Letícia Sallorenzo
Letícia Sallorenzo é Mestra (2018) e doutoranda (2024) em Linguística pela Universidade de Brasília. Estuda e analisa processos cognitivos e discursivos de manipulação, o que inclui processos de disseminação de fake news.
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Genitivos e o “tripléque de Lizinácio”, por Madrasta do Texto Ruim

Genitivos e o “tripléque[1] de Lizinácio”

por Madrasta do Texto Ruim

Eis que a segunda-feira alvorece com a notícia de que o MTST de Boulos ocupou o malfadado tripléque do Guarujá. Aquele que levou Lizinácio pro xilindró.

É emocionante ver como a imprensa se refere ao apartamento do edifício Solaris. O genitivo simplesmente DE SA PA RE CEU!!!

[Calma que eu explico: nas línguas de casos, como o latim, o turco e o grego, o genitivo é o caso que transmite ideia de posse. O inglês já foi uma língua de casos, e ainda guarda sua marcação de genitivo. É aquele ‘s ao final das palavras: McDonald’s; Bob’s.]

Mas eu falava do genitivo do tripléque. Podem procurar na Folha, Globo, Veja, Estadão, G1, Uol, onde for: você não vai ler a frase “MTST invade tríplex de Lula” [eles adoram esse verbo, além do substantivo confronto, mas isso é assunto para outro texto].

Por que a imprensa não chama o tripléque do Guarujá de “o Tríplex de Lula”? Não sei. Na verdade, saber eu sei, mas creio que advogados serão mais eficazes nessa explicação.

Vamos por reparo em como jornais e portais estão se referindo ao apartamento do edifício Solaris:

O Globo [ https://oglobo.globo.com/brasil/mtst-invade-triplex-no-guaruja-que-levou-lula-prisao-22594842#ixzz5Cqlfsecu]: MTST invade tríplex no Guarujá que levou Lula à prisão –>  aqui temos uma explicação / especificação. Nada de posse. O título não – informa – a – quem – pertence – o – tripléque.

Veja: [https://veja.abril.com.br/politica/mtst-invade-o-triplex-no-guaruja-atribuido-a-lula/MTST invade o tríplex no Guarujá atribuído a Lula –> Atribuído – a – Lula. VOZ PASSIVAAAAAAA!! Olha o agente Sérgio Moro mocozado da situação!!!! Quem atribuiu? Por quê atribuiu? Como atribuiu? A gente sabe que todas essas respostas nos levam a Sérgio Moro. Mas, definitivamente, o título não diz que o tripléque é de Lula.

Folha de S. Paulo: [https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/04/sem-teto-invadem-triplex-em-guaruja-em-protesto-contra-prisao-de-lula.shtmlSem-teto invadem tríplex em Guarujá em protesto contra prisão de Lula; veja –> Vou abstrair esse “em Guarujá” porque, por mais que me doa nas orelhas, isso é coisa que tá sempre mudando. Se antes falava-se “vou às Alagoas”, hoje já se fala “vou a Alagoas”. Artigo é coisa que, dependendo da época, é dispensável. Mas isso realmente não vem ao caso aqui. O tripléque virou um tripléque ordinário, como se esse ato do MTST não tivesse nenhuma correlação com a prisão de Lizinácio. De longe o título mais canalha até agora.

Estadão: [http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pre-candidato-a-presidencia-e-lider-do-mtst-guilherme-boulos-ocupa-o-triplex-do-guaruja,70002270206Pré-candidato à presidência e líder do MTST, Guilherme Boulos ocupa o tríplex do Guarujá –> aqui temos a dupla especificação – mocozação atuando numa tabelinha digna de seleção brasileira: 

1) Antes do verbo, termos um sujeito perfeitamente especificado: Guilherme Boulos é pré-candidato à presidência pelo PSOL e líder do MTST. Não existe outro igual. O título ainda topicaliza essa informação, ou seja, leva pra frente da manchete, em forma de aposto, a informação que deve guiar a compreensão do resto da frase todinha (falo sobre isso no meu livro A Gramática da Manipulação, e juro por Deus que estou acabando de escrever, gente!). Essa topicalização (tudo o que está antes da vírgula) foge totalmente ao gênero textual manchete.

2) Temos o verbo ocupar devidamente empregado e, depois dele, o objeto direto “o tríplex do Guarujá”. O genitivo aqui assumiu ares de locativo (o caso que informa a localização de uma coisa). Todo o resto da informação sobre o apê do Guarujá foi mocozado. Temos apenas uma especificação bem mixuruca operada pelo artigo definido. Além disso, nadica de nada.

Também achei digno de nota a forma como as reportagens explicam a “propriedade” do imóvel dentro dos textos. A coisa ficou assim:

Estadão – “(…) o tríplex do Guarujá que motivou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio da Silva.” No corpo da reportagem, o Estadão explica e explicita de que tripléque estamos falando.  Reparem no verbo para conectar tripléque com Lizinácio: “motivou”. Ideia de posse contida no verbo? Nenhuma!

