Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

Matemática e Surrealismo: Carroll, Escher e matemagos

Em que momento a Matemática, a ciência do raciocínio lógico e abstrato, pode converter suas deduções rigorosas em surreais paradoxos visuais e lógicos? Surrealismo e matemática não se opõem, mas podem ser excelentes aliados. A férrea lógica matemática pode contribuir eficazmente em desmascarar a falta de lógica dos esquemas de pensamento e o funcionamento de sistemas opressivos. Muitos paradoxos, charadas e falácias matemáticas constituem autênticas sátiras dos vícios de pensamento da nossa cultura. Os romances matemáticos de Lewis Carroll e o insólito fascínio pelas imagens de M.C. Escher acabaram criando a lógica do “non sense” presente tanto em escritores como Kafka quanto em filósofos como Jean Baudrillard. Vamos explorar as possibilidades de encontros entre o Surrealismo e a Matemática.

“Se tomar um círculo e acariciá-lo, ele se torna um círculo vicioso” (Ionesco)

A primeira vista surrealismo e matemática parecem coisas pouco afins, se não totalmente contrárias. O racionalismo do discurso matemático e sua absoluta sujeição a regras pré-estabelecidas não parece nem remotamente compatível com um movimento onde é normal saltar todas as regras e gramáticas.

Apesar disso, vamos explorar as possibilidades de conexões entre ambos. A primeira e mais óbvia: na medida em que o surrealismo supõe uma subversão da linguagem convencional, e na medida em que a matemática é a mais “convencional” das linguagens (no sentido de que conservar a lógica interna em função dos pressupostos convencionais é sua própria essência), nada menos surpreendente do que o surrealismo se sentir tentado a perturbar essa a ordem e precisão da matemática.

O surrealismo matemático popular

Podemos considerar o surrealismo popular da matemática em jogos de palavras e chistes como, por exemplo, dizer que o número sete seja “cabalístico” (sete pagas do Egito, sete anões, sete notas musicais etc.). Outros exemplos: “as orgias perfeitas ocorrem em números ímpares” (dizia Marques de Sade na sua paradoxal filosofia de racionalizar as perversões); “se a possibilidade de sofrer um acidente aumenta com o tempo que passa na rua, portanto quanto mais rápido for, menor é a probabilidade de ter um acidente”; “20% das pessoas morrem por fumar. Portanto, 80% morrem por não fumar. Por isso, está demonstrado que não fumar é pior do que fumar”; “Um pé em água fervendo, o outro pé na água congelada. Na média, você está passando bem”.

Kurt Gödel: todo conjunto matemático
possui uma cilada lógica

Também a dimensão fonética da linguagem matemática pode contribuir para sua subversão, já que números, relações, matrizes, funções etc. pretendem transformar a matemática na linguagem mais pura, natural e exata. Por exemplo: 6662 = “besta quadrada”. Ou o exemplo duplamente surrealista e escatológico na equação proposta pelo matemático espanhol Carlo Frabetti: 2P2 + K2iA + A2 X1KDT = “dois peidos mascados e amassados por um cadete”.

Paradoxos surrealistas

Outra possibilidade menos óbvia e menos frequente, mas muito mais interessante, é de que a matemática não seja meramente o cenário de uma travessura surrealista, mas seu instrumento. Quer dizer utilizar a própria matemática respeitando sua lógica e pressupostos até o momento em que os resultados sejam desconcertantes e antirracionais.

Mesmo lógicos e matemáticos chegam a paradoxos surrealistas como o caso do matemático austríaco Kurt Gödel (1906-1978). Ele demonstrou que um conjunto matemático estanque de axiomas e postulados deve ter necessariamente um erro lógico, com uma inconsistência real ou, no mínimo, um caso intratável. Um exemplo é o do barbeiro: numa cidade em que só há um barbeiro e que este barbeia todos os que não podem se barbear sozinhos, ele próprio faz sua barba? Caso faça, não faz. Caso não a faça, então faz.

Outra cilada lógica desse tipo (a racionalidade conduz ao seu inverso) é aquela que diz “Eu sou João, um mentiroso” que contém uma contradição interna – se ele é mentiroso, não se chama João; se estiver falando a verdade, logo ele não é mentiroso e a afirmação é verdadeira…

Se um sistema tiver axiomas e pressupostos poderosos, sempre haverá uma questão que poderá ser colocada em seu interior que não poderá ser respondida.

