Indústria do Entretenimento Não Consegue Assimilar Escher

Ao contrário das vanguardas artísticas do século XX que foram facilmente assimiladas pela estética videoclipe e publicitária, as imagens de Escher ainda causam estranheza. A indústria do entretenimento tenta enquadrá-las como curiosidades visuais expostas em instalações que mais lembram as “casas malucas” dos parques de diversões. O cinema talvez tenha sido o campo que melhor compreendeu a natureza recursiva das suas imagens.


Certa vez indagado se poderia dar uma definição para sua obra, Escher respondeu: “Eu busco mistérios. Sempre os jovens me perguntam se eu faço Op Art. Não sei o que é isso, Op Art. Esse é o trabalho que venho fazendo há 30 anos”.


Definitivamente, a obra do artista gráfico holandês Maurits Cornelius Escher (1898 – 1972) não é de fácil definição: arte matemática? Efeitos de ilusões de ótica? Surrealismo? Arquiteturas impossíveis? Geometrias absurdas?


O fato é que, ao contrário das vanguardas artísticas da primeira metade do século XX que foram rapidamente assimiladas pela estética publicitária e cultura pop audiovisual, o trabalho de Escher sofre uma assimilação lenta, indigesta. Dentro da indústria do entretenimento o destino de Escher é ter os seus trabalhos expostos em instalações que os traduzem como divertidas anomalias, ilusões de ótica curiosas, quebra-cabeças imaginários para o olhar ou mundos ou “arquiteturas impossíveis”. Ou, o que é pior, convertem as imagens de Escher em instalações que lembram as “casas malucas” ou “espelhos mágicos” dos parques de diversões.


Assim como as vanguardas artísticas, Escher desafiou a invenção renascentista do artifício do desenho em perspectiva que trazia, em germe, o Humanismo: o olhar que toma o homem como o centro que observa o Universo por um único ponto de vista espacial e temporal. A tela emoldurada como a analogia de uma janela de onde o homem soberano a tudo observa e onde todas as linhas convergem para um único ponto de fuga no horizonte.


Porém, as estratégias e os destinos foram diferentes.


Cubistas e dadaístas confrontaram o figurativismo da perspectiva com a linguagem da fragmentação: os pontos de vistas fragmentados da obra “Les Demoiselles d’Vignon” de Picasso ou os “ready mades” e “cut ups” dos dadaístas acabaram se materializando na estética videoclipe da MTV e na linguagem em hipertexto da Internet. Enquanto isso, surrealistas como Magritte e Dali criavam imagens oníricas para se contrapor ao humanismo cartesiano. Hoje, diariamente vemos a “imagerie” surrealista se materializando nos efeitos digitais dos vídeos publicitários.


Diferente deles, Escher buscou outro caminho. Ao invés das imagens oníricas e fragmentadas, ele explorou os paradoxos dos princípios geométricos e matemáticos da ilusão da perspectiva. Por isso, há algo que ainda incomoda na arte gráfica de Escher: dentro do cânone da representação figurativa Escher descobriu uma falha. Com ele aprendemos que se levarmos ao limite os princípios cartesianos da realidade (ponto de fuga, perspectiva tridimensional, perspectiva paralela etc.), encontramos a distorção, a anomalia, a anamorfose.  


Por isso, a indústria do entretenimento ainda não sabe o que fazer com Escher. No máximo, transformá-lo em curiosidade visual exposta em instalações, t-shirts ou referências intertextuais em filmes e games de computadores.


Instalação na exposição de M.C. Escher em São Paulo que
simula ilusão de ótica

Na medida em que encontrou uma anamolia na representação tridimensional no plano, Escher talvez tenha encontrado a ilusão daquilo que entendemos por “realidade”. Se a nossa percepção historicamente foi determinada pelas representações em espaços planos (da tela emoldurada na arte à tela dos computadores), talvez Escher tenha descoberto a ilusão dos modelos pelos quais traduzimos a realidade: imagens sem referenciais que nada conseguem representar a não ser a si mesmas, em um louco efeito recursivo, sem nenhuma referência com o “real”.

Luis Nassif

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