Folha – “(…) atribuído ao ex-presidente Lula” –> à Folha usou no texto o mesmo artifício da manchete da Veja. Uma [voz] passivona mocozadora do agente Sérgio Moro.

Globo – “(…) tríplex do Guarujá, no litoral paulista, que levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão. O petista foi condenado por ter recebido o imóvel da OAS como contrapartida por contratos com a Petrobras.” –> esse texto é uma obra de arte! A primeira frase especifica o tripléque: aquele que levou (mesmo verbo que eu usei lá em cima, podem reparar) Lula à prisão. Essa frase não diz que o tripléque é de Lizinácio. Aí vem a segunda frase com D U A S  vozes passivas (foi condenado e ter recebido). A primeira ES CON DE o agente Sérgio Moro; a segunda põe Lula em evidência e economiza sujeito, pois temos duas orações, dois verbos e um mesmo sujeito, Lula. O Globo conseguiu dizer que o apê é de Lula sem dizer que o apê é de Lula. Sério, essas manobras sintáticas deveriam ser motivo de aulas de redação. Todos os brasileiros deveriam ter o direito de manipular informações com essa maestria!

Mas o texto mais lindo de todos é o da Veja.

Veja – Apesar do discurso do MTST, no entanto, a sentença não condenou Lula por possuir formalmente o imóvel, considerando que, apesar deste ainda estar em nome da empreiteira, foi prometido ao petista e reformado ao seu gosto, para possível transferência posterior.”

Duas conjunções adversativas seguidas de uma negativa inevitável e um desfecho que junta magnificamente as palavras possível, transferência e posterior.

Com a palavra, os advogados: o que acontece com o veículo de imprensa que afirmar categoricamente “o tríplex do Guarujá pertence a Luiz Inácio Lula da Silva”?


[1] A palavra tríplex foi feita pra humilhar. Todo mundo fala a bicha oxítona, tripléx. E ela, oxítona, não precisa de acento. Aí inventaram de a bicha ser paroxítona e enfiaram um acento nela: tríplex. Faço questão de deixar as coisas simples: é tripléque e não se fala mais nisso! RÁ!

 

Letícia Sallorenzo

Letícia Sallorenzo é Mestra (2018) e doutoranda (2024) em Linguística pela Universidade de Brasília. Estuda e analisa processos cognitivos e discursivos de manipulação, o que inclui processos de disseminação de fake news.

14 Comentários

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  1. hummm…

    Com a palavra, os advogados: o que acontece com o veículo de imprensa que afirmar categoricamente “o tríplex do Guarujá pertence a Luiz Inácio Lula da Silva”?

    Tecnicamente, esse veículo poderia ser processado.

    Mas com o nosso judiciário coxinha, de que adiantaria?

    1. O que acontece?
       

      Acontece o que aconteceu.

      A globo levanta a bola, o dalanhol ajeita, passa pro moro, que chuta pra gol,  todo mundo corre pro abraço e o Lula vai pra cadeia.

      Os cartolas pagaram adiantado o resultado da partida,  Edson.

      Os torcedores estão contentes e pagaram uma fortuna pra ver a partida.

      Deram a petrobrás, vão dar a eletrobrás, os portos, as empreiteiras, e ainda vão se contentar em dormir sem comer.

      Um jogão desses vale qualquer sacrifício.

       

  2. Se porém fosse portanto…

    Se fosse Lula e seus advogados processaria cada jornal e congênere que disserem que o tal apartamento é dele! Eles que provem na justiça que o apartamento é de Lula. Se não for, não podem mais associar o triplex ao nome de Lula. Podem até usar a famosa sentença condenatoria de Sergio Moro…

  3. Lula cria tendências linguísticas

    Uso, no cotidiano, “triplec”.

    E “poim point”.

    Dá super certo. Amo demais o mais lindo que inventou essa pronúncia.

  4. Tripléquis

    Primeiramente:

    LULALIVRE!!

    Segundamente:

    Essa p…a de tripléquis nunca foi nem nunca será do Lula! Serviu apenas de subterfúgio para sua condenação. Quem tem um mínimo conhecimento de direito e leu pelo menos algumas partes do processo e a sentença, tomou conhecimento das nulidades, inconsistências e  ilegalidades que culminaram com a injusta condenação. Só mesmo utilizando uma teoria esdrúxula como a da “abdução” de provas (tem a ver com o sequestro de humanos por ETS para fins sexuais?), a valoração de provas indiciárias (!?), a supervalorização do depoimento do co-réu – um senhor idoso, ameaçado de prisão perpétua – que mudou seu depoimento para inplicar Lula e teve sua pena abrandada em 90%. Além, é claro, de “propriedade de fato”, “propriedade atribuida”, “ato de ofício futuro e indeterminado”.

    Como diria o Jucá Com Supremo Com Tudo: Que p…a é essa?

    O joguinho do Delanhol chama pauerpointe. 

  5. Elipse?

    Madrasta, uma dúvida.

    A figura de sintaxe denominada elipse pode também ser aplicada a fotografias?

    Esta fotografia que ilustra a reportagem do Globo, onde o conteúdo da faixa fica invisível, pode ser considerada uma elipse fotográfica?

    Desde já agradeço pelos esclarecimentos.

     

  6. Surrealismo?

    Por que Sergio Moro não obriga os jornais a se referirem ao tal Triplex como de Lula? Afinal, ele não atribuiu a Lula sua propriedade? Fica estranho essa “divagação semântica” covarde (dos jornais e sua manchetes) que denota uma realidade surreal – resultado de uma sentença condenatória (do Moro) sem precedentes nos anais jurídicos.

  7. Sempre

    Sempre um prazer le-la. ;o)

    O bom humor não diminui a observação extremamente pertinente e da argucia e inteligencia na leitura não apenas do texto, mas dos fatos e conclusões.

     

  8. O ” juridiquês”

    e as diferentes conotações de um termo.

    “1- O Globo [ https://oglobo.globo.com/brasil/mtst-invade-triplex-no-guaruja-que-levou-lula-prisao-22594842#ixzz5Cqlfsecu]: MTST invade tríplex no Guarujá que levou Lula à prisão –>  aqui temos uma explicação / especificação. Nada de posse. O título não – informa – a – quem – pertence – o – tripléque.”

    No direito, tanto quanto no jornalismo, dá-se à palavra a conotação que mais possa interessar à circunstância, podendo, portanto,  ter características mais ou menos lesiva, ou até mesmo de favorecimento e desfavorecimento ao alvo escolhido.

    A globo, que pretende ter invendado a palavra, através dela ( a palavra) coloca e tira da mente dos seus o entendimento que melhor favorece aos seus interesses(dela, a globo). E seus interesses têm íntima relação com o poder. Assim, utilizando-se dos meios e mensagens, sem descurar-se de responsabilidades, dá a cada momento a palavra correspondente.

    Quando a globo tomou a narrativa de acusação contra o Lula, como qualquer língua ferina, afirmou com todas as letras que o triplex do Guarujá era do Lula, e que este o recebera como propina, e que isso era fato notório.

    Como órgão de imprensa a globo não é obrigada, legalmente a provar uma acusação “que lhe tragam” e nem pode ser punida por repassar “uma fofoca”.

    Uma vez alcançado seu objetivo de criar a associação da idéia de corrupção – triplex – Lula, e a repetição “ad nauseam” da culpabilibade do acusado, era só esperar o resultado e usufruir dele.

    “2- Veja: [https://veja.abril.com.br/politica/mtst-invade-o-triplex-no-guaruja-atribuido-a-lula/] MTST invade o tríplex no Guarujá atribuído a Lula –> Atribuído – a – Lula. VOZ PASSIVAAAAAAA!! Olha o agente Sérgio Moro mocozado da situação!!!! Quem atribuiu? Por quê atribuiu? Como atribuiu? A gente sabe que todas essas respostas nos levam a Sérgio Moro. Mas, definitivamente, o título não diz que o tripléque é de Lula.”

    Alinhada, a Veja segue o mesmo roteiro, com a dignidade (discretíssima) de afirmar que o triplex foi atribuido a Lula, no sentido ideal e não material, e não foi para “mocozar” o  moro, foi para ” pousar de vestal “, de modo a agradar aos leitores felizes com a condenação e aos indignados com a acusação reconhecidamente injusta.

    “3-Estadão: [http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pre-candidato-a-presidencia-e-lider-do-mtst-guilherme-boulos-ocupa-o-triplex-do-guaruja,70002270206] Pré-candidato à presidência e líder do MTST, Guilherme Boulos ocupa o tríplex do Guarujá –> aqui temos a dupla especificação – mocozação atuando numa tabelinha digna de seleção brasileira:”

    Outro aliado alinhado, o Estadão dá aos fatos a importância que  o momento exige, pela ordem:

    1) pré-candidato à presidência

    2) lider do MTST

    3)Guilherme Boulos (nossa próxima vítima)

    4) ocupa um apto. que não vem ao caso porque já cumpriu seu objetivo acusatório.

    Penso que a comunicação, por qualquer meio, utilizada  pela mídia com maestria, tem a mesma pretensão dos mágicos de auditório: hipnotizar, sugerir, convencer e converter a quem quer que seja para o que quiserem que façam.

    O único filtro – a ética, cada vez mais seduzida pelo dinheiro, a fama e a necessidade de sobrevivência, vai sendo suprimido lentamente, mas a olhos vistos.

     

     

     

           

  9. Mudando de assunto …

    Eu sinto vontade de chorar, quando ouço nos telejornais da Groubo, a forma como se referem à companheira da Marielle. Algumas vezes , a mulher da Marielle, outras, a viúva da Marielle. Jamais ouvi : a companheira da Merielle, que seria uma forma mais simpática de se referir a ela, a meu ver. Mas preferem deixar explícito que ela era LGBT , para diminuí-la. Eita gentinha asquerosa !

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