Lewis Carroll e a matemática demente

Lewis Carroll, famoso pelo livro Alice No País das Maravilhas, era também professor na Universidade de Oxford e dedicou-se a vários ramos da matemática, em especial ao estudo da lógica. Além do livro Matemática Demente (composto por deliciosos contos matemático-humorísticos onde Carroll pretendia ensinar matemática através dos seus paradoxos), muitos consideram Alice um romance matemático: através das charadas, paradoxos, trocadilhos, paroxismos e sátiras, Carroll mostrou o ilógico e irracional por trás do mundo dos adultos a partir dos próprios pressupostos da racionalidade.

Destacamos aqui o capítulo 5 (Conselho de uma Lagarta) Nesta cena em Alice está diminuta e deseja aumentar de tamanho. A Lagarta a aconselha a comer um pedaço de cogumelo e Alice cresce demais, com a cabeça saindo por cima das folhas das árvores mais altas da floresta. Uma Pomba que passa assusta-se ao ver Alice e a acusa de ser uma Cobra, pois as Cobras têm pescoços compridos. Alice afirma que é apenas uma menina e começa uma discussão entre elas sobre a natureza real da garota. Apesar de no mundo real ser impossível confundir uma menina com uma cobra, no País das Maravilhas a Pomba está perfeitamente certa do que afirma, baseada na lógica matemática.

“Queda D’Água” de Escher

Sherry Turkle em O Segundo Eu comenta o paradoxo matemático de Carroll “O que a tartaruga disse a Aquiles”: Aquiles conversa com a tartaruga sobre um fonógrafo perfeito. Mas se o fonógrafo chegar a uma certa altura do som destruirá a si mesmo. Logo, todo fonógrafo tem que ser imperfeito. Se for não tocará a nota que irá destruí-lo. Se for, forçosamente terá que ser limitado.

Nesse sentido, surrealismo e matemática não se opõem, mas podem ser excelentes aliados. A fatal lógica matemática pode contribuir eficazmente a desmascarar a falta de lógica dos esquemas de pensamento e a atuação de sistemas opressivos. Muitos paradoxos, charadas e falácias matemáticas constituem autênticas sátiras dos vícios de pensamento da nossa cultura.

É a chamada “lógica do non sense” utilizada tanto por escritores como Kafka até filósofos como Jean Baudrillard onde o filósofo francês tematizava o vanish point de todos os sistemas, a hipertelia (de hiper – sobre, além, fora das medidas – e telos – resultado, final, conclusão): a natureza “maligna”ou “perversa” dos sistemas tecnológicos que chegam a um tal grau de complexidade que se tornariam inúteis e inertes. Uma patafísica dos sistemas! 

>>>>>>>>>>Leia mais>>>>>

 
 
Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Tive a oportunidade de

    Tive a oportunidade de conhecer Escher pessoalmente, na Holanda.

    Nem preciso dizer que era uma pessoa especial ja no primeiro olhar.

    Foi logo criticando os artistas, pois “são pessoas que se orientam pela emoção e não pela razão”.

    Afirmou ainda detestar Michelangelo. “Aquele que pinta anjos de bunda grande”.

    Escher me disse que não se considerava um “artista”, mas um mero “ilustrador” de descobertas cientificas.

    No momento não entendi o que queria dizer.

    Alguns dias depois mostrei a reprodução de um de seus trabalhos a um amigo matematico.

    Ele não viu imagens, mas equações matematicas.

  2. Excelente livro:
    http://pt.wikipedia.org/wiki/G%C3%B6del,_Escher,_Bach

    Gödel, Escher, Bach: um entrelaçamento de Gênios Brilhantes (geralmente chamado GEB) é um livro vencedor do Prémio Pulitzer escrito pelo acadêmico estadunidense Douglas Hofstadter. Foi publicado em 1979 pela Basic Books. Hofstadter escreveu um novo prefácio para a edição dos vinte anos em 1999 (ISBN 0465026567), edição esta que foi a base para a tradução para Português em 2001 por José Viegas Filho (ISBN 8523005781).

    Poder-se-ia pensar que o título diz tudo: um livro sobre um matemático, um artista e um músico. Mas um olhar mais casual mostra que estes três indivíduos, per se, apenas desempenham funções minúsculas no conteúdo do livro. O livro não é, de modo algum, sobre eles.

    GEB é um livro difícil de caracterizar porque foca muitos e heterogéneos tópicos e é quase impossível localizar o núcleo central. Entre outros GEB fala de fugas e cânones, lógica e verdade, geometria, recorrência, estruturas sintácticas, a natureza do significado, budismo zen, paradoxos, cérebro e mente, reducionismo e holismo, colónias de formigas, conceitos e representações mentais, tradução, computadores e suas linguagens, ADN, proteínas, o código genético, inteligência artificial, criatividade, consciência e livre arbítrio, arte, música, etc.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador