Luciano Hortencio
Música e literatura fazem parte do meu dia a dia.
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Léo Belico: “É o tempo que esquece da gente”!

Resgate de Luciano Hortencio

do blog de Nefelibata de Atalaia

Tucumán, 320 *

Uma década de cultura brasileira em Buenos Aires

A Era de Ouro do Rádio tem na década de 1950 o seu ápice. Não apenas no Brasil, como em todo mundo as famílias reuniam-se ao redor dos velhos galenas para ouvir noticiário, rádio-novelas, humor e muito show de auditório. Em Buenos Aires, não era diferente. A rádio El Mundo estava para a Argentina assim como a Rádio Nacional para o Brasil. Foi através da El Mundo que os argentinos puderam conhecer a música brasileira e seus sambas, xotes, baiões e sambas-canção. Tudo graças à voz de um mineiro de Ponte Nova, bancário, funcionário público, que quase acidentalmente foi parar nas graças de Evita e Juan Domingos Perón, transformando-se em sucesso naquele país e em outros da América do Sul. Seu nome: Léo Belico.

A semana que durou uma década

Filho de amantes da música, Belico dava os primeiros passos ao lado do pai gaitista e da mãe que tocava muito bem o bandolim em Ponte Nova. Léo no violão e mais nove irmãos e irmãs alegravam os saraus da família. Bancário do Credireal e depois do Banco Mineiro da Produção (posteriormente o Bemge), teve na máquina de escrever a alavanca para uma carreira que começou como office-boy na cidade natal, chegando a contador em Belo Horizonte. Entretanto a burocracia bancária demandava uma válvula de escape para Léo Belico. Em BH ele encontrou-se com dois conterrâneos, os irmãos Bolívar e Vladimir com os quais formou o Trio Aymoré que apresentava-se no Cassino da Pampulha, nas horas dançantes dos elegantes Iate Clube e Minas Tênis e nos bailes da capital. Sucesso na cidade, a orquestra do maestro Deley precisou de um crooner e acabou chamando Léo para integrar a equipe. Era o finalzinho da década de 1940 e Belico entrou para o rádio. A Guarani tinha então um dos melhores casts da cidade: Jáder de Oliveira, Delfino Santa Rosa, Rômulo Paes e Orlando Pacheco.

Léo Belico nos auditórios da rádio El Mundo - Buenos Aires  (Foto: arquivo pessoal LB)

“Que emocion que mencionas a Leo Belico. Cuando yo tenia alrededor de 8 años mi mama me llevo a verlo a Radio El Mundo porque yo estaba enamorada de el y me firmo un autografo que todavia lo conservo hasta hoy. Gracias por el recuerdo”, comenta uma quase anônima Marta em um blog argentino. E foi por um capricho do destino que Léo Belico chegou em Buenos Aires. Um prêmio em uma das festas de final de ano do Banco Mineiro da Produção presenteou o competente contador com uma passagem para a capital portenha. “Eu tinha um dinheirinho guardado que ganhei com a música em Belo Horizonte. Isso permitiria que eu passasse uma semana por lá”, relembra Belico. Uma semana ? Que nada. Na primeira oportunidade que teve, Léo deu uma “canja” numa casa noturna. Suficiente para ser “descoberto” por um produtor musical da El Mundo que lançou a “bomba” no mercado argentino. Patrocinado pela única filial da elegante loja Harrods fora de Londres, Léo Belico conheceu a fama e a idolatria do rádio nos anos dourados. Também passou por outras duas grandes rádios da época, a Rádio Belgrano e a Splendid. Fez sucesso no cinema, participando de um número musical no filme “Romeo e Julita”.

 

No llores por mi, Argentina

Canta Brasil en la voz de Léo Belico: sucesso em português  (Foto: arquivo pessoal LB)Léo Belico teve a admiração de Eva Perón e participou de inúmerosshows no território argentino para a fundação social que a toda-poderosa Evita comandava. Uma vez, convidado para noite de gala na Casa Rosada, sede do governo argentino, aproximou-se de um grupo de brasileiros que conversava com o presidente Perón. O líder do grupo fazia um comentário orgulhoso sobre o “nosso” artista brasileiro que faz sucesso, ao que Perón respondeu: “Bueno, es verdad que hace éxito, pero el Negro Belico es de nosostros”. O sucesso de “La voz de Brasil em Buenos Aires” – só cantava em português – levou Léo Belico por toda América do Sul, inclusive Colômbia onde chegou a ter que pedir escolta policial para locomover-se.

Com saudades do Brasil, Léo Belico regressou em agosto de 1960, aos 35 anos de idade. A partir daí faria apenas temporadas na Argentina. Irrequieto, ainda participou de programas na rádio Record de São Paulo e na mítica Nacional do Rio de Janeiro na qual apresentava-se sempre no programa do lendário César de Alencar, convivendo com os astros e estrelas da época: Marlene, Emilinha, Ângela Maria, Lúcio Alves, Jorge Veiga, Jorge Goulart, maestro Chiquinho e os irmãos Cyl e Dick Farney, entre outros tantos.

Léo em seu apartamento em BH: "É o tempo que esquece da gente"  (Foto: AC)Ao lembrar a época, Léo Belico tenta disfarçar um pequena lágrima que corre do olho esquerdo. “É o tempo que esquece da gente, substituídos por isso que a TV mostra e o rádio toca hoje em dia. Músicas grosseiras, com palavras chulas. É o sucesso de hoje…”, lamenta Belico, talvez com saudades de uma época na qual apenas apresentava-se o artista bem trajado e que tivesse, realmente, qualidade. A mesma qualidade que levou o endereço do brasileiro – Tucumán, 320 – a tornar-se uma espécie de embaixada da cultura musical brasileira na capital argentina.

 

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Os fonogramas foram gentilmente cedidos pelo Arquivo Nirez, através do jornalista pesquisador Miguel Nirez de Azevedo.

Luciano Hortencio

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12 Comentários

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      1. Cabra enxerido!

        Acho que o Tadeu usou do famoso recurso democratico do “ou da ou desce”…  E eu tô achando, Vaninha, que esse “Tadeu” e o tar de “Chiquinho” são a mesma pessoa: um certo cearense conhecido também por barão das cabrochas e fã de caranguejo…

        [video:https://youtu.be/l00bqPQ0ibU%5D

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