Gilberto Gil, as raízes nordestinas de um gênio da MPB, por Luis Nassif

As novas gerações talvez não tenham ideia do que foi o movimento da Tropicália, que acabou com a onda de movimentos musicais

Minha geração teve Chico e Caetano, Vandré e Milton, Ivan e Djavan, um pouco antes João, Tom e Vinicius e cada qual uma joia única e incomparável. Mas, admito, o que mais me falou ao coração foi Gilberto Gil. Passei a noite dos meus 18 anos em uma sinuca, em São João da Boa Vista, ao som do Frevo Rasgado.

Antes disso, na casa do advogado Celso Sanseverino, nosso grupo musical assistiu, encantado, o “Domingo no Parque”, uma ópera popular extraordinária, nossa favorita no festival da Record daquele ano. Antes disso, “Água de Menino”, “Procissão”, “Bom Dia”,  já eram as preferidas em nossas rodas de MPB. 

Não era apenas o balanço, incomparável, mas o lirismo, o jeito zen que se aprofundou com a morte do filho. Ele e Caetano eram Baco e Dionisio, o anarquista brilhante e o místico, ambos geniais.

As novas gerações talvez não tenham ideia do que foi o movimento da Tropicália, que acabou com a onda de movimentos musicais. Muitos tendem a minimizá-la, alegando que não consagrou um estilo, como o samba-canção, a bossa nova. Foi isso mesmo. Ela arrebentou com a compartimentalização da música brasileira, integrou todos os sons no mesmo ambiente, desde ritmos diversos até sons de rádio, de gravador, mixando tudo em uma grande geleia geral.

Ao lado de Caetano, Gil foi um dos pilares do movimento. E, ao mesmo tempo, jamais abdicou de suas raízes nordestinas, e não exclusivamente baianas de Salvador, como Caetano. Lembro-me de uma de minhas crônicas, classificando Gil como músico nordestino, de cuja árvore brotaram inúmeros galhos, desde a música nova pernambucana até compositores como Vicente Barreto e outros nordestinos da Bahia e de outros estados. Houve alguma resistência dos teóricos da USP a essa definição. Mas Gil me mandou um e-mail concordando com a classificação.

A primeira vez que vi os baianos ao vivo, foi em uma gravação na TV Tupi, com João Gilberto. Três baianos deslumbrados – Caetano, Gil e Gal – com o encontro com o conterrâneo mito. Naquela noite assisti interpretações, como o Quem Há de Dizer, de Lupicínio, que não foram para o ar. A joia ficou na memória afetiva e musical das poucas testemunhas daquele evento.

Quando Gil voltou do exílio, enfrentei uma enorme fila no Teatro da PUC, para conseguir dois bilhetes para o espetáculo do dia seguinte. Na fila, o fotógrafo Dirceu Leme, incumbido de comprar um ingresso para José Ramos Tinhorão, o crítico implacável de qualquer modernidade, mas que reconhecia a profunda identificação da música de Gil com o Brasil.

 

 

 

Luis Nassif

12 Comentários

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  1. Se eu fosse obrigado a escolher uma única música de Gil pra levá-la numa aca 2.0, escolheria Eu Vim da Bahia e na versão não de Gil, mas do ídolo dele, João Gilberto, ao vivo, num show em Buenos Aires pelos 40 anos de Bossa nova. Essa versão ouço quinhentas vezes seguidas sem cansar e, apesar de descobrir recentemente a versão de Renato Bráz, que é excelente, ainda assim gosto mais da de João Gilberto.
    Infelizmente acho que o Brasil no futuro não será lembrado por sua política, mas certamente sim pela quantidade e qualidade de músicos e letristas que criaram um acervo de música popular que é pra dar inveja a qualquer país – Pixinguinha, João de Barro, Noel, Cartola, Gonzagão e Humberto Teixeira e etc etc ao cubo. Pena que a incapacidade de nossa elite de fazer o país um ator de primeiro nível no xadrez internacional atrapalha e muito pra que esses músicos tivessem um reconhecimento internacional do mesmo nível que há da música norte-americano pelo mundo todo. Mas azar do mundo todo (rs).

