Mad Max: Fury Road ou o retorno dos verdadeiros bárbaros

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

A barbárie ocupa um papel central no imaginário do que chamo “civilização branca dos olhos claros” (anglo-americana-australiana). Os outros povos, que tem a pele escura, morena, avermelhada e amarela, cujos olhos são predominantemente negros, marrons e apertados são objeto de discriminação aberta ou velada pelos donos do império que pretende definir as linhas militares de tensão pós-Guerra Fria, a divisão econômica do mundo e a forma como este mesmo mundo deve ser visto em obras cinematográficas que criam e opõe uma versão convencional do “nós” à imagem distorcida e depreciada dos “outros”, os bárbaros.

O cinema norte-americano em especial nasceu e cresceu produzindo exclusões simbólicas. Os índios, inimigos internos da “civilização branca dos olhos claros”, foram os primeiros bárbaros imortalizados em centenas de filmes. Malvados por natureza, os índios sempre preferiam morrer em seus cavalos a dar passagem para os pobres colonizadores que queriam suas terras. Os negros não tiveram sorte muito melhor. Quando não eram serviçais dóceis nas casas grandes cênicas, os negros eram rebeldes violentos ou pérfidos estupradores que perseguiam mulheres brancas ingênuas e indefesas. Impossível esquecer que eles dançam para King Kong e oferecem à fera gigantesca uma mulher branca.

Um terceiro grupo tradicionalmente excluído pelos filmes “made in USA” são os eternamente desagradáveis, sujos e irracionais mexicanos, cujas vidas inúteis são as vezes defendidas pelos membros da   “civilização branca dos olhos claros”. O quarto grupo demonizado por Hollywood foram os asiáticos: japoneses, coreanos, chineses e vietnamitas, foram durante décadas retratados como “gooks”, cuja morte era um imperativo categórico das guerras cinematográficas inspiradas em guerras reais bem menos heróicas.  Eternos excluídos simbólicos, alguns negros, mexicanos, asiáticos e  índios norte-americanizados acabaram sendo economicamente incluídos em razão de se tornarem figurantes e atores da própria desgraça.

Após a II Guerra Mundial, durante a Guerra Fria e até os dias de hoje, um outro grupo de excluídos simbólicos ajudou a construir a história do cinema norte-americano. Estou obviamente me referindo aos alemães e russos. Eles também são brancos de olhos claros, mas não podem pertencer à “civilização branca dos olhos claros” porque são racistas e marxistas. Eles encarnam algo que é tratado como um mal secular ou como um mal mais profundo, um do qual os norte-americanos, ingleses e australianos estão livres.

A imagem que a “civilização branca dos olhos claros” faz de si mesmo e espalha pelo mundo é diametralmente oposta à História e raramente é pautada por fatos. Impossível esquecer que o racismo científico nasceu na Inglaterra (Henry Thomas Buckle) e que os ingleses praticaram atrocidades terríveis em suas colônicas. A primeira Lei prescrevendo a esterilização compulsória de doentes mentais aprovada pela Alemanha nazista foi inspirada numa Lei que já estava em vigor nos EUA. Não é segredo que a Austrália tem uma dolorosa dívida com os nativos que foram escravizados e tiveram seus filhos roubados por colonos brancos. 

Os homens da “civilização branca dos olhos claros” raramente são retratados como bárbaros. Quando isto ocorre, eles geralmente foram revertidos à barbárie após o apocalipse ou depois de uma guerra nuclear ou de uma zumbítica peste. Por isto, filmes como “Mad Max: Fury Road” sempre atraem minha atenção. Neles é possível ver norte-americanos, ingleses e australianos representando o que eles realmente são.  A inevitabilidade política ou econômica de uma guerra nuclear ou o fim do mundo por imposição teológica tal como retratado na Bíblia (que os protestantes ingleses, norte-americanos e australianos acreditam ser uma descrição literal do passado e do futuro) fornece inspiração para este tipo de filme.

No imaginário dos engenheiros sociais e simbólicos da “civilização branca dos olhos claros” o fim do mundo é uma realidade inexorável. O mundo deles e o nosso vai acabar, quer porque os chineses, russos e latino-americanos não aceitam intromissões dentro de suas fronteiras, quer porque os “outros” povos competem por recursos escassos com os norte-americanos, ingleses e australianos. 

A barbárie parece ser o único estado em que os povos de língua inglesa conseguem ser felizes. O conflito armado não é para eles algo que pode ser evitado através da diplomacia. No estágio atual de desenvolvimento, aliás, norte-americanos, ingleses e australiamos vivem permanentemente em guerra e nem se dão ao trabalho de pedir autorização para a ONU para bombardear países soberanos. A própria ONU se tornou tão irrelevante que o governo Bush Jr. mentiu descaradamente no Conselho de Segurança da mesma para obter autorização para atacar o Iraque.

Civilização significa pluralismo cultural e tolerância religiosa. Nada disto se pode ser encontrado na história da Inglaterra, dos EUA e da Austrália.

