que o cetegismo se converteu em movimento repressor, pois “milita através do governo, da educação, da economia e da mídia, para fechar os espaços das manifestações artísticas, das representações simbólicas e das inquietações filosóficas sobre os múltiplos aspectos do Rio Grande do Sul.” É “doutrinador e usurpador do direito individual” porque “impõe modelos de comportamento fora de seu espaço privado, se auto-elegendo como arquétipo de uma moralidade para toda a sociedade.”

pastiche é a sua maior obra. Pretender-se patrimônio imaterial a sua estupenda arrogância e falta de limites, em uma imanência doentia. Tudo fica igual, ou condensado no mesmo nexo. Especialmente quando a mídia toma o Rio Grande caricatural como formato comunicativo. A população é massacrada por bordões simplórios da publicidade das grandes corporações ao mercadinho da esquina.

Complexos de comunicação estruturam a internalização de suas marcas pelo rastro gauchesco. Disso advém a unanimidade caótica e alienadora sobre a compreensão da sociedade em que se vive. Quando a RBS mantém links permanentes com o chamamento de “declare seu amor pelo Rio Grande”, não resta outra alternativa, mesmo quando alguns de seus jornalistas fraturam essa lógica com matérias esclarecedoras.

Quando a vida já possui sua representação definida e com o sentido da emoção esquizofrênica, o espaço da ilustração já foi contaminado. Exemplo mais gritante desse processo foi o megaespetáculo sobre a Legalidade. Ao vivo era uma coisa. Na grande mídia, outra. Foi devidamente adequado ao fundamentalismo do “orgulho gaúcho”. Potencializaram somente os recortes de possibilidade laudatória. Algo que serve a todos, em uma sociedade tão desigual, não presta à maioria. Para as massas, a memória já chegou a um nível de deturpação e celebração quase irreversível.

Nessa sopa fundamentalista fermentam todos os oportunismos. No jornalístico se criou a malta dos que acenam para o grande público, fazem o elogio fácil do senso comum das massas idiotizadas a uma vida de estímulos criados de fora, alavancam suas audiências no caldo da fanfarronada tosca. No programa de “embates” Sala de Redação da Rádio Gaúcha, o jornalista David Coimbra foi transformado em espécie de carniça de campo para cachorros chimarrões pelos colegas Kenny Braga e Wianey Carlet. Qual o crime de Coimbra?

Realizou a prudente observação que o patriotismo e o nacionalismo não trazem “nada de bom”. Realmente, setembro para um mês mordido por um cachorro louco que sobreviveu agosto. Prometeram levá-lo para o Acampamento Farroupilha, onde apanharia de relho. Obviamente, nessa falta de interdições, ao gauchismo tudo é permitido, pois, supostamente, o Rio Grande estaria em perigo. Sem dúvida, tal fenômeno só se propaga porque possui seus agentes de irradiação. Para alguns gritões adoradores de caudilhos, o pago está ameaçado por uma carga castelhana (e seus agentes infiltrados) sempre que um raciocínio civilizatório se manifesta.

 

Hegemonismo


Lembro da época em o Tradicionalismo assumiu a posição de cultura de massa, fortemente palanqueado na indústria cultural – todos os seus adereços já haviam-se convertido em mercadorias e seus militantes ocupavam significativamente as grades das programações das rádios e das emissoras de TV (jornal já é mais difícil: necessita-se escrever). Foi lá pelo início dos anos 1980. Com Adelmo Genro discutia o fenômeno.

Considerávamos criteriosamente a necessidade de estabelecer uma categoria nominativa para o processo. Então, criamos o conceito de gauchismo. Até aquele momento, o termo em voga era gauchesco. Ao introduzirmos o sufixo ismo dávamos-lhe o caráter de movimento sociocultural, com uma imaginação de mundo, reconhecimento de um dogmatismo de conexão passado-presente-futuro, e sua dimensão militante.

O conceito apareceu no meu livro A ideologia do gauchismo. Com o passar do tempo, sua natureza foi desfigurada e, pela hegemonia crescente do Tradicionalismo, depois de subtraído seu aspecto categorial de análise crítica, passou a figurar como classificativo positivado de uma organização dominante. Este é o poder de uma hegemonia: ressignificar quase tudo – conceitos, tradição, folclore, nativismo, etc.

Em todo esse nexo, o princípio de “legítimo” também foi subvertido. Não potencializa mais as manifestações que tomam os rio-grandenses em suas complexidades históricas e culturais, dimensionados em seus tempos sociais. Nele, não se encontra a sociedade contemporânea em suas criações estéticas, formulações teóricas e inquietações existenciais.

Por essa razão, o Manifesto se anunciou “contra todas as forças que dogmatizam, embretam, engessam, imobilizam a cultura e o saber em “expressões” canonizadas em um espaço simbólico de revigoramento e opressão a partir de um “mito fundante”, inventando um imaginário para atender interesses contemporâneos e questionáveis, geralmente identificados pela história como farsa e inexistência concreta.” E considera que todo o processo de invenção e sustentação de uma visão “mitologizada” objetiva, unicamente, atender interesses atuais; é uma forma de militância que recorre à fábula, a ressignificação de rituais, hábitos e costumes, como forma de “legitimação” de causas particulares como se fossem “tradições” coletivas.

Com o Tradicionalismo, o “reino da liberdade”, o tempo livre dos indivíduos, destinado supostamente para a desalienação do “reino da necessidade” (Adorno), foi tomado por uma tropa de devaneios fundamentalistas, ou piquetes de oportunistas. A sociedade e as instâncias de governo sentem cotidianamente a sua guiada conduzindo-lhes para o abismo passadista de uma cultura inútil para se compreender a história e, em especial, o nosso tempo.

Ficam para o futuro os temas do Manifesto sobre a defesa da racionalidade na representação da história, a equiparação de direito para todas as manifestações culturais, de inclusão multicultural e respeito às heranças étnicas, a defesa de uma cultura que respeite os tempos de registro histórico-cultural e de representação contemporânea e sua densidade histórica.

Luis Nassif

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