    https://www.youtube.com/watch?v=ms4NDsgQrBM

  2. Já contei uma vez e não custa repetir: em 73 Gil faria uma apresentação em BH. Foi convidado a fazer uma apresentação para alunos do icex (UFMG) ao meio dia. Aparecem ele e o violão. Após mais de hora em uma sala,que era grande o suficiente, tivemos de sair pois haveria aula no local. Ele humildemente pergunta se não havia outro lugar para continuar. E lá vamos nós para um anfiteatro onde ele toca por mais de hora. Lá pelas tantas, puxa um papel do bolso, a letra estava ainda fresca, e começa a cantar cálice.
    E tudo isso numa simplicidade que deixou todos surpresos.

  3. Nossa Nassif, parece que o artigo foi cortado no meio, deu vontade de quero mais desse gênio brasileiro. Considero ele o pai maior da Tropicália e até já vi Caetano dizer numa entrevista que o Tropicalismo era ideia principalmente do Gil e que ele “seguia” junto. E o melhor eram as explicações totalmente difusas do Gil na época sobre o que era o Tropicalismo, parecia aqueles contos Zen que usando de raciocínio lógico para entender não se entende nada, hahahaha.

  4. Sempre tive uma admiração especial por Gilberto Gil, tanto pelas composições quanto pela postura em cena: ele e um violão apenas “sacodem”, literalmente, dezenas de milhares de espectadores; com suas bandas, sempre me impressionavam os arranjos.
    Já em meados dos anos 90, um conhecido que estudara musica em universidades norte americanas comentou: dois brasileiros eram bastante estudados em cursos de Harmonia Funcional, Tom Jobim e Gilberto Gil. Foi uma informação nova pra mim, mas que não me surpreendeu.

  5. Quincy Jones, extraordinário produtor e arranjador musical de Michael Jackson, Miles Davis e Frank Sinatra, respondendo à velha pergunta de um jornalista, se fosse para uma ilha deserta e só pudesse levar a obra de um único músico, qual seria? Gilberto Gil, lascou Quincy Jones!

  6. Eu vejo Gil em Caetano e vice-versa, numa fusão extraordinária. Mas Gil é total. Completa meu paladar musical indefinidamente. Ouço os discos Refavela, Realce, Um Banda Um, Diadorim, Noite Neon como se fossem lançamentos. Sem deixar de citar Raça Humana. Esses trabalhos contêm um misto beleza com singularidade e frescor q n encontro nos discos de outros artistas. Amo Caetano, Djavan, Chico e Miltom! Mas Gil, para mim, é o melhor de todos. Gil é tudo de melhor!

  7. Um monstro sagrado da musica brasileira que dispensa comentários,vamos combinar.Com a morte de Dorival Caymmi,assumiu o pedestal.Todavia,porém e contudo é humano e está sujeito a falhas.O Show dele OK OK OK,acho que ainda em cartaz,é ruim.Sucumbiu aos apelos dos filhos,e não foi bem.Acho que a saúde debilitada,também deve ter contribuido para a qualidade do espetáculo.Em verdade,o que mais chamou a atenção no Show aqui em Salvador,foram as “diabrites” do neto de 3 ou 4 anos no palco.Sensacional.

  8. Eu sou fã de Caetano Velolo, ele é o meu ídolo preferido. Assistir um show de Caetano no TCA ( show Uns) com 14 anos de idades levado pelos meus irmãos, hoje tenho 50 anos, e depois daquele show, eu fiquei apaixonado pelo artista. Mas, adoro Gil, acho dois artistas fenomenais da MPB de estilo de diferente. Caetano é mais poeta, e Gil é mais clássico, com composições incrível, com músicas para dançar maravilhosas.
    Quando esses caras morrerem, partirem para o andar de cima, e se juntar ao todo poderoso, a música brasileira vai ficar órfão.