Os filmes que tratam de uma regressão ao barbarismo são, na verdade, sintomas de uma doença que acomete os povos de língua inglesa. Os antepassados de muitos deles eram bárbaros que viviam além da Muralha de Adriano ou que reverteram à barbárie quando os romanos deixaram a Bretanha. Eles sonham em regressar ao estado de barbárie apenas porque são incapazes de admitir a verdade: sob o verniz de civilidade, sob as imensas camadas de riquezas materiais que eles amontoaram em suas cidades e mansões em razão de guerras externas, eles continuam sendo apenas bárbaros. Bárbaros que falam uma língua quase sem gramática e que é tão barulhenta quanto o rangido das armas mecanizadas que eles aperfeiçoaram para continuar fazendo o que os antepassados deles faziam num passado distante.

O barbarismo dos povos de língua inglesa é tão grande que eles conseguiram uma coisa fantástica. Eles transformaram uma religião que se notabilizou pela passividade e pelo respeito a vida no estandarte de guerra que seus exércitos sempre empunharam e que atualmente pretendem empunhar na Ucrania.

“Mad Max: Fury Road” é um filme bastante eloquente. Uma excelente representação do que foram, do que são e do que sempre serão os norte-americanos, britânicos e australianos. Imperdível, mas não pelas razões divulgadas pela grande imprensa.

Fábio de Oliveira Ribeiro

20 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Desfile de preconceitos

    Impressionante o desfile de preconceitos e intolerância nesse artigo, como se esses três países fossem os únicos culpados por todos os males da humanidade, e que sem a Inglaterra, EUA e Austrália estaríamos há muito conhecendo o paraíso na terra.

    A cereja do bolo é o comentário sobre a língua inglesa, “uma língua quase sem gramática e que é tão barulhenta quanto o rangido das armas mecanizadas”. Shakespeare com certeza concordaria.

    Para citar somente alguns exemplos, a colonização da América latina não teve participação do ingleses. Espanhóis e Portugueses não precisaram deles para dizimar as populações existentes no continente. Os gulags soviéticos, a invasão do Afeganistão nos anos 80  pelo exército soviético e o massacre da Chechênia pela Rússia não tiveram nenhum dedo anglofone. As dezenas de milhões de vítimas da Revolução Cultural não foram consequência da barbárie inglesa nem norte-americana, como também não foram os genocídios armênio, dos Tutsis na Africa ou dos Cambojanos sob o regime do Khmer vermelho.

    A barbárie não tem idioma nem nacionalidade ; ela é inerente à natureza humana. Tentar associá-la a um único país ou uma única língua é preconceito e racismo ao contrário.

    1. Existem centenas, talvez

      Existem centenas, talvez milhares de filmes norte-americanos ridicularizando índios, negros, vietnamitas, coreanos, russos, mexicanos, etc… Por favor, mostre-me aqui algumas centenas de filmes feitos por  índios, negros, vietnamitas, coreanos, russos, mexicanos, etc… para ridicularizar a “civilização branca dos olhos claros”, caso contrário serei forçado a acreditar que você é apenas um adepto do “anglo-american way of supremacy”.

      Você disse que sou racista: mostre-me um só filme que eu tenha feito para ridicularizar norte-americanos e direi que você está certo.

      Shakespeare é seu herói poético? O meu é Virgílio, cuja Eneida gosto de ler em voz alta em Latin. 

      O que está em questão aqui não é a barbárie praticada por espanhóis e portugueses (que nunca neguei em meus textos), mas a barbárie praticada por norte-americanos, ingleses e australianos e a auto-imagem positiva que eles fazem de si mesmos à medida que depreciam índios, negros, vietnamitas, coreanos, russos, mexicanos, etc…  nos filmes que produzem e distribuem.

      A questão aqui é a possibilidade de vermos norte-americanos, ingleses e australianos como eles são (ou seja como bárbaros) em filmes como o que foi comentado. Quando revertem à barbárie os membros da “civilização branca de olhos claros” mostram sua verdadeira face. Esta face o incomoda porque você é ou gostaria de ser um bárbaro?

  2. Acho de  um simplismo

    Acho de  um simplismo increditável olhar para um filme como o novo Mad Max e só ver representações de uma narrativa branca e eurocêntrica, e esquecer todo o espetáculo visual que a película proporciona. Tem horas que olhar o mundo somente através das lentes da guerra cultural cansa.

    1. Guerra cultural: vocẽ

      Guerra cultural: vocẽ realmente acredita que o cinema norte-americano faz outra coisa senão isto à medida que coloniza cabecinhas vazias ao redor do planeta?

    1. Você não indicou nem os

      Você não indicou nem os acertos nem as barbaridades, tampouco provou com argumentos cada uma delas. Faça isto ou presumirei que você é apenas um babaca gringolizado que detesta qualquer um que critique sua “civilização branca dos olhos claros”.

      1. barbarizando

        “um babaca gringolizado”

        Digamos numa língua nem um pouco bárbara: “Così è se vi pare.”

        Ou, como cantava Jackson do Pandeiro:

        “Sou cabeça feita,

        Não jogo conversa fora

        Se o papo é legal, eu fico

        Se não serve, vou-me embora.”

        Fui…

        …Voltei.

        E voltei com uma sugestão: uma postagem sobre o atavismo bárbaro estadunidense no seriado GAME OF THRONES.

        1. Você continua sem provar

          Você continua sem provar absolutamente nada sobre o que disse de mim, mas segue dando provas de que é um babaca gringolizado. Ha, ha, ha…

  3. O preconceito na produção

    O preconceito na produção cinematográfica egemônica de língua inglesa é óbvio, ideológico e vergonhoso. Entretanto, também é sinal de uma tola discriminação infantil jogar todo mundo na vala comum dos tais bárbaros “brancos de olhos claros.” Conheço ingleses e americanos sem nenhum traço de preconceito e muito constrangidos com a história de dominação dos seus países. Conheço árabes (descendentes, para ser mais exato), negros e orientais assumidamente racistas.  Portanto, é preciso relativizar um pouco esse discurso ressentido e odioso. A propósito: o que caracteriza um povo bárbaro? Bárbaro, pelo que sei, é sempre o outro, com seus hábitos e sua cultura diferentes. E isso não foi invenção de nenhum inglês, estadunidense ou australiano. Para os romanos, eram os demais povos euro-asiáticos. Para os muçulmanos, eram os infieis não convertidos. Para os chineses, no auge dos seus antigos impérios, era o resto do mundo. Para os anglo-saxões pós antiguidade, eram os árabes, africanos, nativo-americanos etc.Para os superiores e civilizados brasileiros de hoje, bem podem ser os paraguaios. Enfim, bárbaro, por definição, é sempre o outro, inclusive pra você. Indo mais longe, vejamos como muitos de nós (mas não todos) somos bárbaros com os nordestinos, com os nortistas, com os índios brasileiros, com as crianças, com as mulheres, com os idosos, com os animais, com o vizinho…Ainda bem que eu não sou seu vizinho. 

    1. Não estamos falando dos seus

      Não estamos falando dos seus amiginhos virtuosos e sim do cinema norte-americano, inglês e australiano, que cria uma imagem irreal da “civilização branca dos olhos claros” exceto quando a faz regredir ao barbarismo (pois neste caso os bárbaros podem ser vistos exatamente como são). Se gosta tanto de seus amigos vá morar com eles. Ha, ha, ha… O casamento gay é amplamente aceito entre gringos, Allex.

    1. O seu pseudônimo diz tudo

      O seu pseudônimo diz tudo sobre você. Se é gringo, nada pode fazer senão defender o “anglo-american way of supremacy” num país em que odeia estar. Se é brasileiro e o defende você é apenas um pobre diabo sem pátria, pois odeia a sua (o Brasil) e sempre será considerado um estrangeiro inferior no país que tanto anos (quer ele seja os EUA, a Inglaterra ou a Austrália). Ha, ha, ah… acho que quem precisa um  grupo de psiquiatras é você meu caro! Quanto pó você tem cheirado para conciliar sua pobre condição humana. Ha, ha, ha…

    2. Quem precisa de psiquiatra

      Quem precisa de psiquiatra são certos seres que vem aqui destilar seu amor/ódio contra a esquerda, classico caso de sadomasoquismo. Não é mesmo Gringo walker?!

      Fabio não bate que le gama!

       

       

    1. Ha, ha, ha… mais um

      Ha, ha, ha… mais um defensor do “anglo-american way of supremacy”. Porque você não postou a Union Jack em seu comentário ilustrando-o com o “God save the queen”? Deste jeito você acabará sendo ridicularizado pelos verdadeiros ingleses, meu caro!

  4. Somos todos partes da Civilização Ocidental

    Os anglo-americanos são bárbaros porque desdendem de bárbaros? Mas se é assim, bárbaros também são todos os descendentes de povos oriundos da Europa Ocidental, a menos que você acredite que somos parte de uma linhagem pura que vem desde os antigos habitantes do Latium.

    Ingleses, norte-americanos ou latino-americanos, somos todos produto da civilização ocidental cristã, herdeira dos legados greco-romano e judaico-cristão. Tal como eles, nós também matamos índios, escravizamos africanos e entramos em guerra com nossos vizinhos. Nada vai aí de anormal: matança, escravidão e guerra são a herança comum de toda a humanidade, inclusive de índios e africanos. O que nos separa dos anglo-americanos é a riqueza, não o contexto civilizacional. É óbvio que existe uma relação íntima entre poder econômico e capacidade militar, daí que “eles” pareçam mais belicosos que os “outros”. Os norte-americanos não são piores que ninguém. Mas também não são melhores. São apenas mais ricos.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador