Kodak e Facebook: Aperte o botão e nós faremos o resto!

Por: Eliana Rezende

O slogan era simples.

Você clicava o botão e a KODAK  fazia o resto.

A simplificação motora de um aparato mecânico fornecia ao usuário a experiência de autorepresentação.

Se até então fotografar-se e imprimir uma imagem de si exigia idas à estúdios fotográficos e a figura de um profissional, com o surgimento das máquinas fotográficas vários intermediários eram retirados de cena.

Ajudando as pessoas a construírem uma imagem de si mesmas, a KODAK foi construindo uma imagem de si e das formas como o mundo podia ser representado. A partir da década de 1920, a KODAK passa a lançar uma ampla campanha de publicidade nas revistas ilustradas mostrando as vantagens da sua máquina portátil, além de oferecer sugestões de situações cotidianas em que se poderia utilizar a fotografia. Veja só:

“(…) Desde a infância até a edade madura a KODAK conserva uma chronica photographica, completa e fidegna, de todos os incidentes alegres da nossa vida. Tanto a criança, como o adulto, podem operar a KODAK com a maior facilidade e obter phographias á primeira prova (…)”  – Fon-Fon! 25/02/1922.

É a partir daí que a crônica fotográfica se amplia e incorpora a um modo de viver: o registro frequente e em quantidade de fragmentos da vida cotidiana.

Além de ser um importante item em momentos de lazer, as câmaras fotográficas, de acordo com seus modelos, apontavam um determinado requinte por parte de seus possuidores e seu segmento social. Assim, o acabamento final era sempre salientado pelos reclames, procurando reforçar seu uso pelos interessados em geral. O objeto reunia com isso um símbolo de status.

A inovação tecnológica apresentou às pessoas uma fórmula simples perseguida eras após eras para se fazer perpetuar e representar. Não é objetivo deste post, mas posso citar inúmeros exemplos de civilizações que buscavam esta autorepresentação como forma de se fazer lembrar e impor. Fenícios, Egípcios, Gregos, Romanos e mais recentemente escolas Renascentistas e Modernas que formaram inúmeros artistas e pintores. Haja visto trabalhos de pintores e retratistas anteriores ao período de invenção da fotografia que tinham aí seu oficio e meio de ganho. Era comum que tais artistas fossem contratados para fazer retratos de famílias nobres em suas respectivas sociedades.

No caso dos povos da antiguidade como egípcios e mesopotâmicos, sua representação pictórica era também uma necessidade narcisista de fazer-se perpetuar,  priorizando juventude e poder através de sua imagem e representação. Não muito distante deste ideário estão também pinturas rupestres com imagens de festas, guerras e rituais. Ou seja, autorepresentação e perpetuação integra anseios dos mais profundos em diferentes épocas e civilizações.

Em verdade a KODAK ofereceu o botão e todo o resto se fazia como mágica. Ao clicá-lo todo o sentido de perpetuação integrava-se a uma imagem que logo a seguir seria consumida e reproduzida com diferentes objetivos e propósitos. 

É interessante notarmos as publicidades de incentivos ao uso das câmaras e de que forma ritos e eventos sociais, públicos ou privados, podiam ser feitos. Tal simplicidade era apresentada pela figura feminina. Afinal, “até uma mulher poderia manejar uma”!

O que ninguém imaginaria era o quanto as pessoas iriam longe nos usos e abusos desta tecnologia, e o quanto se fariam fotografar. “Selfies” (neologismo que chega junto com o desenvolvimento de tecnologias digitais e redes sociais), proliferam à nossa volta nas mais diversas situações. Algumas bastante constrangedoras como as que ocorrem em funerais e tragédias. Da auto-representação passa-se imediatamente ao narcisismo exacerbado e mórbido, onde uma imagem tenta ser síntese de todo um conjunto de sentimentos, emoções, acontecimentos. Requintes e minúcias que, em muitos casos poderíamos passar sem! Não é preciso lembrar de “selfies” em funerais, pós sexo, ou até em situações de tragédias, mortes, acidentes e outras catástrofes.

Mais de um século depois temos de novo um botão com funções semelhantes dentro de uma plataforma tecnológica.

O “curtir” no FACEBOOK encerra em si a possibilidade de registrar um rastro de perfis, gostos e desgostos a partir de uma ferramenta tecnológica. Nunca foi tão fácil apertar um botão e deixar que outros façam o resto. A sanha da exibição e de mostrar-se continua, mas com outras características.