  9. Acho Gil melhor do que Caetano, de quem gosto apenas das músicas (de grande parte delas), mas sei, mesmo sendo nordestino, que Chico é ainda melhor que Gil (pelo menos, na minha preferência)… Chico é o Lula da MPB… De qualquer maneira, Gil é muito bom (apesar da excelência refinada e, ao mesmo tempo, sutil e patente do inigualável (talvez “um pouco” igualado só pelo Vandré) de Chico) e Domingo no Parque e Louvação realmente são obras-primas que, igual a muitas outras (Refazenda; Procissão; Maracatu Atômico; Expresso 2222; Drão etc..) desse gênio baiano, não me canso de ouvir mais e mais vezes.

    :
    : * * * * 04:13 * * * * * : Eles (Ou Mal lutar é lutar mal)

    Nunca se viu povo tão idiota
    militando contra a própria sorte!…
    Mesmo toda paciência se esgota
    quando os “fracos” idolatram o “forte”.

    E ainda esperam alguma cota…
    Coitados! Que o tempo não lhes corte
    a memória em meio à tal rota
    da vida indo ainda mais para a morte…

    ……………………………. Cláudio Carvalho Fernandes
    ……………………………. (Poeta (anarcoexistencialista))

    Poema dedicado ao eleiTORADO brasileño, no pós-eleições de 2018…
    (Se é que não houve participação ativa da maquininha caixa-preta do TSE nos resultados de 2018…)

    :.:

    Poema “Z”
    Para Dilma, Lula e o PT e todos/as os/as progressistas do mundo inteiro. Sinta-se homenageado/a, também.

    Penso

    Logo(S)

    ReXisto

    :.:

  10. A história do Brasil lida por meio do ambiente musical é muito emblemática.
    Após a Tropicalia, houve um momento em que se cantava em inglês e agora, com tanta oferta do mesmo, tudo de bom que anda por aí tem ficado diluído, mais difícil de achar.
    O que conforta são as canções de raiz, o chorinho e os monstros (no bom sentido) da música do século XX.
    Só que estamos no século XXI.
    E na sequência de uma trajetória musical tão rica, o sentimento é de estranheza diante de um cenário pasteurizado e dominado pelo capital.
    Ando com saudade Brasil, embora nunca tenha saído daqui.
    Gilberto Gil e tantos outros talvez nunca tenham sido tão necessários.

  11. Verdade Nassif: que tal um Raio X da musica em cada Estado e/ou região: o RJ está bem representado por gente como Martinho da Vila, autor de n composičoes : e temos Torquato Neto no CE, o Vale, de Carcará, e Zeca Baleiro, no MA. Aqui no Goiás eu citaria Juraildes da Cruz, aquele de A Massa, embora não veja aqui goianidade.

    Belo mosaico sonoro

  12. Que bela homenagem ao Gil, Nassif! Nossa geração teve a oportunidade de vivenciar talentos inigualáveis como o nosso Gilberto Gil. Suas canções vão ao âmago da nossa alma brasileira. Gil é pura emoção..ele consegue com suas canções tocar nossa alma de uma forma diferente de outros músicos e poetas como Caetano, Tom Jobim, Villas Boas, Bezerra da Silva….cada um com seu estilo intrinsicamente brasileiro…mas ninguém consegue superá-lo em graça, sensibilidade, simplicidade única ((Que só ele tem, ele é especial nisso…)…compõe e canta , como todo bom brasileiro que aprecia a nossa música em toda sua originalidade, gosta de ouvir. O CD e o DVD do filme “Eu, Tu, Eles”, são obras primas da nossa cultura., é de uma sensibilidade e musicalidade inigualáveis. Músicas como “Superhomem, a canção”, “Drão”, “Domingo no Parque”…nossa ele é demais@!! Valeu Nassif!!

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