Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Hollywood e o fetiche das armas no filme “God Bless America”

“God Bless America” (2011) do diretor Bobcat Goldthwait parece ser um filme que segue a linha do chamado “cinema esquizo” com personagens paranoicos, psiquicamente instáveis e marcados pela revolta e cinismo contra uma sociedade racista, medíocre e xenófoba – a “América profunda”. O filme faz um diagnóstico perfeito sobre uma cultura onde reality shows e programas como “American Superstars” são o objeto do desejo de milhões. Porém, Goldthwait parece cair vítima da fetichização das armas que Hollywood promove na atualidade: se o cigarro e as bebidas alcoólicas são extirpados da tela ou colocados somente nas mãos e bocas de vilões, com as armas é o contrário. Observamos uma fila interminável de armas lubrificadas, reluzentes, coldres e metralhadoras empunhadas ao nível da virilha prontas para entrar em ação com muito sex appeal. 

Compare dois filmes clássicos com Vincent Price (O Abominável Dr. Phibes de 1971 e As Sete Máscaras da Morte – Theater of Blood, 1973) com o “God Bless America”. Nesses filmes com Vincent Price o protagonista vinga-se de pessoas medíocres, indiferentes, arrogantes com requintes cruéis, sádicos e com muito humor negro: vinga-se dos médicos que mataram sua esposa por um erro na mesa de cirurgia e um ator shakespeariano que despeja sua fúria em cima dos críticos de teatro que o atormentam.

Em “God Bless America” vemos também protagonistas que querem vingar-se de uma classe média americana racista, sexista, xenófoba e alheia a valores culturais. As situações de humor negro e as mortes com requintes cruéis são parecidas. Porém, com uma diferença fundamental: Vincente Price não usa arma de fogo uma única vez, preferindo armadilhas e ardis perversamente elaborados; enquanto em “God Bless America” as armas são a grande estrela do extermínio. Mais do que isso: no filme a arma se reveste de um valor fetichista como instrumento de justiça, ordem e sex appeal.

 

“God Bless America” parece ser o sintoma de uma fetichização hollywoodiana pelas armas de fogo: se o cigarro e as bebidas alcoólicas são extirpados da tela ou colocados nas mãos e bocas de vilões, com as armas é o contrário. Observamos uma fila interminável de armas lubrificadas, reluzentes, coldres, metralhadoras empunhadas ao nível da virilha prontas para entrar em ação. O diretor Bobcat Goldthwait quis fazer alguma coisa na linha de “Assassinos por Natureza” (Natural Born Killers, 1994)  de Oliver Stone ou “Bonnie Clyde” (1967) de Arthur Penn onde anti-herois expõem a hipocrisia e a patologia da sociedade norte-americana.

Mas tudo o que conseguiu foi expor o fascínio fetichista pelas armas sob o pretexto de fazer uma crítica ácida ao nacionalismo patológico norte-americano. Pelo menos os filmes de Tarantino expõem esse fetiche cultural americano pelas armas sem precisar dar lições morais: todos se matam porque apontar uma arma é sexy.

 

Os anti-herois de “God Bless America”

 

O filme é sobre Frank (Joel Murray), um solitário homem divorciado de meia idade no limite da sanidade, que acumula um profundo ódio e desprezo pelo seu vizinho, pela programação televisiva estúpida recheada de reality shows que exploram o mais baixo da natureza humana, programas como “American Superstars” que ridicularizam deficientes mentais, pastores fundamentalistas que semeam ódio e sexismo; a repulsa ao conteúdo medíocre das conversas no escritório onde trabalha que nada mais fazem do que repercutir todo o lixo televisivo das fofocas de celebridades etc.

A vida de Frank desce ladeira a baixo: é demitido por suspeita de assédio sexual (ele só queria ser educado mandando flores para uma colega de trabalho), sua filha não quer passar os finais de semana com ele por que na sua casa não tem videogames, sua ex-esposa o despreza e, para completar, descobre que tem um tumor no cérebro do tamanho de uma bola de ping pong.

Depois de uma espécie de epifania religiosa a beira de se matar, decide que ele é que tem que eliminar a mediocridade, para começar matando uma adolescente cheerleader mimada estrela de um reality TV. Após matá-la se torna amigo de uma garota chamada Roxy (Tara Lynn Barr) que vislumbra todo o sentido messiânico no brutal assassinato da cheerleader: os dois partilharão do mesmo gosto em fazer justiça com sangue.

Odeia pessoas que conversam e falam no celular no cinema? Frank e Roxy vão matá-los. Odeia aquela pessoa que te dá uma fechada na rua? Frank e Roxy vão destruir o carro dele e matá-lo também. Odeia estrelas de reality shows que conseguem tudo que querem? Bem… você sabe o que acontece.

O roteiro força a barra para que nos identifiquemos com os anti-herois para que toda a violência e rajadas de balas se tornem momentos de intensidade catártica e de divertido humor negro. Assim como Frank, a vida de Roxy não é fácil: é estuprada pelos namorados da sua mãe viciada em crack…

Aparentemente “God Bless America” aproxima-se daquilo que chamamos de cinema esquizo: conjunto de filmes marcado por narrativas paranoicas e protagonistas psiquicamente instáveis e marcados pela revolta e cinismo.

Percebe-se na história de Hollywood um movimento pendular entre o cinema esquizo onde o Outro é identificado com alienígenas, monstros, femme fatales e a própria sociedade doentia e corrupta (temática cujo auge foi nos anos 1970 em filmes como Um Estranho no NinhoTaxi DriverSem DestinoPerdidos na Noite etc.) e o “cinema recuperativo” onde o mal estar em relação ao Outro é reduzido a uma questão de assepsia e controle: extermínio e violência sadística e exibicionista.

O Outro aqui é a loucura da “América profunda” que o diretor faz um diagnóstico perfeito ao retratá-la como uma forma de pensamento baseado em um misto de ignorância e arrogância nacionalista. Porém, a narrativa embarca na violência exibicionista e fetichista do “cinema recuperativo” onde os protagonistas iniciam uma catártica higiene social.

Quando Frank prepara-se para matar um comentarista de TV fascistoide que defende o extermínio de gays e acusa o presidente Obama de ser um “nazista negro”, ele diz para Roxy: “Eu até concordo com algumas ideias dele”. “Exatamente com qual opinião você concorda?”, pergunta Roxy atônita. “Menos controle sobre armas, claro”, diz Frank. Claramente, o diretor  Bobcat Goldthwait dá o tom do filme: o exibicionismo sadístico em torno do fetiche das armas.

Durante todo o filme há uma evidente tensão erótica entre a dupla, uma atração perversa pedófila reprimida entre Frank e Roxy que acaba sendo sublimada através das armas e munições.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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