De fundo temos o principio mais elementar: facilidades para a exibição e instantâneo compartilhamento.

Como todo produto em rede, as máquinas fotográficas foram assumidas, primeiro, pelos mais abastados e somente depois alcançaram as camadas mais populares. Não foi diferente com as redes sociais. Sua aparente gratuidade envolve uma gama imensa de necessidades de consumo prévio (é preciso um computador, provedores de acessos e equipamentos digitais para fazer os registros fotográficos). Ou seja, foi preciso que um determinado segmento da sociedade pudesse começar a consumir tal tecnologia para ela se espalhar, mas ainda está longe de poder ser considerada democrática e gratuita. Mas como um rastilho de pólvora tem acendido o desejo de milhões para o consumo rápido de imagens de si, de outros, de lugares, coisas, objetos, eventos.

Eis o que une KODAK  e FACEBOOK com um hiato de pouco mais de 100 anos. Enfim, não é apenas o K no final!

FACEBOOK tal como a KODAK introduziu na vida social a pretensa necessidade de um intermediário tecnológico para preservar momentos e compartilhar relações entre aqueles que pretensamente se ama e se quer sempre perto. O mote justificador é o mesmo: aproximar via imagem aquilo ou aquele que está distante e muitas vezes até inacessível. 

Nos dois casos temos a semelhança de irem ao encontro de um anseio de perpetuação e exibição nos espaços sociais, facilitados por botões que simplificam, dão forma e… às vezes, até sentido ao que se quer mostrar.

 

O botão da KODAK e o curtir do FACEBOOK, encerram em si uma ação: auto-representação e exibição para consumo social.

____________________

Posts relacionados:

KODAK: uma história de derrocada ou de longevidade?

Facebook: robotização e sedentarismo em rede

Como se constrói uma Narrativa Fotográfica?

Geração Touchscreen

Contradições em vidas modernas

Escravos do celular?

*

Curta/Acompanhe o blog também através de sua página no Facebook

Visite meu site ER Consultoria | Gestão de Informação e Memória Institucional

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. A Kodak como o Facebook são

    A Kodak como o Facebook são empresas que se agigantaram, cada uma em seu tempo, monopolizando situações.

    Se observarmos a historia da fotografia, antes da Kodak tomar conta da atividade, existiam multiplos processos de se fixar uma imagem. Muitos fotografos inventavam seus proprios metodos de sensibilizar  uma placa para obter uma imagem.

    A Kodak foi crescendo e acabando com tudo isso, levando a tecnica fotografica para um unico caminho.

    A fotografia a cores perdeu muito com isso.

    Antes haviam processos que conservavam as cores por muito tempo.

    A Kodak facilitou a vida dos fotografos, que passaram a encontrar nas lojas suas materias primas prontas, mas as cores não mais resistiam a ação do tempo.

    Durante decadas as fotografias a cores não faziam parte dos acervos dos museus, por não perdurarem no tempo.

    A gigante americana tomou conta de tudo que dizia respeito a fixação de imagens, ate das radiografias.

    E como todo grande gigante, chega um momento que suas pernas não suportam seu peso, tornam-se lentos, caem..

    O mesmo aconteceu com outra gigante, a Xerox. Era tão grande que ficou lerda para acompanhar a velocidade das transformações tecnologicas.

    As gigantes da internet estão tomando o mesmo rumo, abocanhando tudo pela frente.

    Tem gente que acha isso positivo, outros desconfiam.

    Os musicos,por exemplo, criticavam as praticas da industria fonografica,com razão..

    Hoje, rapidamente,ja não existem mais CDs, gravadoras, a musica so transita por um caminho, o virtual.

    Particularmente não gosto da ideia de num futuro proximo so ter um caminho para fazer compras, me comunicar, receber informações, escutar musica, namorar, me divertir.

    Por enquanto o brinquedo é novo, a humanidade esta se divertindo.

    Aguardo o futuro para assistir um fim dessa historia, se as gigantes da internet dominarão completamente o mundo ou se cairão pelo tamanho, como a Kodak ou a Xerox.

  2. Incrível foi que a Kodak

    Incrível foi que a Kodak inventou a FOTOGRAFIA DIGITAL e a temeu.

    Não quis dar a devida atenção a fotografia e digital e perdeu o bonde…

    Foi engolida pela criatura que ela mesma criou…

    Já a SONY viu a oportunidade de ouro e a segurou…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador